Interferência de Bolsonaro pode desacreditar PF, diz liderança de delegados
A indicação do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de que poderia interferir na escolha do chefe da Polícia Federal (PF) no Rio de Janeiro provocou críticas de que o precedente representaria uma ameaça de interferência externa no trabalho da polícia.
O presidente da ADPF (Associação Nacional de Delegados de Polícia Federal), Edvandir Felix de Paiva, afirma que a influência do presidente deve se limitar à escolha do diretor-geral da PF, cargo máximo da instituição, e cabe ao diretor-geral ter liberdade para compor sua equipe.
Segundo Paiva, esse é um pressuposto para que a PF mantenha a autonomia de seu trabalho e não esteja sob a suspeita de interferência política nas investigações.
"Nós entendemos que a Presidência da República é a autoridade máxima e é óbvio que ele tem um poder de comando muito grande, mas em relação a órgãos de Estado, há uma proteção que ele mesmo, como estadista, deve garantir, inclusive com o apoio da legislação, para que a Polícia Federal fique blindada de qualquer interferência externa", diz o dirigente da ADPF.
"O presidente, no máximo, deve nomear o diretor-geral, mas não deve descer aos cargos internos da Polícia Federal, sob pena de colocar a Polícia Federal em descrédito", afirma Paiva.
Na quinta-feira (15), Bolsonaro anunciou em uma entrevista que o comando da PF no Rio seria trocado. O presidente chegou a citar entre os motivos da substituição questões de "gestão e produtividade", mas foi rebatido por nota oficial da PF, que negou problemas de desempenho da chefia.
Hoje o superintendente da PF no Rio é o delegado federal Ricardo Saadi. O nome escolhido pelo diretor-geral da Policia Federal, Maurício Valeixo, para substituir Saadi no Rio é o do delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa, atual Superintendente Regional em Pernambuco.
A escolha de Valeixo para o cargo foi divulgada em nota oficial pela PF depois de Bolsonaro comentar a troca na superintendência do Rio.
Após a PF indicar publicamente o escolhido para o posto, Bolsonaro afirmou em nova entrevista, na sexta-feira (16), que o indicado seria o atual superintendente da PF no estado do Amazonas, Alexandre Silva Saraiva, e emendou sua declaração afirmando que "quem manda sou eu".
"Se ele [sem deixar claro quem] resolveu mudar, vai ter que falar comigo. Quem manda sou eu, vou deixar bem claro. Eu dou liberdade para os ministros todos, mas quem manda sou eu. Pelo que está pré-acertado, seria lá o [superintendente] de Manaus", disse o presidente na manhã da sexta ao deixar o Palácio da Alvorada.
Bolsonaro não deixou claro se fazia referência a Valeixo ou ao ministro da Justiça, Sergio Moro, a quem a PF é subordinada administrativamente.
Na mesma sexta-feira, o presidente amenizou o tom do discurso ao declarar que "tanto faz pra mim". "Eu sugeri o de Manaus, se vier o de Pernambuco não tem problema não", afirmou Bolsonaro.
Com o recuo do presidente, a Polícia Federal manteve a escolha do diretor-geral Maurício Valeixo para o cargo no Rio. A troca ainda não foi formalmente oficializada, mas a indicação do delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa está mantida.
A escolha de superintendentes, historicamente, é feita pelo diretor-geral da Polícia Federal, sem ingerência de ministros ou do próprio presidente. Por isso, as declarações Bolsonaro foram consideradas atípicas.
Na quinta-feira (15), a Polícia Federal informou que a saída do atual superintendente da PF no Rio já estava sendo planejada há alguns meses, por iniciativa do próprio delegado Ricardo Saadi.
"A Polícia Federal informa, em relação à substituição do Superintendente Regional no Estado do Rio de Janeiro, que a troca da autoridade máxima do órgão no estado já estava sendo planejada há alguns meses e o motivo da providência é o desejo manifestado, pelo próprio policial, de vir trabalhar em Brasília, não guardando qualquer relação com o desempenho do atual ocupante do cargo", disse a PF, em nota.
Caso Coaf
A troca no comando da PF no Rio ocorre no momento em que investigações pressionam o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente.
Esse caso não é apurado diretamente pela PF, mas há investigações que podem envolver os mesmos personagens, como o PM aposentado Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio.
Queiroz é pivô da investigação do Ministério Público do Rio que atingiu o senador após um relatório do Coaf (órgão de controle de atividades financeiras) ter apontado movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta do ex-assessor do filho do presidente
As transações ocorreram quando Queiroz era assessor de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro de 2016 a janeiro de 2017, quando Flávio exercia mandato de deputado estadual. A suspeita investigada pelo Ministério Público é se houve a prática da chamada "rachadinha", quando funcionários dos gabinetes devolvem parte dos salários aos deputados.
No decorrer das apurações, foi revelado que Queiroz empregou parentes de milicianos no gabinete. Flávio nega qualquer ligação dele ou da família Bolsonaro com a atividade das milícias.
As investigações contra Flávio Bolsonaro hoje estão suspensas por decisão do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli.
Ao decidir sobre um pedido da defesa do senador, Toffoli determinou a paralisação de investigações em todo o país que tenham utilizado dados detalhados enviados por autoridades fiscais sem autorização judicial para quebra de sigilo das informações.
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