Caravana começa com oração e encara 14 horas de estrada por Bolsonaro
De camiseta preta com a estampa de uma caveira abaixo da palavra "Bolsonaro", o anfitrião abre a porta do apartamento na avenida principal de Piracicaba (interior de São Paulo). Ele sorri para as 11 pessoas que chegam ao local pouco depois da 0h do domingo (30). Desconhecidos que logo estão fisicamente muito próximos porque o calor faz todos se amontoarem junto à janela da sala.
O que reuniu estas pessoas é uma caravana, que sairá logo após o jantar, para ir a Brasília acompanhar a posse do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). Cada um desembolsou R$ 770 pelo pacote Patriotas 02, que inclui viagem terrestre e duas diárias de hotel.
Caco Ferry, 38, o dono da agência de viagens que organizou a caravana, recebe os clientes em seu apartamento em que a decoração mostra que ele partilha do slogan de campanha de Bolsonaro: "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".
Sobre o balcão da sala há uma estátua do papa Francisco. "Comprei na Polônia durante a Jornada da Juventude 2016", explicaria mais tarde. Ao lado, a Virgem Maria e José contemplam o menino Jesus na manjedoura.
Perto das imagens, estão as letras J e C. Não é uma referência a Jesus Cristo. São as iniciais do casal Jessica e Caco.
Em Fortaleza para visitar a mãe, ela está orgulhosa com o marido organizando a viagem de 910 quilômetros para acompanhar a posse de Bolsonaro.
Caco não gostava do presidente eleito e reclamava quando a mulher ia às manifestações a favor do impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT). Mudou tanto de opinião que passou 14 horas em uma van no último domingo --saiu as 2h da madrugada de Piracicaba e chegou às 16h à capital federal.
Teve a companhia de Rogéria Rodrigues, 54. A enfermeira, que mora em Osasco (Grande São Paulo), ajudou a colocar Dilma no cargo, mas torceu muito por sua saída da Presidência da República.
Com passado sindical, ela era uma pessoa desiludida com a política até o "surgimento" de Bolsonaro. "Votei no PT até a segunda vitória de Dilma. A roubalheira me decepcionou", diz.
Eliana Costa, 28, é a pessoa mais nova da caravana e viajou sentada ao lado de Rogéria. Como a vizinha de banco, também votava no PT. Estudante de Direito que deseja passar no concurso para delegada, se diz tão empolgada com a viagem que comprou um vestido e uma calça para os dias em Brasília. "A ocasião é motivo de festa e comemoração com roupas novas."
Como todos os 11 eleitores que estão na caravana, as duas dizem que atuaram de graça por Bolsonaro durante a campanha. A sala do apartamento de Caco está cheia de gente que decidiu ir à posse para ver a coroação de seu trabalho. O anfitrião abre caixas da Tradizionalle Pizzaria e avisa que haverá sorvete de sobremesa e se gaba. "Aqui o tratamento é vip."
Alimentados, eles carregam a van. Imitando voz de aeromoça, Caco pede que todos os patriotas presentes usem o cinto de segurança, brinca que provavelmente o motorista não vai cair no sono e anuncia que quando pegarem a estrada puxará uma oração.
Um Pai Nosso e uma Ave Maria revelam que a caravana está na rodovia. Logo que a reza termina, o motorista Gilmar Teixeira Silva, 44, tira uma das mãos do volante para ligar o rádio. Ele escolhe um pen drive e músicas da década de 1980 embalam as conversas travadas em meio a bocejos de quem insiste em manter o papo às 2h45.
Meia hora mais tarde, uma das passageiras pede para apagar a luz azul do interior da van. As pessoas mostram sincronismo para se acomodarem. Van não é ônibus. Deitar o máximo que o banco permite significa esmagar os joelhos de quem está atrás. Todos se organizam. O silêncio rapidamente se transforma na respiração profunda de quem adormeceu.
Ribeirão Preto é a primeira chance de esticar as pernas. Metade das pessoas se arrasta ao banheiro com cara de sono. Na volta, recebem o voucher do hotel e um presentinho. "Que lindo", exclama Rogéria ao ver o broche com a imagem do Cristo Redentor e a bandeira do Brasil ao fundo.
Em instantes, o sono vence novamente. Somente o dono da agência de viagens cumpre sua função de conversar com o motorista para afastar qualquer fagulha de sono.
O ambiente da van muda depois da parada na região de Uberaba (MG). A combinação amanhecer, pausa para lavar o rosto e café da manhã desperta o grupo. Eles começam a compartilhar sua relação com Bolsonaro.
O empresário Carlos Alberto Cicotti, 35, é um dos homens do grupo e explica por que vai sacrificar a virada de ano ao lado da família. "Participei da campanha e preciso ver o Bolsonaro assumindo a Presidência."
Ele também afirma ser um desiludido político, mas com o PSDB. Diz acreditar que nesta terça-feira (dia da posse) o Brasil terá sua segunda independência.
Mas logo se apressa em falar que não existe fanatismo em relação ao presidente eleito. "A gente não idolatra ninguém. Não estamos cegos e, se pisar um pouco fora da linha, iremos em cima".
O assunto Fabrício Queiroz, motorista do filho do presidente eleito Flávio Bolsonaro e sua movimentação bancária atípica vem à tona naturalmente quando todos começam a achincalhar a TV Globo.
Culpam a mídia por aumentar e inventar coisas. As pessoas repetem as justificativas dadas pela família Bolsonaro e o próprio Queiroz. Todos estão satisfeitos com as explicações.
Nova parada no interior de Goiás mostra o Brasil grotão. O fogão é a lenha e há somente banheiro turco (o vaso sanitário é um buraco no chão).
Como em todas as paradas, havia gente indo para a posse. A diferença é que agora o grupo encontrou um carro de Piracicaba. A coincidência é interpretada como um sinal de que estão fazendo a coisa certa em encarar a viagem.
Os apoiadores do próximo presidente ficam trocando impressões sobre o futuro governo e Caco recebeu elogios pela camisa de Bolsonaro.
Elvira Aparecida de Lima, 65, conta que trabalhou tanto na campanha que convenceu até o primo homossexual a digitar 17, número de urna de Bolsonaro. Acrescenta que também brigou muito durante a eleição. Está certa de que valeu a pena por causa da proposta de reduzir a maioridade penal e endurecer a política de segurança pública. Ela quer "cana dura para criminosos" e não vê problemas na posse de armas.
A aposentada ficou orgulhosa que em Limeira (SP), cidade onde mora, Bolsonaro teve 78,51% dos votos. Elvira decidiu no primeiro turno que iria a Brasília em caso de vitória. Queria pegar um carro e dirigir até a capital do Brasil. "Meus filhos falaram que eu estava louca. Se fosse preciso, eu iria. Mas achei a caravana e estou feliz, muito feliz, de estar indo para posse".
Elvira tem uma história diferente de Rogéria e Eliana, as duas mulheres que moram na Grande São Paulo. Ela conhece outras três integrantes da van de excursões religiosas que costumam fazer. Viagens para ver o Padre Marcelo Rossi e Canção Nova, comunidade católica com sede em Cachoeira Paulista (SP), fazem parte do roteiro.
Já são 13 horas de estrada quando a caravana tem uma interrupção em Santa Maria, primeira Cidade Satélite para quem chega via Goiás. Há várias viaturas da Polícia Rodoviária Federal e homens com armas de grosso calibre espalhados pelo asfalto. Todas as vans são paradas e revistadas. Os passageiros descem tirando fotos e conversam animadamente com um policial.
A chegada na capital do Brasil é comemorada com fotos e olhares de cobiça sobre as camisas amarelas com o rosto de Bolsonaro que estão expostas nas esquinas. Estas 11 pessoas passaram mais de meio dia na estrada. Todos dizem ter certeza que o esforço valeu a pena porque viverão o nascimento de um novo país na terça-feira.
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