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Recado de general foi para ministra Rosa Weber e funcionou, diz Roberto Romano

A ministra Rosa Weber votou contra pedido de habeas corpus de Lula - Walterson Rosa/Estadão Conteúdo
A ministra Rosa Weber votou contra pedido de habeas corpus de Lula Imagem: Walterson Rosa/Estadão Conteúdo

Aiuri Rebello

Do UOL, em São Paulo

05/04/2018 16h55Atualizada em 06/04/2018 12h38

Um dia antes do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no STF (Supremo Tribunal Federal), o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, mandou um recado pelo Twitter se dizendo contra a impunidade e afirmando que o Exército "estava atento às suas missões institucionais". Segundo Roberto Romano, professor de ética e filosofia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o destino era certeiro: a ministra Rosa Weber.

O voto dela era apontado pela imprensa e por analistas jurídicos como decisivo para definir a balança contra o pedido da defesa de Lula, além de ser o único dentre os 11 membros da Corte que não era claro desde antes do julgamento. O resultado, proferido nas primeiras horas da madrugada desta quinta-feira (5), foi a negação do pedido dos advogados do petista, sob um placar de 6 a 5.

A ministra votou contra Lula. Apesar de afirmar na sua argumentação que acredita que a prisão após a sentença em segunda instância fere a Constituição, ela disse que negaria o pedido da defesa de Lula porque tem atuado assim em outros julgamentos, acompanhando o entendimento atual de seus pares no Supremo, que autorizaram a prisão após a decisão em segunda instância.

Para o filósofo, Rosa Weber entendeu o recado do general e acatou a recomendação implícita, que era negar o habeas corpus para Lula. "Para mim foi muito claro o que aconteceu, o recado do general tinha alvo certo", afirma o professor. "Ela entendeu e acatou, fez o que tinha que fazer."

Veja o voto de Rosa Weber, contra o habeas corpus de Lula

UOL Notícias

A Constituição brasileira prevê a intervenção das Forças Armadas na cena política em caso excepcional, para manter a ordem a pública e impedir deflagração social. O problema, segundo sua visão, é que o critério de quando entrar em cena fica a cargo dos próprios comandantes. Ciente disso, o professor vê no voto da ministra uma capitulação diante da ameaça de intervenção militar.

"O que é uma pena e rebaixou mais ainda a autoridade do STF", afirma Romano. "Quando uma ministra do Supremo, depois de ter sido pressionada da forma que foi, capitula em suas convicções para acomodar interesses alheios à lei e ao direito, que foi o que ela fez e tentou explicar no seu voto, temos uma Corte que não é suprema de si mesma, e as pessoas percebem isso. Era obrigação do Supremo afirmar sua competência sobre o assunto, independentemente da opinião de qualquer autoridade da República."

"Como que ela diz que é contra a prisão em segunda instância e vota a favor dela em um caso concreto? Imagine a seguinte situação: ela é juíza na Alemanha nazista e acredita que a cassação dos direitos civis dos judeus seja errado. Ela votaria a favor só para ir com a maioria que nem ela fez?", questiona Romano. 

"Foi ainda mais grave porque nem maioria havia"

Para o professor, a situação é mais grave porque nem maioria havia ainda entre os votantes. "A Corte estava rachada, ela não foi com maioria nenhuma. O voto de minerva foi da presidente Cármen Lúcia. A presidente, aliás, não observou o princípio ancestral de, em dúvida, ser pró réu. Em uma decisão rachada em 5 a 5, ou seja, em dúvida, ela foi contra o réu."

General - Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo - Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo
O general Eduardo Villas Bôas
Imagem: Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Após a repercussão da mensagem postada pelo general, o Exército divulgou nota de apoio ao comandante, enquanto o comandante da Aeronáutica amenizou o desconforto e afirmou, também no Twitter, que não era hora de os militares tentarem impor sua vontade à nação. Raul Jungmann, ministro da Segurança Pública, defendeu a liberdade de expressão do general. 

"Liberdade de expressão sobre conjuntura política e decisão judicial para comandante de qualquer poder da nação não existe, ele não poderia ter feito o que fez e mostra uma orientação autoritária inaceitável em uma democracia", avalia Romano. "Além de ser explicitamente contra a lei brasileira, é contra as boas práticas democráticas estabelecidas no mundo todo, não existe precedente bom para isso, mas é essa a situação na qual nos encontramos."

Plenário do STF - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Plenário do STF negou pedido de habeas corpus para o ex-presidente Lula
Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Desrespeito à Constituição

"Veja, não sou petista ou especialmente a favor de Lula, fui muito crítico aos governos do PT aliás, mas o que aconteceu foi gravíssimo. Oficializou-se o desrespeito completo à Constituição", diz Romano.

Só quando começou a perder entes queridos para a arbitrariedade do Estado é que a classe média acordou para o que estava acontecendo

Roberto Romano, filósofo

"As pessoas que hoje estão felizes e comemorando o que aconteceu porque se trata do Lula, esquece que amanhã pode ser o Aécio [Neves, senador do PSDB-MG], o Jucá [Romero Jucá, senador pelo MDB-RR], e depois o Zé da esquina, e depois outro Zé da esquina, e depois um amigo seu, seu filho... Foi assim que aconteceu na ditadura, e foi só quando começou a perder entes queridos para a arbitrariedade do Estado é que a classe média acordou para o que estava acontecendo", afirma o professor.

"Quando um Poder não toma decisões coerentes e não se afirma como poder constituído, temos o que está aí: a credibilidade do Judiciário está rapidamente indo no mesmo caminho da do Parlamento e do Executivo, em direção à lata do lixo", avalia Romano. "Nesse contexto, qualquer um se sente no direito de dizer e fazer o que quiser, inclusive com desobediência civil e recrudescimento da política para a violência generalizada. Será que já não chegamos a esse ponto?"

Romano afirma que a decisão do STF trouxe mais um componente de caos para o cenário político do país, em vez de ajudar a pacificá-lo. "Ao se recusar a julgar a ação que versa sobre essa situação de forma ampla e irrestrita, a Corte está decidindo caso a caso, de acordo com o réu. Pode escrever o que estou falando: na semana que vem o país estará deflagrado e completamente dividido de novo."

Para Roberto Romano, ainda há um outro risco: caso o PT insista até o fim, aposte em decisões futuras favoráveis do STF para a candidatura de Lula e ele efetivamente ganhe, na Justiça e nas urnas, ainda assim Lula não será presidente. "Se eles forem até o fim, o Lula ganhar e conseguir na Justiça o direito de assumir, vai ter um golpe civil militar para impedir."