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Perdi o controle da situação, diz mulher hostilizada em ato pró-Bolsonaro

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

28/05/2019 11h59

Aos domingos e feriados a artesã Dinah Caixeta Guimarães, 54, costuma chegar antes das 9h na avenida Paulista, região central de São Paulo, antes mesmo de a via ser fechada para carros, para preparar as roupas que ela mesma produz para vender ao longo do dia.

Não foi diferente no último domingo, o que ela não imaginava é que sairia de lá escoltada pela Polícia Militar após ser hostilizada por um grupo de manifestantes durante os protestos em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Ela contou ao UOL que foi à Paulista no último domingo vestida com uma camiseta em homenagem à vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), assassinada no ano passado, de propósito, em forma de protesto silencioso, e que chegou a "brincar" com manifestantes ao fazer perguntas sobre o paradeiro do ex-assessor Fabrício Queiroz, que trabalhava para o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Ninguém teria notado a camiseta, até que ela começou a circular entre os carros de som próximos ao local onde ela monta seu ponto de vendas, na quadra que fica entre os parques Trianon e Mário Covas, no final da tarde.

"Fui andando e vendo os grupos, ouvindo as falas de cada um. Tinha um pregando quando eu disse: 'Não! O estado é laico.' Talvez alguém tenha [ouvido] umas falas minha nesse sentido de [perguntar] 'Cadê o Bolsonaro?', essas coisas", contou.

A artesã disse ter visto o clima esquentar quando viu um grupo de pessoas passando com uma placa alusiva a Sergio Moro e perguntar pelo Fabrício Queiroz. "Todo mundo que passava de verde-amarelo eu perguntava 'e ai? O Queiroz?'. Uns xingavam, outros hostilizavam, outros diziam que o Lula roubou mais", disse.

Dinah disse ter sido abordada por uma jornalista que perguntou "se ela não tinha medo". "Eu disse 'não, isso aqui é uma brincadeira, a gente vai fazer uma campanha aqui para achar o Queiroz'", contou.

A artesã precisou ser escoltada pela PM da avenida Paulista até a alameda Santos - KEVIN DAVID/A7 PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO - KEVIN DAVID/A7 PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
A artesã precisou ser escoltada pela PM da avenida Paulista até a alameda Santos, sendo hostilizada durante todo o trajeto por um grupo de apoiadores de Bolsonaro
Imagem: KEVIN DAVID/A7 PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

"Fui perdendo o controle da situação"

Diferentemente do que havia dito no domingo ao UOL enquanto esperava o táxi, quando alegou que um homem começou o bate-boca, na entrevista dada na segunda-feira à noite, ela afirmou que a confusão começou com uma mulher.

"Ai veio uma mulher, que não sei de onde surgiu essa entidade, e começou a dizer que eu era petista, a perguntar para quem eu trabalhava e começou a me hostilizar. E nisso, começou a inflamar e o pessoal foi começando a se aproximar", contou.

Ela disse ter sentido medo nesse momento. "O negócio foi tomando uma proporção, que acho que tinha umas cem, 200 pessoas. Eu vi que o negócio ficou feio e pensei: 'Vou para o parque como quem vai para o banheiro e vou sair pela tangente'. Mas fui perdendo o controle da situação", disse.

Dinah falou que, apesar de tudo, continuará trabalhando na avenida Paulista. "Vou continuar minha rotina. Tenho a Paulista como minha casa, minha cara, minha vida", disse.

Não foi a 1ª vez que ela foi hostilizada na Paulista

Dinah Caixeta monta seu ponto de vendas entre os parques Trianon e Mário Covas - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Aos domingos e feriados, Dinah Caixeta monta seu ponto de vendas entre os parques Trianon e Mário Covas, na avenida Paulista
Imagem: Arquivo pessoal

Até as eleições de 2014, o ponto de vendas da artesã costumava ser na frente de uma cafeteria, perto da estação Brigadeiro do metrô. Mas Dinah contou que resolveu se mudar dali depois de ser hostilizada por manifestantes insatisfeitos com a reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

"Antes ficava mais para frente, ali perto do Starbucks, e saí de lá por conta das marchas, porque estava começando a ser hostilizada, toda vez", afirmou.

Ela disse lembrar bem do protesto do dia 15 de novembro de 2014 por ter sido a primeira vez em que sentiu medo de ser agredida fisicamente. Naquele dia, passadas as eleições, Dinah resolveu ir trabalhar com um adesivo alusivo à presidente reeleita. Naquela época, as pessoas começaram a ir às ruas usando verde e amarelo para pedir a anulação das eleições.

"Lá foi um ato involuntário, não tinha noção, porque foi logo que começou esse movimento verde e amarelo. Então usei [o adesivo] ingenuamente. Quando fui na esquina comprar um café, comecei a ser hostilizada, um cara veio para cima de mim. Depois dessa vez, eu parei de ficar lá", contou.

Desde então, a artesã diz ter passado a vender seus shorts, camisas (durante o verão) e calças de flanela (no inverno) na quadra que fica entre os parques Trianon e Mário Covas. "A manifestação não chegava até ali. Ela ia do Masp para frente [no sentido ao que ela fica]", explicou.

No ato em comemoração à vitória de Jair Bolsonaro, também na Paulista, Dinah contou que quase se envolveu em uma confusão. Ela foi trabalhar naquele dia usando uma camisa verde e amarela, mas com o rosto de Marielle Franco.

"Na eleição do Bolsonaro eu fui com uma também, quando o grupo foi comemorar a vitória dele. (...) Bem no finalzinho que eu acho que alguém percebeu e disse 'ah Marielle', ai complicou o negócio. Como foi no final, tinha um policial perto que perguntou se estava acontecendo alguma coisa, como eram umas pessoas mais de idade, o policial mandou eles deixarem para lá", contou.

Artesã e feminista

Dinah vestiu uma camiseta verde amarela com o rosto de Marielle Franco estampado no dia em que Bolsonaro venceu as eleições - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Dinah vestiu uma camiseta verde amarela com o rosto de Marielle Franco estampado no dia em que Bolsonaro venceu as eleições
Imagem: Arquivo pessoal
Militante feminista e contrária ao governo Bolsonaro, Dinah vive no bairro do Jaraguá, na zona oeste de São Paulo, e um residencial da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano). Lá desenvolve projetos sociais e está mobilizando os moradores para criar dois times de futebol para as crianças e adolescentes que vivem no local.

"É para estimular a educação deles. Fui criada em um orfanato e fui salva pela educação", conta. Pela educação, ela foi aos atos do dia 15 de maio e também está se programando para ir aos protestos contrários ao governo Bolsonaro marcados para o dia 30 de maio.

Ela conta que sabia dos atos marcados para o domingo passado, mas que mesmo assim não desistiu da ideia de vender suas calças de flanela na via. "Sabia que ia ter essa manifestação no domingo. Sou da Marcha Mundial das Mulheres [movimento feminista internacional presente em 20 estados brasileiros] e a gente está sempre em atividade, sempre antenado", contou.

A artesã disse inclusive que havia a possibilidade de ir para outra feira no mesmo dia, em Franco da Rocha, na Grande São Paulo, mas decidiu ficar na avenida Paulista, porque nela as vendas "viram" e as pessoas têm mais dinheiro para gastar.

"Na Paulista costuma virar mais [as vendas], é mais tranquilo e o poder aquisitivo das pessoas é maior. Então não fiquei com medo [de ir para a Paulista]", disse.

Protestos a favor do governo marcaram o fim de semana

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