Bolsonaro expõe vida nas redes há anos e deverá manter o hábito no governo
Mirthyani Bezerra
Do UOL, em São Paulo
24/12/2018 04h01
A assessoria de Jair Bolsonaro (PSL-RJ) divulgou no último domingo (23) imagens do presidente eleito lavando e pendurando roupas de mergulho em um varal na Restinga da Marambaia, no Rio de Janeiro, região de praia administrada pelas Forças Armadas. Hoje, foi a vez de um vídeo em que o capitão da reserva, durante churrasco na véspera do Natal, faz piada com o episódio da facada.
A exposição de momentos privados não é novidade - nem no caso de Bolsonaro, nem no repertório político nacional, dizem dois especialistas em comunicação ouvidos pelo UOL.
Os profissionais divergem quanto à pertinência dessa técnica: para um, é "natural"; para outro "patética". Mas ambos convergem que, pelo histórico e pela repercussão, o presidente estreante deverá manter a prática durante o governo.
Uma publicação compartilhada por Jair M. Bolsonaro (@jairmessiasbolsonaro) em
Ativo nas redes sociais, Bolsonaro tem quase 2 mil posts nessa rede e quase 8,3 milhão de seguidores. O segundo colocado na corrida presidencial de 2018, Fernando Haddad (PT), tem 685 publicações e 1,3 milhão de seguidores.
2. Não é inédito: Getúlio já fazia
Apesar da facilidade e do alcance das redes sociais, a tática não é exclusividade do mundo digital.
O professor da ESPM e especialista em marketing político, Emmanuel Publio Dias, dá exemplos da ditadura e da Nova República:
"O general Figueiredo [último presidente da ditadura militar] gostava de ser fotografado fazendo flexões, andando a cavalo. Collor [primeiro presidente civil eleito] cansou de aparecer fazendo cooper [corrida], andando de jet ski, pilotando caças. Cada um passa a imagem que deseja construir. Lula gostava de ser fotografado em ambientes populares também. Não vejo nada a mais, além disso", diz.
O professor de comunicação digital e de Marketing Político da USP (Universidade de São Paulo), Luiz Radfahrer, volta um pouco mais no tempo ao comentar a prática:
"Essas são técnicas banais, sem sofisticação, e muito antigas. Getúlio Vargas usava de técnicas parecidas. A publicação de fotos com esse perfil é uma estratégia velha de político, do bom e velho populismo", diz
Apelidado de "pai dos pobres", Vargas eternizou imagens em que se deixava fotografar em poses trivais, como nessa cena em que aparece em Santos tomando um cafezinho.
3. Gente como a gente
Por trás dos cliques banais estrategicamente divulgados, há uma intenção de construir uma imagem de "homem simples", convergem os especialistas.
O professor da ESPM lê a imagem de Bolsonaro estendendo as roupas de mergulho como uma continuidade do militar que não abandonou os hábitos da caserna.
"No Exército, as pessoas costumam forrar a própria cama. Não vejo nenhum problema nisso, é um jeito de mostrar o presidente que nem é novidade", diz Dias.
Lembrando a foto divulgada durante a campanha eleitoral em que Bolsonaro aparece tomando café da manhã, com pão francês e leite condensado, o professor da USP avalia que o objetivo é de se comunicar "com o público mais humilde", "o eleitor do Lula, talvez".
4. Pertinência das imagens
Os professores discordam ao classificar o papel dessas imagens na construção do discurso do presidente eleito.
Para Luiz Radfahrer, da USP, a divulgação das imagens é "patética" e tem conteúdo "vazio".
"Ele pode tomar café do jeito que ele quiser, isso não importa para as pessoas. O que se quer saber é o que ele tem para educação, saúde, segurança pública. Em vez de mostrar fotos estendendo roupa, ele tem que mostrar um plano de governo", afirma.
Radfahrer defende que delegar a alguém a tarefa de estender as roupas não seria um luxo, mas otimização do tempo. "Ele [Bolsonaro] tem algo mais importante para estar ocupado e preocupado, e, convenhamos, temos no Brasil muitas coisas mais importantes do que lavar e pendurar roupas", diz.
O professor da USP diz que divulgação de imagens como essa pela própria assessoria do presidente eleito é "uma assinatura de incompetência". "[As fotos] são subterfúgios de um pré-governo que ainda não se mostrou, que passada a campanha não está sendo claro sobre quais propostas concretas tem para resolver os problemas do Brasil", diz.
Dias, da ESPM, vê as imagens com naturalidade. Com elas, defende, Bolsonaro "não ganha, nem perde". "Ele está mostrando o que ele é", afirma.
5. Tendência é que posts continuem
O professor da USP e o da ESPM projetam que as imagens continuem frequentes durante o governo, mas, uma vez mais, afastam-se ao avaliar o uso delas.
Para Dias, da ESPM, os posts fazem parte de um discurso que vem sendo construído há tempo, têm dado certo e devem se manter.
"Com certeza mostram uma coerência nesse discurso. É fato que ele tem esse discurso coerente há muito tempo", diz.
O uso dessas imagens, estima, deve continuar ao longo do governo Bolsonaro. "Se deu certo até agora, não há porque mudar. Quanto mais o tempo passa, mais construindo estará o imaginário do eleitor. Se romper com isso, vai ser um rompimento forte. Então não há porque mudar", acredita.
Radfahrer vê, nessas publicações, uma tentativa de distrair o público de eventuais problemas.
"Me parece que no caso de Bolsonaro essa é uma preparação para uma cortina de fumaça, para injetar na população identificação com ele e assim cultivar a ideia de que 'ele é como eu, então atacar o Bolsonaro é me atacar também e, isso, não vou deixar'. Parece atitude preventiva de defesa caso seja contrariado", acredita.
Para ele, mostrar imagens que mesclem a esfera pública do presidente com a esfera privada pode ter "certo charme", mas elas precisam vir acompanhadas de "medidas adequadas", citando como exemplo o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama.
"Essas estratégias podem ter um certo charme sim, se acompanhadas das medidas adequadas. Obama era um político descolado, tido como meio nerd, mas que foi reconhecidamente um excelente presidente. Ele podia se dar ao luxo de aparecer chorando em um evento, por exemplo", diz.
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