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Opinião: O STF, o risco de morte da Lava Jato e a impunidade de poderosos

Ministros durante julgamento no plenário do STF - Rosinei Coutinho/Divulgação/STF
Ministros durante julgamento no plenário do STF Imagem: Rosinei Coutinho/Divulgação/STF

Roberson Henrique Pozzobon*

Especial para o UOL

09/03/2019 04h00

No dia 13 de março de 2016 ocorreu a maior manifestação da história do Brasil. Milhões e milhões de brasileiros foram às ruas, em todo país, para protestar contra a corrupção, pela ética pública e pelo fim da impunidade. No dia 13 de março de 2019, quatro dias antes da Lava Jato completar cinco anos de existência, o Supremo Tribunal Federal não só decidirá o passado, o presente e o futuro da Operação, como a própria eficiência do combate à corrupção no Brasil.

O que está em pauta é a definição do palco em que devem ser investigados crimes em que há conexão entre corrupção ou lavagem de dinheiro com o crime de caixa dois praticados por poderosos agentes econômicos e políticos: se a Justiça Federal, onde resultados significativos na luta contra corrupção têm sido obtidos, ou a Justiça Eleitoral, vocacionada para inúmeros fins públicos, menos para a investigação de crimes complexos.

Verdade seja dita: habilidosos defensores contratados por poderosos agentes políticos investigados por corrupção, por mais contundentes que sejam as provas que pesam contra seus clientes, jamais encaram suas causas como perdidas. Pelo contrário, buscam alternativas.

A alternativa da vez, sobre a qual muitos investigados depositam a velha esperança de impunidade, está em buscar retirar da Lava Jato e mandar para a Justiça Eleitoral, por meio de uma decisão do STF, centenas, se não milhares, de procedimentos nos quais agentes políticos e econômicos poderosos são investigados por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

O pretexto, o subterfúgio, o motivo que é declarado pelos investigados para encobrir a verdadeira razão do pedido, a busca pela impunidade, é a competência da Justiça Eleitoral para processar o delito de "caixa dois" eleitoral.

Alegam --e desejam com todas as forças-- que investigações criminais de caixa dois deveriam arrastar para a Justiça Eleitoral todo os demais delitos relacionados, de competência da Justiça Federal, entre os quais os mencionados crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Tal pedido não faz o menor sentido, jurídica ou pragmaticamente.

A cerne do subterfúgio está em invocar norma do Código Eleitoral, que diz que crimes eleitorais e conexos deveriam ser julgados pela Justiça Eleitoral.

Ocorre, contudo, que a Constituição Federal, nossa norma máxima, expressamente atribuiu à Justiça Federal a competência de processar crimes de corrupção e lavagem como aqueles objetos da Lava Jato. Em outras palavras, o que pretendem as defesas é que, no dia 13, o STF diga que uma norma ordinária, o Código Eleitoral, está acima da Constituição.

Ademais, há uma relação do tipo acessório-principal entre os crimes de corrupção e de "caixa dois". Logicamente, o crime de corrupção é o principal.

Explico: o crime de corrupção, do ponto de vista do agente político corrompido, configura-se quando, em razão do atual ou potencial futuro mandato, o político solicita propina, aceita promessa de propina ou recebe propina. Ponto! Se depois de receber a propina nessas circunstâncias o político resolve mandar o dinheiro para o exterior, gastar em festas, viagens ou joias, "investir" em sua campanha eleitoral ou mesmo doar para os menos afortunados (não que se tenha conhecimento de que alguma vez isso de fato tenha acontecido), isso nada interfere na consumação do crime.

A corrupção terá sido praticada e, em um cenário ideal, ou seja, em um sistema jurídico que funcionasse, o agente político seria por ela punido.

Por sua vez, o agente político que recebe a propina e a "investe" em sua campanha eleitoral, sem declarar ao TSE, não pratica um crime, mas dois: corrupção e caixa dois.

Pratica o crime de corrupção, por ter recebido a propina em decorrência de suas funções; paralelamente, por ter omitido informação relevante da Justiça Eleitoral, pratica o crime de falsidade ideológica eleitoral, vulgarmente conhecido como caixa dois.

Em casos como esse, em um cenário ideal, o político seria condenado tanto pelo crime principal, de corrupção, cuja pena é de 2 a 12 anos de prisão, quanto pelo crime acessório, de caixa dois, com pena de 0 a 5 anos de prisão.

O Supremo decidirá no próximo dia 13, assim, se o crime de corrupção, que é o principal, deve seguir a sorte do crime eleitoral de caixa dois, secundário ou assessório, o que afronta não só o direito como os princípios lógicos mais elementares.

Não bastasse o absurdo jurídico e ilógico, pragmaticamente, ao menos do ponto de vista do interesse da sociedade brasileira, que não almeja dar um passo atrás em busca da impunidade, a tentativa de remessa das grandes investigações de corrupção da Lava Jato para a Justiça Eleitoral se revela ainda mais estapafúrdia.

Crimes federais de corrupção e lavagem transnacional são quebra-cabeças extremamente complexos, com milhares de peças e que via de regra demandam anos de investigação e centenas de diligências para que possam ser completamente elucidados.

As peças ou provas desses crimes são obtidas apenas mediante esforço concentrado e dezenas de medidas de investigação como buscas e apreensões, afastamentos de sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático, acordos de colaboração premiada, procedimentos de cooperação internacional, entre outros.

Ademais, mesmo existindo, há mais de uma década na Justiça Federal, Varas especializadas em lavagem de dinheiro, o processamento desses crimes exige grande investimento de tempo.

A Justiça Eleitoral, ao seu turno, não foi estruturada minimamente para investigar crimes federais complexos como corrupção e lavagem. Trata-se de uma Justiça focada em fornecer decisões rápidas e soluções imediatas para questões importantíssimas que dizem respeito às eleições que acontecem a cada dois anos no Brasil.

Justamente por isso, a Justiça Eleitoral não possui quadro próprio de juízes, tem composição transitória e mista. Os juízes eleitorais têm mandato de dois anos e são oriundos tanto da advocacia (é permitido inclusive que continuem advogando enquanto juízes eleitorais), quanto da magistratura.

Em síntese, não é preciso ser nenhum gênio para antever que se o STF decidir no próximo dia 13 por retirar complexas investigações de corrupção da Justiça Federal e remetê-las para Justiça Eleitoral, o risco de morte da Lava Jato e de impunidade de poderosos corrompidos será o mesmo: de 99%.

De todo modo há que se reconhecer que, apesar da "forçação de barra" jurídica, é bastante sutil e engenhosa a tentativa de poderosos corruptos que, temendo o que já foi e ainda será descoberto na Justiça Federal, não conseguindo enfrentar o mérito das provas que já pendem contra si, buscam deslocar seus casos para um ambiente perfeito onde pouco poderá ser feito. Um ambiente onde poderão aguardar deitados a tão esperada impunidade.

*Roberson Henrique Pozzobon é procurador da República e integrante da força-tarefa da Lava Jato no MPF/PR (Ministério Público Federal no Paraná)