Só pode soltar quem determinar prisão, diz desembargador sobre deputados do RJ
Após a Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) ter revogado a prisão dos deputados peemedebistas Jorge Picciani, presidente da Casa, Paulo Melo e Edson Albertassi, o desembargador Abel Fernandes Gomes, do TRF2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) questionou nesta terça-feira (21) em sessão extraordinária do tribunal a liberação dos parlamentares sem que a decisão tenha passado pelo Judiciárioe voltou a pedir a prisão dos mesmos.
Picciani, Melo e Albertassi deixaram a prisão na sexta-feira (17), por volta das 18h, em um carro oficial da assembleia, pouco mais de uma hora depois da decisão da Alerj e sem que a decisão tivesse sido informada ao tribunal. “Só pode soltar quem pode determinar prisão”, afirmou o desembargador.
A Corte mandou prender preventivamente os deputados a pedido do MPF (Ministério Público Federal) na quinta-feira (16), mas a decisão foi submetida à Alerj, que a derrubou.
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"Desconsideraram completamente a existência do tribunal. Sai daqui na sexta-feira (18) às 18h. A última decisão que assinei foi 17h40. Outro colega desembargador deixou o tribunal 19h30. Até então o tribunal não havia sido comunicado de nada."
Para o desembargador, a Alerj agiu contra o previsto constitucionalmente o que justifica o retorno dos deputados a prisão.
“Voto no sentido de que sejam restabelecidas as ordens de prisão preventivas assim como afastamento dos parlamentares”, afirmou.
Segundo a votar, o desembargador Messod Azulay Neto acompanhou integralmente o voto do relator. Para ele, “a assembleia escreveu uma página negra na história do nosso Estado”. “A Alerj exorbitou seus poderes. O caos que se instalou na assembleia é absoluto.”
O desembargador Abel propôs que, caso a decisão seja descumprida, ela seja encaminhada ao STF (Supremo Tribunal Federal) que poderia, segundo ele, propor até a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro.
Os três peemedebistas, que se entregaram na tarde de quinta-feira (16) na sede da Polícia Federal no Rio, no centro da capital, passaram uma noite na cadeia de Benfica, na zona norte, onde também estão detidos o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) e outros condenados e réus da Lava Jato.
Abel citou ainda o impedimento da entrada de uma oficial de Justiça no plenário da Alerj, que manteve as galerias fechadas ao público até quase o fim da sessão, como justificativa para a sua decisão. Abel foi quem determinou que os deputados fossem ouvidos coercitivamente na terça, remeteu a decisão de prender ou não ao colegiado e foi o relator da prisão na quinta.
Em nota, a Seap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária) informou que "recebeu no final da tarde desta sexta-feira resolução da Assembleia Legislativa que determina a soltura dos deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, que estavam na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica". "Os três deputados foram soltos em cumprimento à determinação."
No sábado o MP-RJ (Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro) protocolou um mandado de segurança em que pede a nulidade da votação desta sexta e requer que seja realizada uma nova sessão para repetir a votação, mas "com total acesso a todo e qualquer cidadão interessado". De acordo com o MP, a Alerj desrespeitou uma liminar que obrigava a abertura das galerias da Casa "de forma a camuflar a sessão pública".
A defesa de Picciani questionou o fato de não ter tido acesso ao teor da questão de ordem antes da sessão desta terça. Segundo Nélio Machado, ele e os colegas não tiveram um “tratamento igualitário” por parte do tribunal.
Além do MP, a AMB (Associação de Magistrados Brasileiros) vai entrar com uma ação pedindo esclarecimentos ao STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a decisão da Corte usada pela assembleia para reverter medidas cautelares contra os parlamentares.
A Operação Cadeia Velha, desdobramento da Lava Jato no Rio, apura o uso da presidência e outros postos da Alerj para a prática de corrupção, associação criminosa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Os parlamentares são suspeitos de favorecer interesses de empresários no Estado, entre os quais representantes do setor de transporte público e empreiteiras, em troca de propina. Eles negam todas as acusações.
Repercussões
Ouvido pelo UOL na última quinta, o ministro do STF Marco Aurélio Mello, que votou pela necessidade do aval do Congresso para aplicação de medidas cautelares a parlamentares federais, foi categórico ao dizer que "o que foi decidido pelo STF foi só pelo ângulo da Constituição Federal", que diz respeito "unicamente" à situação dos congressistas.
Não sei como surgiu essa ideia de que nossa decisão abrangeria deputados estaduais, e quem sabe até vereadores. Eu fiquei pasmo.
Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo
Presidente da AMB, o juiz Jaime de Oliveira compartilha desse entendimento. “O que está acontecendo em vários Estados, no Mato Grosso e no Rio Grande do Norte, em que assembleias expediram alvarás de soltura, é uma completa aberração”, declarou, ponderando em seguida que as decisões já estão sendo questionadas judicialmente.
No último dia 8, o TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), sediado em Brasília, começou a analisar a validade da decisão da Assembleia Legislativa do Mato Grosso que mandou soltar o deputado estadual Gilmar Fabris (PSD), preso em setembro por determinação do STF, mas o julgamento foi interrompido após um pedido de vista --e não tem data para ser retomado.
Oliveira defendeu que o Supremo publique o acórdão rapidamente porque a situação está se repetindo e, para ele, traz "um desprestígio muito grande para o Poder Judiciário". "São prisões que têm sido decretadas e mantidas pelos tribunais superiores, e agora praticamente está se criando uma blindagem para tudo quanto é político", afirmou o juiz.
Já o professor de direito constitucional Rubens Beçak, da USP (Universidade de São Paulo), aponta que, sendo o Brasil um país federalista, existe um “princípio de repetição obrigatória” nas instâncias menores da Federação daquilo que é determinado na área federal.
“Não me causa estranheza que as assembleias legislativas estejam cumprindo, mesmo que o acórdão não tenha saído [...] Nesse caso que fala de conflito de competência da Corte Constitucional, eu acho muito difícil que não seja repetido nas instâncias menores”, argumentou Beçak, que, no entanto, considerou a decisão do STF dúbia. “Foi um absurdo, um desastre, e por isso ficou nesse limbo.”
Para Marco Aurélio Mello, não cabe o princípio da reprodução obrigatória porque a regra é "excepcionalíssima", assim como a que garante ao presidente da República, durante o mandato, não responder por atos anteriores. “Indaga-se: governadores e prefeitos também estão alcançados por essa regra?”, questionou, retoricamente.
"Você tem cláusulas na Constituição Federal que são exclusivas, não são de repetição obrigatória. E se transportarem para a Constituição do Estado ou para a Lei Orgânica do município, se houver questionamento, vamos decidir”, explicou o ministro, reconhecendo que o tema fatalmente deverá cair no STF.
A Adin julgada em outubro foi protocolada em maio do ano passado por três partidos e pedia que o eventual afastamento de parlamentares por decisão judicial fosse submetido em até 24 horas ao Congresso Nacional, que teria o poder de confirmar ou revogar a medida, como já ocorre nos casos de prisão em flagrante de membros do Legislativo.
A ação foi apresentada dias depois de o Supremo afastar o ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do mandato e, consequentemente, da Presidência da Câmara, por PP, PSC e Solidariedade, que apoiavam o peemedebista. Cunha foi cassado e está preso há mais de um ano.
* Com informações de Paula Bianchi, no Rio, e Gustavo Maia, em Brasília
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