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Risco de mais violência com decretos de armas é "especulação", diz AGU

Mendonça: "Se você morar numa zona rural, vai ter o sentimento de maior segurança" - Isac Nóbrega/PR
Mendonça: "Se você morar numa zona rural, vai ter o sentimento de maior segurança" Imagem: Isac Nóbrega/PR

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

08/07/2019 04h00Atualizada em 08/07/2019 12h01

O ministro-chefe da Advocacia Geral da União (AGU), André Luiz de Almeida Mendonça, considera "especulação" a possibilidade de os novos decretos sobre armas piorarem a segurança pública no país. Em entrevista ao UOL, ele admitiu que se trata de um "tema complexo" e "com várias visões", mas defendeu as mudanças nas regras para porte e posse de armamentos feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) sem análise do Congresso.

Segundo Mendonça, pesquisas indicariam que a segurança pública melhora com mais acesso a armas, embora isso precisasse ser testado no país.

"Há vários estudos no sentido de que se melhora", afirmou ele, em conversa com a reportagem na semana passada. "No Brasil, nós não temos esse histórico. Precisaria esperar um tempo, dois ou três anos, para fazer uma avaliação melhor sobre isso."

O ministro disse ainda que as novas regras foram elaboradas depois que o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o procurou no final do dia 24 de junho informando sobre um possível acordo com o Congresso sobre o tema.

No dia seguinte, por volta das 14h, a dupla se reuniu com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. Convenceram-no a adiar o julgamento do STF que analisaria a suposta ilegalidade dos decretos.

No mesmo dia 25, Bolsonaro anulou o decreto que estava em vigor sobre o tema desde maio. Na mesma edição extra do Diário Oficial, o presidente baixou mais três regras sobre armas e anunciou que enviaria um projeto de lei ao Congresso também. Mas, horas depois, anulou um desses decretos que havia acabado de publicar.

Em seis meses, foram sete regras e a promessa de um projeto de lei. Veja os principais trechos da entrevista concedida pelo ministro ao UOL.

UOL - O Instituto Sou da Paz e os partidos da oposição consideram isso uma "burla": o governo anulou decretos sobre armas, criou mais três e indica que vai enviar um projeto de lei sobre o tema... O que isso significa?
André Luís Mendonça -
Havia um decreto em vigor até há pouco. Esse decreto, na nossa visão, já buscava o enquadramento de alguns questionamentos de possíveis inconstitucionalidades. Houve o decreto lá em janeiro. Houve as ações diretas de inconstitucionalidades... O próprio presidente da República disse: "Se há inconstitucionalidades, nós vamos rever". Ele faz uma declaração similar a essa.

 Ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, fala na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados sobre o decreto que flexibiliza o porte de armas - Pablo Valadares/Câmara dos Deputados - 18.jun.2019 - Pablo Valadares/Câmara dos Deputados - 18.jun.2019
Ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, fala na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados sobre o decreto que flexibiliza o porte de armas
Imagem: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados - 18.jun.2019
A AGU analisa os questionamentos que havia junto com a Casa Civil. Editamos o segundo decreto, que é esse de 20 e pouco de maio, que, no nosso entender supria os questionamentos. Estávamos seguros para fazer essa defesa no Supremo.

Mas a Casa Civil nos procura na segunda-feira [24 de junho] no fim do dia, dizendo que havia uma composição em andamento com o Congresso que levaria a uma pacificação no tema, pelo menos entre Executivo e Legislativo.

É legal um governo baixar tantos decretos em seis meses?
Legal é. Por que seria ilegal?

Pode ser interpretado como uma forma de postergar o mesmo conteúdo antevendo uma derrota no Congresso e no Supremo.
Não. Sendo muito franco, eu tinha total segurança da constitucionalidade daquilo que nós estávamos defendendo. Pelo presidente da República, o decreto [decretos anteriores, de maio] seria mantido.

Mas, ao mesmo tempo, ele falou: "Se o Congresso está querendo dialogar nesse sentido, de construção, não sou eu que vou inviabilizar isso. Mas eu mantenho as minhas convicções do que eu coloquei no decreto". Foi no sentido de buscar uma construção que incluísse uma participação maior do Legislativo.

Qual o resultado que essas regras sobre armas vão trazer para a segurança pública?
Isso não é uma questão específica de segurança pública. É uma questão de se garantir ao cidadão que preenche os requisitos - que são muito mais rigorosos do que os que existem nos EUA...

É uma questão de se garantir o direito individual de legítima defesa e de possuir bens.

Esse direito individual traz reflexos para a segurança pública?
Para quem está numa situação de risco ou de atividade de risco, certamente sim. Se você morar numa zona rural, onde o acesso à segurança pública não é tão simples, a pessoa vai ter o sentimento de maior segurança.

Então, vai melhorar a segurança pública para essas pessoas?
Vai melhorar a segurança individual delas, acima de tudo.

E a segurança pública vai melhorar ou vai piorar como reflexo desse direito individual?
Há vários estudos no sentido de que se melhora. No Brasil, nós não temos esse histórico para poder fazer uma avaliação. Precisaria esperar um tempo, dois ou três anos, para fazer uma avaliação melhor sobre isso.

Com milhares de vereadores armados [o decreto libera uso de armas para vereadores], a segurança pública vai melhorar ou tem risco de também piorar junto?
Qualquer resposta nesse sentido é meramente especulativa.
[nota da redação: na eleição de 2016, havia 57.949 vagas para vereadores em todo o país]

Há concessões de armas que podem ser revistas? Por exemplo, os vereadores...
É uma questão discricionária [a critério do funcionário público ou do político], não uma questão constitucional. Pode ser revista sempre.

O limite de munição, que era de 50, passou para 5 mil, para cada uma das quatro armas, sem marcação e rastreabilidade, tirando do lojista a obrigação de informar o CPF do comprador. Isso pode ser revisto?
Tudo isso pode ser trabalhado. É uma questão de discricionariedade. Por isso que envolver o Congresso tem justamente a finalidade de ampliar ou inserir o Legislativo nesse debate. Por isso que é salutar.

A AGU foi ouvida na edição dos primeiros decretos, em janeiro e maio?
A AGU foi ouvida, através das suas consultorias que estão nos ministérios da Defesa e da Justiça. Foram feitas várias reuniões. Os colegas da AGU participaram de todas as reuniões de todos os decretos. [Reportagem do jornal O Estado de S.Paulo informa que Defesa e Justiça não foram consultados na definição das últimas regras].

A AGU teve mais de 48 horas para dar um parecer antes de publicarem os decretos?
Houve várias reuniões que culminaram naquilo. A análise pode ser feita num prazo muito menor.

Então houve análises de menos de 48 horas?
Na AGU, temos "n" [inúmeras] situações em que a análise é feita com menos de 48 horas.

É o caso desta?
Pode ter sido. Mas a construção foi objeto de várias reuniões durante dias.

Se o sr. diz que o debate com o Congresso é "salutar", se houve várias reuniões, por que o método foi decreto, e não projeto de lei? Por que o Congresso tem que discutir só depois que está pronto?
Não é que o Congresso tem que discutir. Ele pode. O Congresso pode fazer legislação. Hoje o decreto foi feito respeitando os limites da lei [Estatuto do Desarmamento]. Ele [o Congresso] não é necessário em todas as circunstâncias ou em todos os limites.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que informou o 26º parárafo de versão anterior desta matéria, o Brasil não tem 20 milhões de vereadores, mas sim 57.949, de acordo com o TSE. A informação foi corrigida.