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PF diz que ex-reitor de universidade recebeu propina em licitação com empresa de delator

O empresário Benedito Rodrigues de Oliveira Neto, o Bené, que fechou delação - Alan Marques - 29.out.2010/Folhapress
O empresário Benedito Rodrigues de Oliveira Neto, o Bené, que fechou delação Imagem: Alan Marques - 29.out.2010/Folhapress

Eduardo Militão

Colaboração para o UOL, em Brasília

10/11/2017 04h00Atualizada em 10/11/2017 18h40

A Polícia Federal acusou um ex-reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) de receber propina de uma gráfica durante uma licitação para impressão e distribuição de provas de concursos públicos e vestibulares.

Conforme relatado em delação premiada, foi fechado um contrato de R$ 38 milhões com a UFJF e, depois de encontros com o professor Henrique Duque Chaves, foram repassados R$ 600 mil em dinheiro vivo ao então diretor da universidade.

De acordo com relatório da Operação Acrônimo, entregue à 10ª Vara Federal de Brasília, Duque Chaves ia frequentemente a um hotel em Brasília se encontrar com o dono da Gráfica Brasil, Benedito Rodrigues de Oliveira Neto.

Bené, como é conhecido, se tornou delator dentro das investigações e é apontado pela PF como operador do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT). No caso da UFJF, a polícia concluiu que Bené agiu sozinho.

A PF indiciou Duque Chaves por corrupção passiva e fraude em licitação. Já Bené foi indiciado por corrupção ativa, organização criminosa e fraude em licitação.

Para esses dois últimos crimes, também foram indiciados seu irmão Romeu José Oliveira, a secretária de Bené, Vanessa Ribeiro, e o ex-pró-reitor de Planejamento Carlos Elízio Barral.

O juiz Ricardo Leite enviou o processo ao Ministério Público, que, se concordar com as conclusões da PF, abrirá ação penal contra o grupo.

Henrique Duque Chaves - UFJF - UFJF
O professor Henrique Duque Chaves, ex-reitor da UFJF
Imagem: UFJF

Duque Chaves nega as acusações. Disse em entrevista ao UOL que não recebeu propina de Bené. Seu advogado afirmou à reportagem que as provas mostram que os valores indicados pelo empresário não guardam lógica. A defesa do ex-reitor diz que vai oferecer um novo depoimento ao Ministério Público.

Já Carlos Barral diz ter organizado a licitação, mas a considera "econômica" para a universidade, nega fraudes ou motivações para pagamentos de suborno e afirma que polícia agiu com desconhecimento de como funcionam os pregões eletrônicos. Após a publicação da reportagem, a assessoria da universidade diz que a gráfica foi contratada em outra gestão, que não renovou o negócio com a empresa de Bené e que outros cinco fornecedores prestam o serviço atualmente.

Bené e Vanessa Ribeiro confessaram os crimes em acordo de colaboração premiada com os investigadores em troca de redução de suas futuras punições. A reportagem não localizou Romeu Oliveira. 

Encontros no café e mensagens pelo celular

Segundo a PF, registros de hospedagem e trocas de mensagens por celular comprovam os encontros de Bené com Duque Chaves no café do América Bittar Hotel, confirmando a versão narrada por Bené em sua delação.

A delegada Denisse Ribeiro destacou em seu relatório que "alguns encontros ocorreram em datas posteriores à liberação de pagamentos pela UFJF à Gráfica e Editora Brasil".

Segundo o indiciamento, em 5 de setembro de 2013 foi feito um empenho (reserva de dinheiro para pagamento) de R$ 1,46 milhão à gráfica. No dia 21 de outubro, Bené enviou mensagem para Duque Chaves solicitando "quitar notas".

Em 7 de novembro de 2013, o então reitor enviou mensagem para o empresário e o convidou para um encontro: "Bom dia Bené, vc pode tomar um café comigo?", diz a conversa interceptada.

Bené afirmou que, após se encontrarem, eles iam para um apartamento no hotel em que eram feitas as entregas de dinheiro. Teriam ocorrido cinco entregas, totalizando R$ 600 mil em propina aproximadamente.

Duque Chaves nega ter recebido dinheiro e afirmou em depoimento à polícia que se deslocava de Juiz de Fora para Brasília para resolver "desdobramentos normais de execução do contrato, como, por exemplo, divergências que estavam acontecendo entre o Caed [órgão da universidade que realiza concursos públicos e vestibulares] e a gráfica de Benedito".

A polícia vê problemas nessa argumentação: "Os argumentos não são condizentes com a atuação nem se encontram no rol de atribuições da reitoria da mencionada universidade federal", afirmou a delegada Denisse Ribeiro. "Em que pese tais alegações, o café de um hotel localizado em outra cidade não se afigura o espaço apropriado para tratativas sobre a execução de um contrato celebrado pela UFJF e um particular."

O advogado de defesa Lucas Sampaio afirma que, "estando em Brasília para resolver outras 'ene' questões da universidade, o professor Duque Chaves também se encontrava com o Benedito eventualmente para tratar de questões para a boa gestão da execução do contrato", afirmou. Ele disse que o reitor tinha a atribuição de cuidar de problemas entre a gráfica e o Caed. 

Sampaio afirmou que não se pode ligar reuniões em um café de hotel ao cometimento de crimes de corrupção. "É ilação querer dizer onde se pode ou não ter uma conversa. É um local público. Dizer que isso significa alguma relação escusa é pura ilação."

Bené afirmou na delação que Duque Chaves lhe pediu 10% do valor dos pagamentos como propina, mas o acerto ficou em 5%. Para Sampaio, isso demonstra que ele não fala a verdade, pois acusa o ex-reitor de receber R$ 600 mil, cerca de 10% do total de R$ 5,9 milhões empenhados e 16% do total de R$ 3,6 milhões pagos na gestão do então dirigente da UFJF. "É pouco provável que Bené abrisse mão da sua margem de lucro. É risível. Não faz nenhum sentido."

UFJF - UFJF - UFJF
Campus da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
Imagem: UFJF

Suspeitas durante a licitação

A polícia diz que, em 2011, Duque Chaves e o pró-reitor Carlos Barral pediram a Bené para produzir o projeto básico de uma concorrência para contratar uma gráfica para imprimir e distribuir provas de vestibulares e concursos públicos organizados pelo Caed (Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação), da UFJF.

A secretária do empresário, Vanessa Ribeiro, afirmou que fez minutas de documentos para embasar o edital.

A Polícia Federal diz ter comprovado a declaração porque, durante ações da Operação Acrônimo, apreendeu nos endereços dela minutas do edital com o mesmo texto usado depois na licitação da universidade, mas com espaços em branco para preenchimento do número da concorrência.

Para a polícia, houve "conluio" entre o empresário e os professores da universidade. "Benedito Rodrigues de Oliveira Neto teve acesso ao edital da UFJF antes de sua publicação, bem como realizou os ajustes necessários com os agentes públicos", afirma o relatório da PF.

Em dezembro de 2012, a Gráfica Brasil venceu o contrato da UFJF por R$ 38 milhões, mas apenas R$ 10 milhões foram empenhados para serem gastos.

A empresa de Bené ficou atrás na disputa, mas as concorrentes que ofereceram preços menores --de R$ 19 milhões, R$ 23 milhões e R$ 26 milhões-- foram inabilitadas no pregão.

Duque Chaves e Carlos Barral ainda não tomaram conhecimento do relatório da polícia. Mas negam fraude na licitação.

Sampaio diz que Vanessa Ribeiro mentiu ao dizer que forneceu a minuta do edital antes de sua publicação. Ele contou que "o edital [foi] publicado em data anterior", o que desmonta a acusação da delatora. Sampaio assegura que o próprio Bené disse em depoimento "que não havia nenhuma garantia de vitória no certame".

Barral afirmou ao UOL que ele mesmo enviou pedidos de orçamento a várias gráficas, inclusive a de Bené, antes de o edital ser publicado, porque a lei dos pregões manda que isso seja feito. Para ele, a PF desconhece como funciona essa modalidade de licitação.

O professor também disse que desclassificou as gráficas que ofereceram preços menores na licitação porque elas abaixaram os valores de referência e não enviaram os detalhes de como seria o preço unitário de cada material.

Barral disse suspeitar que uma triangulação suspeita, apontada pela PF, entre uma gráfica desclassificada e Bené seja indicativo de sonegação e formação de dinheiro para um eventual caixa 2, e não de superfaturamento.

"Está faltando inteligência à Polícia Federal ou vontade de pesquisar os fatos", reclamou Barral. "A polícia constrói uma tese e aí busca dados que possam corroborar essa tese e abandona tudo o que é contrário."

Ainda assim, o ex-pró-reitor disse que os preços da Gráfica Brasil não eram superfaturados: "Muito pelo contrário, estavam abaixo dos preços de mercado que a própria UFJF estava acostumada a pagar em pregões anteriores".

Um dos exemplos que ele dá é um problema que aconteceu depois da contratação. O TCU (Tribunal de Contas da União) chegou a suspender o negócio entre Bené e a universidade entre agosto de 2013 e março de 2014. Segundo Barral, nesse período, universidade contratou outra gráfica para fazer os materiais e pagou R$ 800 mil a mais.

Ele disse que, em 2016, na gestão de outro reitor, mesmo depois da Operação Acrônimo, houve nova licitação e, de novo, a Gráfica Brasil foi contratada porque ofereceu os menores preços.

A assessoria da universidade enviou nota ao UOL após a publicação desta reportagem, em que diz que o contrato da gráfica Brasil foi assinado em 2012, na gestão de Duque Chaves, e poderia ser prorrogado anualmente até 6 de dezembro de 2017. No entanto, a nova gestão a UFJF optou por não renová-lo depois que Polícia Federal foi à universidade, em outubro de 2016, com ações de busca e apreensão de documentos.