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Conselheiros do TCE-RJ receberam R$ 6 mi em propina, e Picciani sabia, diz ex-presidente do tribunal

Jonas Lopes de Carvalho, ex-presidente do TCE-RJ, delatou esquema de corrupção - Cris Torres/Divulgação/GovRJ
Jonas Lopes de Carvalho, ex-presidente do TCE-RJ, delatou esquema de corrupção Imagem: Cris Torres/Divulgação/GovRJ

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

09/10/2017 16h35

O ex-presidente e conselheiro do TCE-RJ (Tribunal Estadual de Contas do Rio de Janeiro) Jonas Lopes afirmou nesta segunda-feira (9) em depoimento à 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro que ele e outros quatro conselheiros do Tribunal receberam cerca de R$ 6 milhões em propinas. 

O valor corresponde a 15% dos valores retirados do fundo de modernização do tribunal que foram usados pelo governo do Estado para pagar fornecedores de quentinhas para presos e menores infratores. A propina foi paga, segundo Jonas Lopes, para que os conselheiros do TCE aprovassem o uso do fundo.

Segundo Lopes, o presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio), Jorge Picciani (PMDB), sabia do esquema de corrupção na Corte e foi informado sobre a propina. "O fato é que disse a ele [Picciani], como disse aos senhores, que haveria possibilidade de ganho ilícito nesses pagamentos", afirmou.

Esse fundo foi criado para investimento em obras e capacitação de pessoal do tribunal de contas, mas, pelo menos uma vez, no fim do ano passado, foi usado para socorrer o Estado durante a crise.

Ouvido como colaborador, Lopes falou nesta segunda pela primeira vez em juízo. A ação penal se refere à operação Ratatouille, que investiga o desvio de dinheiro no fornecimento de alimentos para o governo do Estado do Rio.

“Quando conversei com esses conselheiros sobre a possibilidade desse repasse ao Estado, os conselheiros vislumbraram a possibilidade de um ganho ilícito e chegamos a esse percentual”, afirmou. 

Segundo Lopes, nove empresas do ramo de alimentação pagaram um total de R$ 6 milhões aos conselheiros para receber, através do fundo, R$ 160 milhões devidos pelo Estado. Entre as empresas, afirmou, estava a Masan, de Marco Antônio de Luca, amigo de Cabral. 

 De acordo com o ex-presidente do TCE-RJ, após o acordo, ele e seu filho, o advogado Jonas Lopes Neto, teriam sido chamados ao escritório de Sérgio Cabral (PMDB) que perguntou se era possível reduzir o valor da propina que seria paga pela Masan de 15% para 12% do valor do fundo. Como justificativa, alegou a "amizade" que tinha com o dono da empresa.

Na mesma época, ele esteve com Picciani, para tratar de mudanças na utilização de um fundo de modernização do TCE, do qual se lançou mão para socorrer o Estado em crise. À época, faltavam recursos para pagar pelas refeições dos presos, o que gerava instabilidade no sistema. Foram liberados R$ 160 milhões do fundo, com a contrapartida dos R$ 6 milhões em propina.

O filho do conselheiro, também ouvido pelo juiz Marcelo Bretas na condição de colaborador, confirmou ser o responsável por receber as propinas. Logo após a conversa com Cabral, ele teria ido direto até a casa De Luca, a pedido do governador, para acertar os pagamentos. “Foi constrangedor, nem o conhecia”, afirmou.

A delação de Jonas Lopes levou à deflagração da Operação O Quinto do Ouro em março deste ano. Na ocasião, conselheiros do TCE foram presos e o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani (PMDB), levado coercitivamente para depor.

Em agosto, Jonas Lopes e outros quatro investigados foram denunciados perante o STJ (Superior Tribunal de Justiça) por envolvimento em esquema de venda de decisões da Corte de contas. Lopes se aposentou em setembro, assim a acusação do Ministério Público Federal deverá ser remetida para a Justiça Federal do Rio.

A denúncia apontou corrupção em três períodos sucessivos (2000 a 2006, 2007 a 2010 e 2011 a 2016), além de lavagem de dinheiro e evasão de divisas e associação criminosa. Outros quatro suspeitos foram denunciados.

Operação Ratatouille

Os procuradores do MPF apontam que as empresas Masan Serviços Especializados Ltda e Comercial Milano Brasil, ligadas ao empresário Marco Antônio de Luca --preso em junho passado--, tiveram um crescimento exponencial nas contratações com o governo do Estado nos últimos dez anos. A Masan celebrou contratos no valor global de R$ 2,2 bilhões, e a Milano, no valor total de R$ 409 milhões, de acordo com a denúncia.

Os contratos investigados na Operação Ratatouille envolvem a área de alimentação e outros serviços especializados com Fundo Estadual de Saúde, Polícia Civil do Estado do RJ, Fundo Especial da Polícia Militar do ERJ, Departamento Geral de Ações Socioeducativas, Secretaria de Estado de Educação e Administração Central, entre outros.

Procurada na tarde de hoje pelo UOL, a defesa de Marco Antônio de Luca informou que se manifestará nos autos do processo.

A defesa de Sérgio Cabral informou que não tem relação com o relatado pelo ex-presidente do TCE-RJ.

Em nota, a assessoria da Alerj, por sua vez, disso que Jonas Lopes mentiu ao citar Picciani.

Também por meio de nota, à época da prisão de De Luca, a Masan informou que "trabalha com o governo do Estado desde 2005", isto é, antes do início da administração Cabral. "Todas as licitações ganhas pela empresa foram pela modalidade de menor preço", alegou.

A empresa ressalta também que "nunca foi condenada por qualquer tipo de irregularidade em sua história." Em junho passado, a Masan disse sofrer com a inadimplência do governo do Rio. "O passivo, iniciado em 2010, vem sendo cobrado na instância administrativa." 

"A empresa sempre se colocou à disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos necessários sobre suas operações." A nota diz ainda que De Luca não faria parte da Masan desde agosto de 2015 e que ele nunca teria feito parte do quadro societário da Milano.