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Permissão do TRF para Alerj revogar decisão judicial sobre deputados contraria STF

O deputado estadual Jorge Picciani (PMDB-RJ), presidente da Alerj, foi preso nesta 5ª - Júlio César Guimarães/UOL
O deputado estadual Jorge Picciani (PMDB-RJ), presidente da Alerj, foi preso nesta 5ª Imagem: Júlio César Guimarães/UOL

Gustavo Maia

Do UOL, em Brasília

17/11/2017 10h17Atualizada em 19/11/2017 16h24

Em votação realizada no plenário da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) nesta sexta-feira (17), a maioria dos deputados estaduais decidiu revogar a prisão e determinar o retorno dos colegas Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do PMDB, aos seus mandatos. Os três foram presos e, consequentemente, afastados de suas funções públicas por ordem do TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), nesta quinta (16).

Os parlamentares deliberaram sobre a decisão da segunda instância da Justiça Federal depois que os desembargadores entenderam que deveriam submeter as decisões ao crivo dos deputados por conta do resultado de julgamento recente do STF (Supremo Tribunal Federal). No entanto, o ato do TRF-2 extrapolou o alcance do que foi decidido pela mais alta Corte do país no mês passado.

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No dia 11 de outubro, o plenário do Supremo decidiu, por 6 votos a 5, que a aplicação de medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal - entre elas o afastamento do cargo - deverá ser encaminhada à Casa Legislativa "a que pertencer o parlamentar" sempre que impossibilitarem o exercício regular do mandato. Porém, de acordo com a certidão de julgamento, que traz o resumo do resultado, a decisão vale para os fins previstos em um artigo da Constituição que dispõe especificamente sobre deputados federais e senadores.

Acontece que, mais de um mês depois do julgamento, o acórdão (íntegra da decisão final por escrito) ainda não foi publicado. Apesar de estar dentro do prazo habitual da Corte, a ausência abriu espaço para a incerteza jurídica, dando margem a interpretações mais abrangentes da Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) apreciada pelo Supremo.

Desde então, o resultado já foi usado, por analogia, para revogar decisões judiciais contra deputados estaduais do Mato Grosso e do Rio Grande do Norte, e foi novamente evocado na sessão convocada pela Alerj para esta sexta, que acabou revogando a prisão de Picciani, Melo e Albertassi.

A reportagem do UOL apurou que o acórdão do julgamento do STF vai delimitar textualmente seus efeitos para "parlamentares federais". Ficará expresso, portanto, que a decisão vale exclusivamente para os 594 integrantes do Congresso Nacional –513 deputados e 81 senadores.

aécio picciani - Gustavo Miranda/ Agência O Globo - Gustavo Miranda/ Agência O Globo
Julgamento do Supremo que beneficiou Aécio foi usado na Alerj
Imagem: Gustavo Miranda/ Agência O Globo

O ministro Alexandre de Moraes, um dos seis que votaram a favor da revisão legislativa de medidas cautelares, foi o responsável por redigir o documento. O texto saiu de seu gabinete no último dia 10 e foi remetido para a revisão dos outros dez integrantes da Corte, que ainda está em andamento.

Nesta etapa, podem ocorrer eventuais alterações na redação final do acórdão, mas elas não devem alcançar questões substanciais do julgamento.

Colocar a análise da Adin na pauta do Supremo foi a solução institucional encontrada para diminuir a temperatura da crise aberta entre o STF e o Senado depois que a 1ª Turma da Corte afastou o senador Aécio Neves (PSDB-MG) do exercício do mandato e determinou o seu recolhimento noturno –entre outras sanções.

Dias depois, a maioria dos senadores decidiu rejeitar o afastamento do tucano e anular as medidas cautelares impostas contra ele.

Repercussões

Ouvido pelo UOL nesta quinta, o ministro do STF Marco Aurélio Mello, que votou pela necessidade do aval do Congresso, foi categórico ao dizer que "o que foi decidido pelo STF foi só pelo ângulo da Constituição Federal", que diz respeito "unicamente" à situação dos congressistas.

Não sei como surgiu essa ideia de que nossa decisão abrangeria deputados estaduais, e quem sabe até vereadores. Eu fiquei pasmo."
Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo

Presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), o juiz Jaime de Oliveira compartilha desse entendimento. “O que está acontecendo em vários Estados, no Mato Grosso e no Rio Grande do Norte, em que assembleias expediram alvarás de soltura, é uma completa aberração”, declarou, ponderando em seguida que as decisões já estão sendo questionadas judicialmente.

No último dia 8, o TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), sediado em Brasília, começou a analisar a validade da decisão da Assembleia Legislativa do Mato Grosso que mandou soltar o deputado estadual Gilmar Fabris (PSD), preso em setembro por determinação do STF, mas o julgamento foi interrompido após um pedido de vista –e não tem data para ser retomado.

Oliveira defendeu que o Supremo publique o acórdão rapidamente porque a situação está se repetindo e, para ele, traz "um desprestígio muito grande para o Poder Judiciário". "São prisões que têm sido decretadas e mantidas pelos tribunais superiores, e agora praticamente está se criando uma blindagem para tudo quanto é político", afirmou o juiz.

Já o professor de direito constitucional Rubens Beçak, da USP (Universidade de São Paulo), aponta que, sendo o Brasil um país federalista, existe um “princípio de repetição obrigatória” nas instâncias menores da Federação daquilo que é determinado na área federal.

Não me causa estranheza que as assembleias legislativas estejam cumprindo, mesmo que o acórdão não tenha saído [...] Nesse caso que fala de conflito de competência da Corte Constitucional, eu acho muito difícil que não seja repetido nas instâncias menores”, argumentou Beçak, que, no entanto, considerou a decisão do STF dúbia. “Foi um absurdo, um desastre, e por isso ficou nesse limbo.”

Para Marco Aurélio Mello, não cabe o princípio da reprodução obrigatória porque a regra é "excepcionalíssima", assim como a que garante ao presidente da República, durante o mandato, não responder por atos anteriores. “Indaga-se: governadores e prefeitos também estão alcançados por essa regra?”, questionou, retoricamente.

"Você tem cláusulas na Constituição Federal que são exclusivas, não são de repetição obrigatória. E se transportarem para a Constituição do Estado ou para a Lei Orgânica do município, se houver questionamento, vamos decidir”, explicou o ministro, reconhecendo que o tema fatalmente deverá cair no Supremo Tribunal Federal.

A Adin julgada em outubro foi protocolada em maio do ano passado por três partidos e pedia que o eventual afastamento de parlamentares por decisão judicial fosse submetido em até 24 horas ao Congresso Nacional, que teria o poder de confirmar ou revogar a medida, como já ocorre nos casos de prisão em flagrante de membros do Legislativo.

A ação foi apresentada dias depois de o Supremo afastar o ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do mandato e, consequentemente, da Presidência da Câmara, por PP, PSC e Solidariedade, que apoiavam o peemedebista. Cunha foi cassado e está preso há mais de um ano.

Alerj

No Rio de Janeiro, o caso ganhou contornos mais complexos. Os cinco desembargadores do TRF-2 (Tribunal Federal da 2ª Região) decidiram, por unanimidade, decretar a prisão preventiva de Picciani, que é presidente da Alerj, além de Melo e Albertassi, ex-presidente da Casa e líder do governo, respectivamente.

Os três se entregaram à Polícia Federal na tarde desta quinta, horas depois do julgamento, e foram levados para a mesma cadeia em que está o ex-governador do Estado, Sérgio Cabral (PMDB) --preso há exatamente um ano.

Prisão preventiva e afastamento das funções públicas são medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal. Ocorre que a Constituição estadual prevê a prisão de parlamentares apenas em flagrante de crime inafiançável e, neste caso, já determina que os deputados têm a prerrogativa de resolver, por maioria, sobre a validade da decisão judicial.

Atendendo ao pedido do MPF (Ministério Público Federal), os integrantes da 2ª instância consideraram que os delitos pelos quais os três peemedebistas são acusados –corrupção, associação criminosa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas-- são crimes continuados, e portanto, configurariam o flagrante.

Relator do caso, o desembargador Abel Gomes afirmou em seu voto –acompanhado por outros quatro integrantes da 1ª Seção do TRF-2-- que as medidas impostas pelo tribunal geraram “obstáculo” à decisão do STF. Ele argumentou que as decisões emitidas em uma Adin devem ser cumpridas pelos juízes e tribunais, aos quais cumpre observar a decisão do Supremo "em controle concentrado de constitucionalidade".

“Há que se dar cumprimento ao que [foi] recentemente decidido pelo STF na referida ADI, razão pela qual, executada a ordem e considerando que a investigação ainda está em curso, forme-se cópia integral destes autos a ser remetida imediatamente à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”, declarou.

Durante o julgamento, Gomes explicou ainda que, com a prisão, os três deputados estariam automaticamente afastados de seus mandatos. “O que a Alerj fará com essa decisão é um problema que nós não criamos", disse.