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Órgãos federais negam acesso a 323 documentos considerados públicos

Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Imagem: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

04/06/2019 04h02

Resumo da notícia

  • Documentos que constam em sites do governo como liberados para consulta têm acesso negado
  • Prática contraria o modelo da Lei de Acesso à Informação, que segue a classificação de papéis
  • Controladoria-Geral da União defende "máxima divulgação" e afirma que "exceções são criteriosas"

Órgãos do governo federal negaram acesso ao conteúdo de pelo menos 323 documentos que são considerados públicos. São todos papéis que perderam o sigilo, de acordo com a Lei de Acesso à Informação (LAI). O levantamento foi feito nos últimos cinco meses pelo Projeto Sem Sigilo, coordenado pela agência Fiquem Sabendo e do qual profissionais do UOL também fazem parte, que reúne pesquisadores, advogados e jornalistas.

O projeto levantou resultados de treze órgãos federais, solicitando milhares de documentos "desclassificados", ou liberados para acesso. Quase a metade dos documentos pedidos permaneceram em sigilo: foram 769 solicitações, das quais 323 rejeitadas.

Houve ainda órgãos que alegaram excesso de trabalho para publicar os papéis, e fizeram sugestões ao método de pedido para informações -- estes casos foram ignorados na contagem.

Marinha é o órgão que mais coloca documentos em segredo

Segundo dados da Controladoria Geral da União (CGU), os órgãos federais colocaram em sigilo 73.281 documentos apenas entre junho de 2017 e junho de 2018. A maior parte pela Marinha, que protegeu nada menos que 70.035 papéis. Em segundo lugar, ficou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), com 910 informações.

Os pesquisadores do projeto solicitaram acesso a 16 mil documentos da Marinha. O comando militar pediu que fossem feitas apenas 15 solicitações por mês. Ou seja, para a sociedade conhecer todos os documentos, seriam necessários 88 anos.

O comando militar disse ao UOL que "as informações que constam no site da Marinha do Brasil como 'desclassificadas' servem apenas como parâmetro para que o cidadão possa identificar o documento que necessita e solicitá-lo à Organização Militar responsável pelo seu tratamento e custódia". No entanto, negou restrição de acesso e disse que basta às pessoas irem pessoalmente às unidades da Força.

Raio-X dos pedidos

- Excluindo-se Marinha e GSI, que alegaram excesso de trabalho, projeto solicitou cópia de 769 documentos, mas 323 foram negados
- Ao todo, foram 16.899 solicitações, sendo 97% negadas

Órgãos consultados:
- Itamaraty: 87 documentos, todos negados
- Abin: 175 documentos, todos negados
- GSI: 130 documentos, todos negados
- Marinha: 16 mil documentos, todos negados
- Ministério da Ciência e Tecnologia: 50 documentos, 48 negados
- CGU: 12 documentos, 8 negados e 4 liberados
- AGU: 7 documentos, sendo 2 negados, 1 liberado parcialmente e 4 liberados
- Banco Central: 29 documentos pedidos, 2 negados
- Ministério da Defesa: 401 documentos pedidos, só 1 negado
- Ministério das Minas e Energia: 4 documentos desclassificados; todos liberados
- Ministério da Indústria e Comércio (extinto): 2 documentos, todos liberados
- Ministério da Infraestrutura: 1 único documento; liberado
- Secretaria de Governo: 1 único documento; liberado

Fonte: Projeto Sem Sigilo

Itamaraty sequer localizou papeis

Pela Lei de Acesso à Informação, os órgãos devem informar em seu sites quais documentos estão colocando em sigilo, revelando apenas um resumo do tema tratado e o número de identificação. São os chamados papéis "classificados" como reservados, secretos ou ultrassecretos, cujo segredo varia de cinco a 50 anos. Quando esse prazo termina, os documentos são "desclassificados", ou seja, liberados ao público.

Isso não vem ocorrendo, e não é exclusividade do governo Bolsonaro. Já aconteceu no governo de Michel Temer (MDB). Em setembro de 2017, a CGU, comandada pelo ministro Wagner Rosário, deu razão à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e ao GSI para negar papéis já desclassificados. A assessoria do GSI disse ao UOL que documentos estão liberados à sociedade, "exceto as impossibilidades previstas na Lei".

O Itamaraty, por exemplo, disse aos pesquisadores do Projeto Sem Sigilo que os documentos não podiam ser localizados e entregues. A justificativa foi que apenas o número informado no próprio site do Ministério das Relações Exteriores não permitiria encontrá-los. A pasta não prestou esclarecimentos à reportagem.

"Exceções são criteriosas", diz CGU

A CGU diz que a regra é a publicidade e que procura "garantir" a "máxima divulgação" dos papéis, embora haja exceções. "A CGU, como órgão garantidor da Lei de Acesso à Informação, observa o princípio da máxima divulgação quando da análise dos pedidos, inclusive nas instâncias recursais", informou ao UOL, em nota. "Portanto, as exceções a esse direito são criteriosas e muito bem fundamentadas."

A Advocacia Geral da União (AGU) acrescentou que "informações pessoais" devem ficar 100 anos em segredo.

Em fevereiro, o Congresso derrubou decreto do governo que tentou simplificar o sigilo de documentos, ampliando o número de pessoas capazes de classificar papeis como reservados.

"Colocar em sigilo informações que não deveriam estar traz grandes problemas à sociedade", afirma Maria Vitória Ramos, coordenadora do Projeto Sem Sigilo. Relatório da ONG Artigo 19 sobre o tema afirma que "o sigilo está longe de ser exceção no Brasil".

O Projeto Sem Sigilo é coordenado pela agência sem fins lucrativos Fiquem Sabendo. Reúne 16 voluntários, entre pesquisadores de universidades, advogados e jornalistas de vários veículos de comunicação, inclusive do UOL. A pesquisa continua em andamento.