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Esquema de corrupção na Alerj segue vivo e em "franca atividade", diz Lava Jato

17.nov.2017 - MPF diz que indícios apontam continuidade de esquema de propina na Alerj - FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO
17.nov.2017 - MPF diz que indícios apontam continuidade de esquema de propina na Alerj Imagem: FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO

Hanrrikson de Andrade e Nathan Lopes*

Do UOL, no Rio e em São Paulo

07/12/2017 13h19Atualizada em 07/12/2017 23h32

O MPF (Ministério Público Federal) tem indícios que apontam a continuidade do esquema de cobrança e pagamento de propina envolvendo a iniciativa privada e deputados da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), segundo afirmou nesta quinta-feira (7) o procurador regional da República Carlos Aguiar, que faz parte da força-tarefa fluminense da Operação Lava Jato. De acordo com ele, alguns parlamentares estão sob suspeita. As investigações estão em andamento.

"Não posso afirmar para vocês [jornalistas] que a corrupção dentro da Alerj tenha ficado circunscrita aos três deputados afastados. Lamentavelmente, não é o que ocorre", disse ele, em referência aos peemedebistas Jorge Picciani (PMDB), presidente licenciado do Parlamento, Edson Albertassi (PMDB), ex-líder do governo, e Paulo Melo (PMDB).

Os três deputados e outros 16 investigados foram denunciados nesta quinta ao TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) por corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Eles são investigados no âmbito da Operação Cadeia Velha, desdobramento da Lava Jato, e estão presos preventivamente.

Ainda de acordo com o procurador, há "personagens da organização criminosa", cujas identidades não podem ser divulgadas, que estão em "franca atividade".

"Temos indícios. Mas não temos como avançar se cometemos o pecado da investigação [revelar nomes]. Temos indícios de fatos que não necessariamente estão ligados a um personagem", explicou.

MPF aponta liderança de Picciani em esquema

Na denúncia apresentada hoje, os investigadores dizem que os peemedebistas agiam no âmbito da Alerj para favorecer empresários de ônibus e empreiteiras e, em troca, eram beneficiados com propina. Segundo a denúncia, o chefe licenciado da Alerj recebeu ao menos R$ 88,2 milhões em propina em função do esquema.

Segundo o procurador Carlos Aguiar, os valores eram pagos mensalmente aos três deputados do PMDB. Segundo ele, os parlamentares negociavam atos normativos, concessão de benefícios fiscais e se empenhavam em vetar emendas que contrariassem os interesses dos empresários, além de direcionar eventuais licitações e contratos a serem realizados pelo Executivo durante a gestão do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB).

"Os pagamentos feitos pela cúpula da Fetranspor [Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro] se destinavam à preservação [dos interesses] dentro da Alerj e do próprio governo estadual desse segmento empresarial. É um esquema muito parecido com o contexto criminoso que foi evidenciado [no Executivo] envolvendo o ex-governador Sérgio Cabral."

Na versão do MPF, entre as vantagens obtidas por empresários mediante propina, estavam atos como o congelamento da tarifa de ônibus e questões envolvendo o Bilhete Único estadual, entre outros. "Tudo era resolvido no Colégio de Líderes", afirmou a procuradora Andréa Bayão, em referência ao habitual encontro de lideranças parlamentares da Alerj com intuito de debater, antes das votações, emendas e outros assuntos inerentes à atividade legislativa.

Os valores que teriam sido pagos aos peemedebistas foram obtidos pelo MPF a partir de um conjunto de provas, como acordos de leniência e de delações premiadas de ex-executivos e doleiros, quebras de sigilo fiscais e telefônicos, além de análise de e-mails. O MPF explicou que, com provas obtidas através da quebra de sigilo de alguns dos denunciados, foi possível confirmar informações obtidas com delatores.

“Houve a identificação de elementos de prova absolutamente independentes que, não só confirmaram o conteúdo desses acordos, como contribuíram para revelar o contexto criminoso, inclusive com a descoberta de novos personagens e suas respectivas funções”, disseram os procuradores.

Entre os outros denunciados, estão Felipe Picciani, filho de Picciani, ex-executivos do grupo Odebrecht, e Jacob Barata Filho, herdeiro do empresário do setor de transporte público considerado o “Rei do Ônibus”. A lista ainda tem José Carlos Lavouras, ex-conselheiro da Fetranspor (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro) e Lélis Teixeira, ex-presidente da entidade.

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Picciani liderava favorecimento à Odebrecht e Fetranspor, diz procurador

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Segundo o procurador Carlos Aguiar, o chefe licenciado do Legislativo do RJ exercia papel de liderança no esquema. "Identificamos uma atuação muito forte do presidente licenciado da Alerj nesse segmento, uma verdadeira atuação de liderança e uma influência muito grande em prol dos interesses da Fetranspor e da Odebrecht", afirmou em entrevista nesta quinta-feira.

O MPF diz na denúncia que, das vantagens indevidas recebidas por Picciani, R$ 11,1 milhões foram pagos pela Odebrecht entre 2008 e 2014.

Deste valor, R$ 4,5 milhões foram depositados no exterior (por causa disso, o MPF também denunciou Picciani por evasão de divisas). Os valores constam em uma planilha recebida pelo órgão, após a formalização do acordo de leniência com a Odebrecht. Os dados sobre Picciani foram repassados ao MPF pelo ex-executivo Benedicto Júnior, que firmou acordo de colaboração premiada. Ele informou que a alcunha de "Grego" na planilha se referia a Picciani.

Segundo o MPF, o ex-executivo, que integrava o núcleo econômico responsável por realizar o pagamento de propina aos deputados estaduais, afirmou que o repasse se dava por meio de doações oficiais a campanhas políticas e por meio de pagamentos clandestinos. Muitos foram registrados no sistema de contabilidade paralela desenvolvido pela empresa, conhecido por Drousys. No Rio, os pagamentos de propina pela Odebrecht a Picciani seriam feitos pelo doleiro Álvaro Novis. Teriam sido recebidos por Jorge Luiz Ribeiro, operador financeiro de Picciani, a quem cabia receber e ocultar o dinheiro da corrupção, segundo a denúncia.

'Caixinha' da Fetranspor

Já dos empresários do setor de transporte, o valor repassado a Picciani ultrapassaria os R$ 68,5 milhões, dinheiro que veio "de verbas desviadas das passagens de ônibus, arrecadadas em espécie pelas empresas do setor de transporte coletivo do Estado".

Segundo o MPF, os empresários de ônibus José Carlos Lavouras e Jacob Barata Filho, o ex-presidente da Fetranspor Lélis Teixeira e o presidente do Setrerj (Sindicato de Empresas de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro), Marcelo Traça, foram responsáveis pelos pagamentos ao deputado.

No esquema envolvendo Picciani e a Fetranspor, o dinheiro das vantagens indevidas ao político chegava a ser entregue por meio de transportadora de valores em malotes de dinheiro vivo. As notas eram recolhidas, pela transportadora, nas garagens de todas as empresas de ônibus filiadas à Fetranspor. As ordens de pagamento, então, vinham de Lavouras, que agia em nome de Barata, Teixeira e Traça.

As determinações de pagamento ocorriam por meio de bilhetes, com uso de codinomes, para evitar a identificação dos beneficiários. As mensagens, então, eram encaminhadas a operadores, que atuavam na operação da entrega junto à transportadora.

Uma planilha de Novis aponta que, entre 2010 e 2013, foram feitos pagamentos a Picciani que variavam entre R$ 300 mil e R$ 3 milhões. Mais pagamentos, registrados em outras planilhas, foram realizados entre 2013 e 2015.

A denúncia ainda aponta que, entre 2013 e 2016, 26 empresas de ônibus “contribuíram” com R$ 250 milhões para a “caixinha” da propina a políticos investigada na Operação Cadeia Velha, segundo informações que constam em um pendrive entregue por delatores ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). As informações foram rastreadas por meio das delações do doleiro Álvaro Novis e do operador Edimar Dantas, ao STJ.

Ouvido pela Procuradoria-Geral da República, Novis informou que as empresas de ônibus entregavam o dinheiro em espécie em transportadoras de valores, em contas para custódia dos recursos arrecadados com passagens. As contas eram usadas para movimentar os valores das empresas de ônibus e para fazer os pagamentos aos beneficiários.

De acordo com o MPF, o doleiro “era um operador versátil e não trabalhava com exclusividade”. “Além de ter operado a mando dos empresários de transporte, também admitiu que fez pagamentos em favor de Jorge Picciani e Paulo Melo por ordem de executivos da Odebrecht”, diz a denúncia.

Na denúncia, o MPF ainda cita um pagamento a Picciani no valor de R$ 8,6 milhões feito entre 2013 e 2014. Segundo as investigações, essa transação foi uma ordem de Cabral e de Carlos Miranda, operador de propinas do ex-governador, porque o parlamentar poderia barrar projetos prejudiciais ao setor de empresas de ônibus. Segundo a denúncia, os pagamentos foram feitos pelo doleiro Álvaro Novis, que era ligado a Cabral.

Atualmente, Picciani, Melo e Albertassi estão presos preventivamente. Eles foram alvo de mandado de prisão na Cadeia Velha. O trio está detido na Cadeia Pública José Frederico Marques em Benfica, na zona norte carioca, onde também estão o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) e outros réus da Lava Jato.

Para a Procuradoria, as investigações já realizadas “demonstraram a existência de uma poderosa organização criminosa abrigada no seio do PMDB fluminense, que operou a partir de espaços institucionais conquistados pelo sistema eleitoral”.

MPF: Picciani recebe propina desde anos 90

O MPF aponta que Picciani recebe propinas desde os anos 1990 e não deixou de obtê-las nem quando ficou sem mandato, entre 2011 e 2014. “Ele e Felipe Picciani usaram a agropecuária Agrobilara para lavar ativos via operações de venda de gado.”

Contra Melo, pesam o recebimento de falsas doações da Odebrecht para sua campanha eleitoral por meio de empresas “laranjas”. Já Albertassi foi acusado, entre outros fatos, por receber repasses mensais da Fetranspor entre 2012 e março de 2017, com movimentações financeiras por intermédio de rádios de sua família.

Outro lado

UOL procurou as defesas dos peemedebistas. 

A assessoria Edson Albertassi informou que as denúncias contra ele não procedem e serão contestadas no decorrer do processo. O advogado Márcio Delambert afirmou que "a denúncia fez um juízo equivocado da atuação parlamentar do deputado Edson Albertassi, com base na palavra isolada de um delator que é réu confesso. As acusações não procedem".

A reportagem telefonou para advogados de Picciani, mas ainda não conseguiu contato. A assessoria de imprensa de Paulo Melo havia respondido que ainda não tinha um posicionamento. 

Por meio de nota, a Fetranspor afirmou que "permanece à disposição das autoridades para prestar os esclarecimentos necessários às investigações".

Já a Odebrecht disse que "está colaborando com a Justiça no Brasil e nos países em que atua. Já reconheceu os seus erros, pediu desculpas públicas, assinou um Acordo de Leniência com as autoridades do Brasil, Estados Unidos, Suíça, República Dominicana".

A defesa de Jacob Barata Filho informou que não há qualquer evidência de distribuição ou recebimento de dinheiro ilícito em prol de qualquer agente público por parte do empresário.

Os defensores de José Carlos Lavouras dizem que "delações visam a dar prêmios a criminosos confessos, que ficam impunes". "Por isso, delatores reiteradamente faltam com a verdade e induzem autoridades em erro. Por este motivo, tantas delações estão se revelando inconsistentes."

Liberdade negada

Na semana passada, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli negou o pedido de liminar feito em habeas corpus apresentado por Picciani e Melo. O pedido de liminar (decisão provisória) era para que os deputados fossem postos em liberdade de imediato. Apesar da negativa, o habeas corpus ainda será julgado em definitivo pelo STF.

A Operação Cadeia Velha apura o uso da presidência da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), que era ocupada por Picciani, e outros postos da Assembleia para a prática de corrupção, associação criminosa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

Os deputados estão presos por determinação do TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), que emitiu, no dia 21 de novembro, uma segunda ordem de prisão contra os parlamentares após a Alerj ter votado pela soltura deles.

A Constituição do Rio prevê que a Alerj decida sobre a prisão de parlamentares. Desembargadores da 1ª Seção Especializada do Tribunal submeteram à Casa Legislativa a primeira ordem de prisão, expedida no dia 16 deste mês.

Mas, apesar de a Assembleia ter determinado a revogação da prisão no dia seguinte, o TRF-2 entendeu que a decisão foi adotada de forma irregular e determinou a volta dos deputados à prisão. Eles haviam sido libertados sem que a decisão tivesse sido comunicada oficialmente ao Tribunal.

*Com informações do Estadão Conteúdo