Silêncio de Funaro com aval de Temer custava até R$ 600 mil mensais a Joesley, diz Janot
Na segunda denúncia apresentada nesta quinta-feira (14) contra o presidente Michel Temer (PMDB), pelos crimes de obstrução de justiça e organização criminosa, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apontou que o empresário Joesley Batista, do grupo J&F, pagou cotas mensais de R$ 400 mil a R$ 600 mil ao doleiro Lúcio Funaro, ligado ao PMDB, para garantir seu silêncio e evitar que ele colaborasse com as investigações envolvendo o partido. Os pagamentos teriam começado por medo de que a Operação Lava Jato alcançasse o empresário.
A apresentação da denúncia é um dos últimos atos de Rodrigo Janot à frente da PGR (Procuradoria Geral da República). Ele deixará o cargo no domingo (17), um dia antes de ser oficialmente substituído por Raquel Dodge.
Quando postulava um acordo de colaboração premiada, Funaro disse, em interrogatório na Polícia Civil, que o chamado “pacto de silêncio” com Batista era de R$ 100 milhões, sem especificar como este valor teria sido pago. Na denúncia apresentada nesta quinta-feira, o texto aponta que os pagamentos variavam entre R$ 600 mil e R$ 400 mil e eram entregues para Funaro ou, depois que ele foi preso em julho de 2016, para sua irmã, Roberta.
Para a Procuradoria, Temer cometeu o crime de obstrução de Justiça ao dar aval para que o empresário Joesley Batista comprasse o silêncio de Lúcio Funaro. Ricardo Saud, executivo do grupo, ficaria encarregado de pagar valores à família do doleiro, apontado como operador do PMDB.
Entre fevereiro e junho de 2016, Lúcio Funaro, antes de ser preso, entabulou com Joesley Batista (...) um ‘pacto de silêncio’. O compromisso entabulado entre ambos era o de não firmar, em troca de recursos financeiros disponibilizados por Joesley Batista a serem usados para amparar a família de Lúcio Funaro caso este fosse preso, colaboração premiada. Foi oferecido um contrato de R$ 100 milhões
Rodrigo Janot
Um contrato foi elaborado entre dezembro de 2015 e janeiro de 2016 e assinado com data anterior a 2012. Cópias foram feitas, mas o contrato original foi destruído para inviabilizar perícias, segundo a PGR.
“Joesley dizia a Funaro para irem ‘tocando juntos’, ‘amarrando as pontas’, tudo no sentido de que Lúcio Funaro deveria combinar versões para estorvar os trabalhos desenvolvidos pelos órgãos de persecução. Em troca, Lúcio Funaro se comprometia a não falar nada”, afirma a denúncia.
Após a prisão de Funaro, três pagamentos foram feitos a Dante Funaro, irmão do doleiro, no valor de R$ 600 mil. Depois, mais sete pagamentos mensais de R$ 400 mil foram feitos a Roberta Funaro. A irmã do doleiro costumava receber os valores no estacionamento da escola Germinare, no interior do grupo J&F, em São Paulo.
O último deles, de R$ 400 mil em 20 de abril de 2017, entregue por Ricardo Saud, executivo da J&F, foi monitorado e filmado pela Polícia Federal. No mesmo dia, a PF apreendeu R$ 1.699.800 em bolsas e mochilas na casa de Roberta.
A PGR afirma que Joesley “monitorava” o ânimo de Funaro na prisão, assim como também o faziam integrantes do governo Michel Temer como Geddel Vieira Lima e Eliseu Padilha. A esposa de Funaro e outros membros da família do doleiro eram sondados constantemente. Roberta chegou a enviar um recado escrito à caneta para Joesley para tranquilizá-lo.
Segundo a denúncia, em um encontro de Michel Temer e Joesley Batista, no Palácio do Jaburu, em 7 de março, cujo áudio foi gravado pelo executivo, Joesley pretendia sugerir o fim do pagamento da mesada do doleiro. Temer teria dito “precisa manter isso aí”, em relação aos pagamentos não só a Funaro mas também a Cunha.
Joesley, afirma a denúncia, disse que Temer se valia de linguagem cifrada, dizendo: “Está dando alpiste para os passarinhos, os passarinhos estão tranquilos na gaiola”.
Após o rompimento do pacto por Joesley, afirma a denúncia, Funaro sinalizou que poderia firmar acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal. “Ao tomar conhecimento das tratativas, Geddel Vieira Lima contatou Funaro para sondá-lo se começara a tratar da colaboração com a Procuradoria-Geral da República. Ao negar a informação, Lúcio Funaro questionou a razão da indagação, momento em que Geddel informou que a notícia tinha chegado ao Palácio do Planalto.”
Na peça enviada ao STF, Janot afirma que se não fossem os pagamentos feitos por Joesley "com aval de Michel Temer", Funaro já teria firmado colaboração premiada há um ano e "teria contribuído com a Justiça desde ali para evitar a prática de novos delitos por parte do grupo do 'PMDB da Câmara' que, como visto, continuou a agir ilicitamente". A delação de Funaro só foi concluída em agosto e homologada em setembro de 2017.
Para denunciar Joesley e Saud, Janot decidiu rescindir o acordo de delação premiada firmado por ambos. O acordo de colaboração da JBS, base para as duas denúncias apresentadas contra o presidente, ficou sob suspeita após novos áudios apresentados indicarem que o ex-procurador da República Marcello Miller pode ter auxiliado os delatores quando ainda estava ligado à Procuradoria. Miller nega a suspeita.
Organização criminosa
Além de obstrução de justiça, o presidente Michel Temer também foi denunciado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pelo crime de organização criminosa.
Junto com o presidente, também são acusados desse crime os ex-deputados Eduardo Cunha, Rodrigo Rocha Loures e Henrique Alves, o ex-ministro Geddel Vieira Lima e os atuais ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco, todos do PMDB. Eles teriam recebido R$ 587 milhões em propinas.
Ao todo, a denúncia apresentada conta com 245 páginas divididas em capítulos. Um deles contém uma síntese das imputações enquanto outro detalha como a suposta corrupção aconteceu em diversos órgãos do governo.
Segundo a denúncia, os sete integrantes do PMDB praticaram atos ilícitos em troca de propina dentro de vários órgãos públicos, entre eles Petrobras, Furnas, Caixa Econômica e Câmara dos Deputados. Temer é apontado na denúncia como líder da organização criminosa desde maio de 2016.
Outro lado
O Planalto afirmou que Janot ignorou as suspeitas sobre as delações firmadas pela PGR ao denunciar, pela segunda vez, o presidente Michel Temer por obstrução de justiça e organização criminosa. Segundo o texto, o procurador "finge não ver credibilidade de testemunhas, a ausência de nexo entre as narrativas e as incoerências produzidas pela própria investigação, apressada e açodada".
"Ao aceitar depoimentos falsos e mentirosos, instituiu a delação fraudada. Nela, o crime compensa. Embustes, ardis e falcatruas passaram a ser a regra para que se roube a tranquilidade institucional do país", afirmou, em trecho da nota. O Planalto ainda afirmou que Janot coloca em risco o instituto da delação premiada, "ao não cumprir com obrigações mínimas de cuidado e zelo em seu trabalho, por incompetência ou incúria".
A defesa de Eduardo Cunha diz que provará no processo "o absurdo das acusações postas, as quais se sustentam basicamente nas palavras de um reincidente em delações que, diferentemente dele, se propôs a falar tudo o que o Ministério Público queria ouvir para fechar o acordo de colaboração".
A defesa de Geddel diz que a denúncia tem "inegável fragilidade narrativa e probatória". O advogado Gamil Föppel também afirma que há um "evidente excesso nas denúncias formuladas".
O criminalista Antônio Carlos Almeida Castro, o Kakay, que defende Joesley e Ricardo Saud, criticou Janot por rescindir o acordo de colaboração e, em consequência, denunciá-los nesta quinta."O doutor Janot, de maneira desleal e açodadamente, apresenta uma denúncia fundada justamente nas provas produzidas na delação que agora quer rescindir, isso tudo sem sequer esperar a manifestação do Supremo a respeito da validade ou não do acordo", afirmou, em nota.
"O procurador em final de mandato parece demonstrar certa desconfiança com a nova gestão, pois trata-se de criar fatos bombásticos, a atrair toda a atenção da imprensa e dos Poderes da República, na busca de um gran finale", completou.
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