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PF apura se corrupção na Receita para perdoar multa continuou após denúncia

Sergio Lima/Folhapress
Imagem: Sergio Lima/Folhapress

Aiuri Rebello e Leandro Prazeres*

Do UOL, em Brasília

05/08/2017 04h00

A PF (Polícia Federal) investiga se o esquema de corrupção que envolve o BankBoston e o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), ligado ao Ministério da Fazenda e à Receita Federal, continuou mesmo após a deflagração da Operação Zelotes. O banco é acusado de ter pagado propina para evitar a obrigação de quitar R$ 509 milhões em multas fiscais. Originalmente, a PF investigava atividades do suposto esquema de corrupção que ocorreram até 2015.

A operação da PF --que já teve várias fases e investiga esquemas de corrupção de mais de 70 grandes empresas junto ao Carf-- começou no início de 2015, mas existe a suspeita de que o BankBoston tenha mantido os supostos pagamentos de propina em troca de resultados favoráveis nos recursos, assim como a lavagem do dinheiro por parte dos integrantes do esquema, possa ter perdurado até o início deste ano.

Em resposta a pedido do MPF (Ministério Público Federal), a Justiça Federal decidiu estender a quebra de sigilo bancário de três empresas do início de 2014 até 18 de março de 2017. Entre elas, uma empresa suspeita de ter sido usadas por ex-conselheiros do Carf investigados para receber e lavar dinheiro oriundo de propina. As outras duas estariam dentre as principais acusadas de intermediar a demanda de grandes empresas junto ao esquema de corrupção nos órgãos públicos.

Estas três empresas que tiveram a quebra de sigilo estendida estão envolvidas em diversos outros processos da Operações Zelotes, e são consideradas pelos investigadores centrais no esquema.

"Estão presentes os fundamentos para a extensão da quebra de sigilo bancário (…), as atividades da organização criminosa podem ter perdurado no período de deflagração da Operação Zelotes, em março de 2015, e até a atualidade", afirma o juiz Vallisney de Souza Oliveira, titular da 10ª Vara Criminal da Justiça Federal, em Brasília. Inicialmente a procuradoria pedia a extensão das quebras de sigilo apenas até 2015.

No dia 21 de julho, o juiz aceitou a denúncia oferecida pelo MPF contra 11 réus. Estão, entre eles, o auditor Eduardo Cerqueira Leite, da Receita Federal, e outros três ex-conselheiros do órgão de recursos fiscais ou pessoas ligadas a eles, além do ex-diretor financeiro do BankBoston no Brasil Walcris Rosito e do advogado Mário Pagnozzi, que seria um dos líderes do esquema e responsável por intermediar as demandas das empresas que o contratavam junto ao Carf, entre outros. Procurada pelo UOL, a Receita Federal diz que colabora com todas as investigações.

Presos estão em Brasília para audiência com juiz

Os réus continuam sob investigação e ainda há várias partes do processo sob segredo de Justiça. Na semana passada, Leite e Pagnozzi foram presos preventivamente em nova fase da Operação Zelotes.

Na decisão em que autorizou as medidas, o magistrado afirmou que ambos, se soltos, poderiam atrapalhar as investigações ou destruir provas. Também argumentou que, estando presos, eles não poderão fazer acertos e combinações com os demais membros da indicada organização criminosa.

Na noite de segunda-feira (31), Pagnozzi e Leite foram transferidos de São Paulo para a Superintendência da Polícia Federal em Brasília. Eles devem passar por audiência de custódia ainda nesta semana e depois voltarem para a PF, onde ainda vão depor, ou serem encaminhados para o Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal. 

O escritório de Pagnozzi é acusado de receber R$ 45 milhões possivelmente oriundos de propinas do banco norte-americano de 2005 a 2015. O UOL não conseguiu contato com a defesa de Pagnozzi. Outros dois conselheiros do Carf são acusados de receber R$ 1,7 milhão de propina.

Eduardo Cerqueira Leite é réu em três ações penais derivadas da Zelotes. Além do caso BankBoston, é réu por corrupção passiva no processo que envolve o grupo Safra e no caso do Banco Santander, suspeito de tentar burlar ou diminuir ilegalmente uma multa de R$ 890 milhões.

O ex-auditor aparece ainda no caso do Bradesco. Nessa investigação, Pagnozzi também figura como um dos denunciados pelo MPF por fazer parte do grupo que ofereceu serviços à instituição para anular multas e débitos tributários no órgão. A Justiça já absolveu o presidente e três diretores do banco.

O advogado Renato Stanziola Vieira, que defende Leite, disse aguardar a realização da audiência de custódia do seu cliente e que não poderia se pronunciar sobre detalhes da investigação.

Banco tinha centenas de processos tributários, diz ex-diretor

Segundo a denúncia do MPF aceita pela Justiça, em 2006 e 2007 o BankBoston recebeu duas multas fiscais no valor total de R$ 597 milhões. O suposto esquema de corrupção no Carf conseguiu excluir, desse total, R$ 509 milhões (em valores da época não corrigidos), de acordo com o MPF. 

Em depoimento à PF no final de 2016, Walcris Rosito, ex-diretor financeiro do BankBoston, afirmou que o banco possuía cerca de 400 processos tributários em andamento no Carf e na Receita Federal --incluindo os dois casos em que o banco economizou R$ 509 milhões, que sustentam a acusação criminal-- no período de 2006 a julho de 2014. Ele não falou o valor total das causas. 

No Carf, há o registro de pelo menos 31 processos relativos ao BankBoston no período de 2006 a 2014.

Naquele ano, Rosito deixou o banco e abriu um escritório de advocacia. Ele diz que todos os escritórios de advocacia ou consultoria que eram contratados passavam pelo crivo da área de compras do banco e que os pagamentos às empresas suspeitas não eram propinas, e sim remunerações por taxas de sucesso na reversão das multas no Carf.

Ele afirma também que apenas cumpria ordens de dois superiores diretos e dá seus nomes (eles não são réus nesta ação penal). O UOL não conseguiu contato com os advogados de Rosito nem com o próprio.

A assessoria de imprensa do Bank of America, dono do BankBoston nos Estados Unidos, informou que não iria comentar o caso. Em nota encaminhada à imprensa no final do ano passado, o Bank of America havia dito que está "cooperando integralmente com a documentação requerida pelas autoridades brasileiras".

Zelotes - Luiz Carlos Murauskas - 25.fev.2016/Folhapress - Luiz Carlos Murauskas - 25.fev.2016/Folhapress
Investigação da Operação Zelotes está a cargo da Polícia Federal
Imagem: Luiz Carlos Murauskas - 25.fev.2016/Folhapress

O banco norte-americano existe no Brasil desde a década de 1940 e teve suas operações compradas em 2006 pelo Banco Itaú, que dois anos depois incorporou o Unibanco. 

Em nota à imprensa, o MPF esclareceu que "entre os denunciados não há representantes do Banco Itaú, que adquiriu a instituição financeira durante o período de tramitação dos recursos no tribunal administrativo".

Procurado pela reportagem, o Itaú disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que "todo o legado (ativo e passivo) tributário não fez parte da compra realizada pelo Itaú em 2006, permanecendo sob inteira responsabilidade do Bank of America". 

"O Itaú reafirma que, em 2006, adquiriu as operações do BankBoston no Brasil, sendo que o contrato de aquisição não abrangeu a transferência dos processos tributários do BankBoston, que continuaram sob inteira responsabilidade do vendedor, o Bank of America. O Itaú não tem e não teve qualquer ingerência na condução de tais processos nem tampouco qualquer benefício das respectivas decisões", diz a nota da assessoria.

* Colaborou Flávio Costa, do UOL, em São Paulo