Porta-voz, Rêgo Barros concilia estilo discreto e franciscano no Planalto
Nos últimos meses, o brasileiro passou a acompanhar pelo noticiário a presença de um homem de figura esguia em um dos salões do Palácio do Planalto para dar declarações e tirar dúvidas dos jornalistas que cobrem o dia a dia da Presidência da República. Ao final das falas, a expressão franciscana "paz e bem" virou sua marca registrada.
Como porta-voz, o general de Exército Otávio do Rêgo Barros, 58, é a imagem oficial do governo de Jair Bolsonaro (PSL) e o responsável por tentar acalmar publicamente os ânimos quando irrompe alguma crise.
Para ajudá-lo na tarefa, uma imagem da Nossa Senhora Desatadora dos Nós o acompanha no bolso do paletó ou da farda.
"Digamos que já tive que contar com ela algumas vezes", disse, rindo.
"Eu fico rezando toda vez [que ele aparece na TV]", confessou sua mulher, Cristina, embora com um sorriso no rosto. Juntos, têm um casal de filhos. O rapaz decidiu seguir os passos do pai e é capitão do Exército.
Recifense e torcedor aguerrido do Sport, Rêgo Barros é adepto da filosofia franciscana, que prega a igualdade e fraternidade entre os homens, e frequenta a igreja católica todo domingo. Quando sobra um tempo para viajar, gosta de ir a um santuário em Campinas (SP).
No entanto, até um devoto de são Francisco de Assis tem seus dias de estresse.
A semana da demissão do então ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno (PSL), foi uma das mais tensas.
Um dos motivos da exoneração do ministro foi o vazamento de áudios de conversas entre ele e o presidente Jair Bolsonaro. Em uma das conversas, Bolsonaro critica o ministro porque ter marcado uma reunião com o vice-presidente de Relações Institucionais da Globo, Paulo Tonet Camargo. "Como você coloca nossos inimigos dentro de casa?", questiona Bolsonaro.
Ao final do briefing (declarações quase que diárias no Planalto) no dia da demissão de Bebianno, Rêgo Barros saiu do recinto sem desejar "paz e bem" aos jornalistas.
No dia seguinte, o briefing também foi tomado pelo assunto. Após Bolsonaro chamar a TV Globo de "inimiga", uma jornalista questionou o porta-voz se o Planalto via a imprensa dessa maneira. E a resposta de Rêgo Barros acabou sendo um desagravo à imprensa.
"A imprensa em qualquer democracia é o ponto de equilíbrio para a consolidação da sociedade. Absolutamente o nosso presidente enxerga a imprensa como inimiga. Ao contrário".
General Rêgo Barros, porta-voz da Presidência
E deu sua opinião: "Eu pessoalmente como porta-voz, estou falando por mim agora, eu entendo que a imprensa é essencial para essa consolidação, para que a sociedade cresça, que amadureça. Vocês são muito importantes", disse, apontando para os repórteres.
"Eu quero agradecer o empenho de vocês em nome do presidente", concluiu - para, em seguida, se despedir com o "paz e bem" de praxe.
Após negativas de potenciais porta-vozes, decisão acertada
Em uma gestão marcada por problemas de comunicação, a importância do papel porta-voz da Presidência para unificar o discurso é ainda maior. A ideia é evitar que cada ministro, auxiliar ou o próprio presidente Jair Bolsonaro (PSL) saia falando o que lhes der na cabeça.
Um exemplo pré-Rego Barros: em 6 de janeiro, Bolsonaro disse que o governo poderia reduzir a alíquota máxima do Imposto de Renda de 27,5% para 25%, e aumentar a alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). A declaração foi desmentida pelo secretário especial da Receita, Marcos Cintra, e pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, mas já havia causado algum estrago no mercado financeiro.
Oito dias depois, na esteira de mais declarações desencontradas, Bolsonaro anunciou Rêgo Barros como porta-voz.
Apesar de próximo do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, amigo do presidente, o pernambuco não foi a primeira escolha do alto escalão do governo - foram sondados também jornalistas e diplomatas, profissões tradicionalmente vinculadas a esse tipo de cargo.
No entanto, hoje, auxiliares do presidente reconhecem que a decisão pelo militar formado na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) é considerada uma das mais acertadas da atual gestão.
A voz firme e a atitude, em geral, calma, mesmo diante de perguntas espinhosas, foram adquiridas ao longo da carreira militar, dizem colegas de Rêgo Barros que trabalham ou trabalharam com ele ouvidos pela reportagem.
O general se destacou na chefia do Centro de Comunicação Social do Exército. Ele atuava no relacionamento da instituição com a imprensa há quatro anos e nove meses antes de assumir o cargo no Planalto.
Em sua despedida da comunicação do Exército, o porta-voz elencou a Copa das Confederações, Copa do Mundo, Jornada Mundial da Juventude, Olimpíada do Rio, greves de polícias militares, revistas de presídios, intervenção federal no Rio, greve dos caminhoneiros, operação Acolhida e o encerramento da missão de paz no Haiti como os momentos mais desafiadores.
"Entendo que é o meu dever de soldado-cidadão lutar por um Brasil melhor. O ginete está mais maduro e o animal mais rotinado. Colocarei todo meu esforço no labor de mais uma vez transpor as bandeirolas da linha de chegada. Conto com suas orações, muito obrigado. Paz e bem", disse ao encerrar o discurso e transmitir o cargo ao ex-secretário de Segurança do Rio durante a intervenção federal, Richard Nunes.
Em conversas no Planalto desde que assumiu, Rêgo Barros já classificou a função de porta-voz como necessidade de Estado.
O ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, classificou Rêgo Barros ao UOL como "excelente oficial" com a "vantagem, entre aspas, de ter pego um período muito difícil" à frente da comunicação do Exército, em referência à crise política no período e quando parcela da população chegou a pedir intervenção militar.
"[Rêgo Barros] Foi largamente testado, aprendeu muito. Ele pode ter uma participação muito efetiva e relevante no governo", falou Heleno. "Ele [como porta-voz] é fator de informação e tranquilidade do comandante."
Seu estilo de atuação nos bastidores, estimulando o uso das redes sociais para se comunicar com a população, também agrada à cúpula de Bolsonaro, que se utilizou do método exaustivamente nas eleições do ano passado. Ainda que não tenha perfis oficiais, Rêgo Barros impulsionou as contas do Exército. Na Presidência, participou, com desenvoltura, de transmissões ao vivo ao lado do Bolsonaro.
"Ele transmite muita tranquilidade. Parece um padre, né? A gente fica feliz de o ouvir falar", afirmou o assessor de relações do Exército com a mídia, capitão Cruz, que teve Rêgo Barros como chefe.
Um colega militar no Planalto, que preferiu não ter o nome identificado, acredita que a dinamicidade de Rêgo Barros vem da formação na cavalaria do Exército.
"Desde cedo, quem é da cavalaria aprende a ter muita autonomia para tomar decisões. Tem também que conversar bastante com chefes e subordinados pela natureza do trabalho com blindados e proteção de largas extensões territoriais, por exemplo. Acostuma-se a ficar isolado no campo e ter força a desenvolver a comunicação", falou.
Por enquanto, o porta-voz divide uma sala com outro funcionário no segundo andar do Palácio do Planalto, um abaixo do gabinete presidencial. A cena mais comum, porém, é vê-lo andando de um lado para outro junto ao fiel assessor coronel Peregrino. A justificativa: "estão me chamando".
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