Topo

Cercada de restrições, posse de Bolsonaro inicia ciclo conservador no país

Jair Bolsonaro se emociona ao durante a diplomação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Jair Bolsonaro se emociona ao durante a diplomação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília

01/01/2019 04h00

A posse do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), nesta terça-feira (1º), marca o início de um ciclo conservador no país, gestado nos últimos anos na esteira da crise política, dos escândalos de corrupção, da falta de segurança pública, entre outros fatores.

O novo mandatário, capitão do Exército e deputado federal há 27 anos, assume a chefia do Executivo nacional rodeado por militares de alta patente e pela expectativa de uma ruptura do establishment depositada nas urnas por mais de 57 milhões de eleitores.

O rígido desenho de segurança da cerimônia de posse contrasta com o estilo informal de Bolsonaro, que, mesmo após vencer a eleição, costumava sair de sua casa, no Rio, para sacar dinheiro em agências bancárias ou para tomar água de coco na praia da Barra da Tijuca, na zona oeste carioca.

A solenidade será marcada por fortes restrições ao público e à imprensa. O acesso de jornalistas às autoridades foi praticamente inviabilizado nas quatro etapas da posse --da Catedral de Brasília, onde Bolsonaro participará de um culto ecumênico, ao Itamaraty, onde haverá um coquetel de encerramento. São 140 convidados, incluindo 12 chefes de Estado.

Nesse meio período, o presidente eleito desfilará de carro (que pode ser aberto ou fechado) em direção ao Congresso, onde será realizado o ato oficial de posse. Posteriormente, ele subirá a rampa do Palácio do Planalto para receber a faixa das mãos de Michel Temer (MDB).

De forma inédita, serão utilizados equipamentos de guerra como mísseis antiaéreos guiados a laser (capazes de abater aviões a até 7 km de distância) e radar portátil de detecção de aeronaves que voam a baixa altitude. Um decreto assinado por Temer autoriza as Forças Armadas a abaterem "aeronaves suspeitas ou hostis, que possam apresentar ameaça à segurança" no dia da cerimônia. O texto leva em conta todo o espaço aéreo brasileiro, e não apenas a área em que haverá restrições de voo.

São esperadas de 250 mil a 500 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios, segundo estimativa do GSI (Gabinete de Segurança Institucional). O órgão vetou o uso de mochilas, guarda-chuvas, garrafas, carrinhos de bebês, entre outros itens. Todos os que desejarem acompanhar a festa da posse passarão por ao menos quatro pontos de revista.

Semelhanças

É a primeira vez desde o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), empossado em 2003, que o vencedor do pleito receberá a faixa presidencial das mãos de um antecessor de outro partido. Na ocasião, o petista substituiu Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Desde então, não houve alternância entre partidos.

Assim como em 2003, a posse presidencial em 1º de janeiro de 2019 inaugura um novo ciclo político, dessa vez à direita.

A vitória de Lula em 2002 representou a ascensão de um projeto de esquerda que reivindicava ser o oposto do governo FHC no espectro ideológico. O tucano, cujo auge ocorreu na adoção do Plano Real, havia governado por oito anos (1995 a 2002).

No primeiro pronunciamento como presidente, Lula abriu o discurso com a palavra "mudança". "Mudança: esta é a palavra-chave, esta foi a grande mensagem da sociedade brasileira nas eleições de outubro. A esperança, finalmente, venceu o medo e a sociedade brasileira decidiu que estava na hora de trilhar novos caminhos."

"Diante do esgotamento de um modelo que, em vez de gerar crescimento, produziu estagnação, desemprego e fome; diante do fracasso de uma cultura do individualismo, do egoísmo, da indiferença perante o próximo, da desintegração das famílias e das comunidades, diante das ameaças à soberania nacional, da precariedade avassaladora da segurança pública, do desrespeito aos mais velhos e do desalento dos mais jovens; diante do impasse econômico, social e moral do país, a sociedade brasileira escolheu mudar e começou, ela mesma, a promover a mudança necessária."
Discurso de Lula no Congresso, em 2003

Tudo indica que, ao se dirigir aos brasileiros pela primeira vez, Bolsonaro buscará se colocar como a interrupção de um modelo que, na versão dos pesselistas, levou o país ao colapso.

Ao construir uma imagem antissistema desde o período de campanha eleitoral, o capitão da reserva acabou herdando o capital político antipetista --formado pela massa insatisfeita com a condução do país nos últimos 16 anos. A estratégia foi fundamental para o triunfo no pleito.

Após a confirmação do resultado das urnas, o presidente eleito declarou que se empenharia para "quebrar paradigmas". O discurso foi lido por ele em horário nobre na TV aberta.

"Nosso governo vai quebrar paradigmas: vamos confiar nas pessoas. Vamos desburocratizar, simplificar e permitir que o cidadão, o empreendedor, tenha mais liberdade para criar e construir e seu futuro", disse. "Vamos 'desamarrar' o Brasil."

Ameaça terrorista

De acordo com a Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Paz Social, a logística da cerimônia mobilizará mais de 3.000 agentes de forças de segurança, entre os quais policiais militares, civis e federais, além de militares das Forças Armadas e do Corpo de Bombeiros. É o maior esquema de segurança já montado para uma posse presidencial.

netanyahu - Fernando Frazao/Agência Brasil - Fernando Frazao/Agência Brasil
Entre os convidados da festa da posse está o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu (à esq.)
Imagem: Fernando Frazao/Agência Brasil

Um dos fatores que demandam maior preocupação por parte do GSI é a suposta ameaça de um grupo que se autodenomina terrorista e que reivindicou a autoria de uma tentativa de ataque em uma igreja em Brazlândia, região administrativa do DF. Nesta segunda (31), as polícias Federal e Civil realizaram uma operação para reprimir a organização --sete mandados de busca e apreensão foram cumpridos em Brasília, Goiás e São Paulo.

Esse grupo teria, segundo informações obtidas pela PF, divulgado a intenção de realizar um atentado durante a posse de Bolsonaro. Não foram divulgados detalhes sobre o suposto planejamento criminoso.

O assunto é sensível no alto escalão do novo governo porque Bolsonaro por pouco não morreu em um ataque a faca durante atividade de campanha em Juiz de Fora (MG), em 6 de setembro.

O então presidenciável sofreu o golpe na região do abdômen e chegou a perder praticamente metade do sangue do corpo. Ele precisou passar por duas cirurgias, sendo uma para estancar a hemorragia logo após a facada. Até hoje ele depende de uma colostomia (uma espécie de saco plástico ligado ao intestino) --em janeiro ele será operado para retirada da bolsa.

Devido ao temor de um novo atentado, até o momento Bolsonaro e sua equipe ainda não decidiram se o presidente desfilará em carro aberto com o tradicional Rolls-Royce. A escolha caberá ao próprio pesselista, que deve fazê-la em cima da hora, segundo o general Sergio Etchegoyen, atual chefe do GSI --ele será substituído pelo general Augusto Heleno a partir de janeiro do ano que vem.

"A decisão do carro aberto ou fechado, que é uma coisa menor numa festa tão grande e bonita, será decidida pelo presidente da República."

Cronograma da posse

  • 14h45 - Desfile do cortejo presidencial da Catedral Metropolitana de Brasília até o Congresso Nacional
  • 15h - Abertura da Sessão Solene de Posse no Plenário da Câmara dos Deputados
  • 15h45 - Término da sessão solene na Câmara dos Deputados
  • 16h10 - Cerimônia de Execução do Hino Nacional, seguida de salva de tiros e revista de tropas, na rampa do Congresso Nacional
  • 16h25 - Desfile do cortejo presidencial do Congresso Nacional para o Palácio do Planalto
  • 16h30 - Chegada do cortejo ao Palácio do Planalto
  • 16h40 - Recebimento da faixa presidencial, seguida de pronunciamento oficial à Nação
  • 17h - Cumprimentos dos Chefes de Governo e de Estado
  • 17h - Posicionamento da imprensa credenciada para o Palácio Itamaraty no térreo do Palácio Itamaraty
  • 17h30 - Cerimônia de nomeação dos ministros no Salão Nobre do Palácio do Planalto
  • 18h15 - Fotografia oficial no Salão Oeste do Palácio do Planalto
  • 18h45 - Partida do cortejo presidencial para o Palácio Itamaraty
  • 19h - Recepção oferecida pelo presidente Jair Bolsonaro e primeira-dama Michelle Bolsonaro no Palácio Itamaraty
  • 21h - Término da recepção
Errata: este conteúdo foi atualizado
Ao contrário do que informava o texto, Jair Bolsonaro é capitão da reserva, não capitão reformado.