Disputa de R$ 600 milhões por ano opõe Procuradoria e advogados da União
O recebimento de honorários em ações judiciais por advogados públicos, como os membros da AGU (Advocacia-Geral da União) e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, está no centro de uma disputa apresentada pelo Ministério Público ao STF (Supremo Tribunal Federal) por meio de uma ação de inconstitucionalidade.
O Ministério Público defende que esses honorários são dinheiro público e, por isso, devem ser revertidos ao caixa do governo, em vez de serem destinados para engordar o salário dos advogados públicos que atuam em órgãos federais. A ação foi apresentada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que representa o Ministério Público junto ao Supremo.
Apenas em 2018, esse tipo de pagamento rendeu R$ 618 milhões aos advogados públicos, segundo dados fornecidos pela CGU (Controladoria-Geral da União). Em média, cada um recebeu entre R$ 6.000 a R$ 7.000 a mais por mês no contracheque.
Esse dinheiro não é pago pelo governo, mas por cidadãos e empresas derrotados em ações judiciais contra órgãos públicos federais.
No processo, a AGU contestou os argumentos da Procuradoria e alegou que um conjunto de leis define os honorários como verba privada que deve ser repassada aos advogados públicos que atuam nos órgãos federais.
O ministro do STF Marco Aurélio Mello é o relator do caso. Em abril, a ação foi liberada para ser incluída na pauta de julgamentos do plenário do Supremo, formado por 11 ministros. Ainda não há data marcada para o julgamento.
O pagamento dos honorários foi regulamentado por uma lei federal de 2016, que estabeleceu o pagamento nas ações judiciais em que forem parte a União [governo federal], as autarquias e as fundações públicas federais, quando o poder público for vitorioso na Justiça.
Na prática, podem receber os valores os funcionários públicos que atuam como advogados na AGU (Advocacia-Geral da União), na PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), na procuradoria do Banco Central e nas procuradorias de órgãos federais.
Os advogados públicos são servidores concursados desses órgãos, formados em direito e que atuam nos processos judiciais representando os interesses dessas entidades do poder público.
Na advocacia privada, esse tipo de honorário, chamado de honorário de sucumbência, é pago pela parte perdedora de um processo judicial para cobrir os custos da parte vencedora com a ação. O valor é estimado pelo juiz entre 10% a 20% do valor da condenação final no processo.
Na advocacia pública, o modelo criado pela lei de 2016 funciona assim: toda vez que o governo ganha uma ação na Justiça, o valor dos honorários de sucumbência pagos pela outra parte no processo são acumulados para serem posteriormente repartidos entre todos os advogados públicos desses órgãos federais.
Em janeiro, último mês para o qual há dados disponíveis no Portal da Transparência do governo federal, foram distribuídos R$ 54 milhões a cerca de 7.500 advogados públicos. A maioria recebeu R$ 7.500 a mais junto com o salário, média superior aos dados de 2018. A divisão é proporcional ao tempo de carreira e por isso alguns recebem um valor menor.
Argumentos contra os honorários
Para a PGR (Procuradoria-Geral da República), advogados públicos não podem ser comparados a advogados privados. Isso porque esse tipo de honorário quando recebido por advogados particulares tem a função de remunerar os serviços prestados pelo profissional. Já nos órgãos federais os advogados públicos são remunerados por meio de salário previamente fixado.
Como os advogados públicos são remunerados por meio de salário e têm sua estrutura de trabalho --como material de escritório, telefone e local de trabalho -- custeada pelo governo, a PGR defende que o valor dos honorários recebidos por vitórias judiciais pertence aos órgãos federais envolvidos no processo e devem ser revertidos ao poder público.
A Procuradoria também afirma na ação que o recebimento de honorários pode gerar "conflito de interesses" na atuação dos advogados públicos e cita o exemplo de um processo na Justiça do Ceará, em que os advogados da AGU pediram que a venda de um imóvel penhorado fosse destinada prioritariamente para o pagamento de honorários e apenas parcialmente para quitar a dívida existente com o governo federal.
Outro argumento da PGR contra o recebimento de honorários é que esse valor não tem entrado no cálculo do teto salarial dos advogados públicos. Hoje, a regra é de que a remuneração de qualquer funcionário público não pode ultrapassar o valor do salário dos ministros do STF, de R$ 39 mil.
Mas, a forma como o governo tem classificado administrativamente o pagamento dos honorários permite que os valores pagos extrapolem o teto salarial quando somados com a remuneração regular dos advogados públicos. O salário inicial dos advogados públicos varia de R$ 15 mil a R$ 17 mil, a depender do órgão.
Argumentos a favor dos honorários
Quem defende a legalidade dos pagamentos, afirma que um conjunto de leis federais confirma a natureza privada dos honorários de sucumbência e autoriza seu recebimento pelos advogados públicos.
Além da lei que regulamentou esse sistema de pagamento em 2016, o Código de Processo Civil, lei de 2015, também tratou do assunto ao afirmar que: "Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei". Já o Estatuto da Advocacia, lei de 1994, afirma, sem citar explicitamente os advogados públicos, que os honorários de sucumbência "pertencem ao advogado".
Esse foi o argumento utilizado pela AGU para rebater a ação da Procuradoria no STF.
"Referidos dispositivos consolidaram, no ordenamento jurídico federal, o direito dos ocupantes dos cargos de Advogado da União, Procurador da Fazenda Nacional, Procurador Federal, Procurador do Banco Central do Brasil a receber, a título próprio, os honorários advocatícios de sucumbência das causas em que forem parte a União, as autarquias e as fundações públicas federais", diz texto da manifestação enviada ao STF pelo advogado-geral da União, André Mendonça.
Para administrar o repasse dos honorários aos advogados dos órgãos federais, a lei de 2016 criou o Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA).
O procurador da Fazenda Rogério Campos é um dos conselheiros do CCHA e afirma que o recebimento dos honorários tem estimulado a produtividade dos advogados públicos. "A partir de 2016, a arrecadação da dívida ativa dobrou. Em 2017 ela foi quase o dobro, saiu de R$ 15 bilhões, em 2016, para R$ 26 bilhões", afirma Campos.
Para ele, os honorários criaram um ecossistema de ganha-ganha. "Quanto mais se ganha de honorários, quer dizer que a administração pública ganhou mais ações. É um instrumento excepcional de gestão", diz o procurador da Fazenda.
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