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É "absurdo" achar que Eduardo terá atenção especial dos EUA, diz Ricupero

Rubens Ricupero, 82, foi embaixador nos EUA na década de 1990 - Lucas Lima/UOL
Rubens Ricupero, 82, foi embaixador nos EUA na década de 1990 Imagem: Lucas Lima/UOL

Guilherme Mazieiro

Do UOL, em Brasília

18/07/2019 12h40Atualizada em 18/07/2019 14h00

O ex-embaixador brasileiro e historiador Rubens Ricupero considera um "absurdo" o argumento do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de que Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) teria um tratamento diferenciado nos Estados Unidos e receberia concessões em negociações como embaixador por ser seu filho. Em entrevista ao UOL por e-mail, o diplomata criticou a intenção do presidente em indicar o filho para uma função de Estado.

Desde que cogitou indicar o filho ao posto, Bolsonaro tem dito que Eduardo teria um tratamento diferenciado junto ao presidente americano Donald Trump por ser seu filho. Esse seria um atributo a mais, além da capacidade de falar inglês e espanhol, ter feito intercâmbio e fritado hambúrguer nos EUA, como exaltou o próprio deputado federal.

"Imaginem que o [Maurício] Macri [presidente argentino] tenha um filho embaixador aqui. Uma ligação para mim, querendo falar comigo? Qual tratamento que eu dispensaria ao filho do Macri? Ou o filho do Marito [Mario Abdo Benítez, presidente do Paraguai]? Ou o filho do [presidente chileno Sebastián] Piñera? Ou filho do [presidente colombiano Iván] Duque? Logicamente é 'vem agora, que a gente conversa'. É diferente o tratamento quando você dá um filho para representar você em outra nação", declarou Bolsonaro na terça-feira (16), quando confirmou a intenção de nomear o filho e admitiu articular o nome junto ao Senado.

Para Ricupero, um embaixador tem o dever de representar a nação, o Estado e todos os cidadãos. "Não deve ser o representante de uma pessoa, de uma família, de uma seita, uma religião, um partido", mas deve representar todos.

"Num caso como esse [de o filho do presidente ser embaixador], um dos maiores perigos reside em que o embaixador termine por representar os interesses pessoais do pai, que podem não coincidir com os interesses do país", afirmou o diplomata, que foi embaixador no país norte-americano no início da década de 90.

Para mostrar como é absurdo o argumento, basta pensar que se ele fosse correto, todos os governos obviamente enviariam como embaixadores os filhos dos presidentes ou monarcas
Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil nos EUA

Ricupero defende que um embaixador deve ter qualificação pessoal, experiência, maturidade de julgamento e capacidade de defender os interesses do país junto ao governo dos EUA. Ele considera que o cargo deve ser institucional e impessoal.

Bolsonaro diz que embaixador filho de presidente tem atenção especial

UOL Notícias

Interesse dos EUA ficariam em primeiro lugar

Ricupero observa que, independentemente de quem sejam os embaixadores de um país, o governo local sempre negocia de acordo com os próprios interesses.

Para ele, um embaixador específico, como um filho de presidente, pode até ser recebido com mais atenção, mas não terá qualquer tipo de concessão por ser quem é.

"Não se deve confundir cortesia com disposição de fazer concessões excessivas. Se o filho de Macri viesse ao Brasil como embaixador, seria natural que recebesse amabilidades devidas a sua família. Isso não quer dizer que o governo brasileiro lhe faria concessões políticas ou econômicas que não correspondessem ao interesse nacional", afirmou.

"Os norte-americanos, da mesma forma que todas as grandes potências, consideram sempre seu próprio interesse em primeiro lugar. Isso é ainda mais verdadeiro com Donald Trump, cujo lema, como se sabe, consiste em America First [América em Primeiro Lugar, em tradução livre]."

Eduardo Bolsonaro participa do encontro entre seu pai, Jair Bolsonaro, e o presidente dos EUA, Donald Trump - Isac Nóbrega/PR - Isac Nóbrega/PR
Eduardo (e) já participou de encontro do pai com o presidente Donald Trump
Imagem: Isac Nóbrega/PR

Alinhamento com Trump é um problema, diz Ricupero

Entre seus argumentos para indicar o filho, Bolsonaro destaca sempre o alinhamento político de Eduardo com Trump. Para Ricupero, isso, na verdade, é um problema para o Brasil.

"Outro problema sério reside na circunstância de ser um admirador irrestrito e acrítico dos EUA e sobretudo de Trump", disse o diplomata.

O maior pecado de um embaixador consiste em se identificar tanto com um governo estrangeiro que acaba por esquecer que está lá para defender os interesses de seu país
Rubens Ricupero

Eduardo usa boné de apoio à reeleição de Trump durante visita aos EUA, em novembro de 2018 - Paola De Orte/Agência Brasil - Paola De Orte/Agência Brasil
Eduardo usa boné de apoio à reeleição de Trump durante visita aos EUA, em novembro de 2018
Imagem: Paola De Orte/Agência Brasil
Para o ex-embaixador brasileiro, se não houver respeito mútuo entre o embaixador e o país em que ele está baseado, o representante brasileiro pode ser converter em um "agente do governo estrangeiro".

"Um dos graves inconvenientes de Eduardo Bolsonaro consiste no fato de que ele dirige na América do Sul o movimento de extrema-direita de Steve Bannon, uma seita de extremistas que os americanos chamam de lunatic fringe. Como poderia ele representar todos os brasileiros se já é o representante de uma seita?", questionou ao fazer referência a um dos principais estrategistas de Trump, com quem Eduardo já se encontrou diversas vezes.

O ex-embaixador afirmou que a prática de nomear filhos para embaixadas praticamente "jamais acontece", a não ser com reis árabes absolutistas "ou então de parte dos mais degenerados tiranos como a América Latina conheceu no passado, gente como Anastasio Somoza, na Nicarágua, Fulgencio Baptista, em Cuba ou Rafael Trujillo, em São Domingos".

Para ser aceito diplomata, Eduardo deverá ser sabatinado e aprovado em uma comissão e no plenário do Senado. A carta de apresentação dele ao governo norte-americano já está pronta, mas ainda não foi enviada.