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"Filme de terror" de Bolsonaro ameaça o acordo Mercosul-UE, diz Kátia Abreu

Senadora afirma que presidente estimulou queimadas e que pequeno grupo de dono de terras prejudica a imagem do país - Lucas Lima/Universa
Senadora afirma que presidente estimulou queimadas e que pequeno grupo de dono de terras prejudica a imagem do país
Imagem: Lucas Lima/Universa

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

29/08/2019 15h36

Para a senadora Kátia Abreu (PDT-TO), a postura que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) adotou nestes primeiros oito meses de governo sobre o meio ambiente foi um retrocesso para o país. "Retroagir nesse debate de 15 anos atrás é viver um filme de terror", afirma a ex-ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Ela avalia que o presidente estimulou o aumento das queimadas na Amazônia e deu munição aos adversários comerciais do Brasil. Em sua opinião, a crise atual ameaça a ratificação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia.

Candidata a vice-presidente na chapa de Ciro Gomes no ano passado, a parlamentar também foi presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e é uma ruralista que reformulou posições sobre a preservação ambiental.

Kátia Abreu passa esta semana na China, onde está com empresários brasileiros do setor varejista para conhecer tecnologias de comércio eletrônico. Veja os principais trechos da entrevista que ela concedeu por telefone.

Queimadas e desmatamento: a crise na Amazônia em números

UOL Notícias

UOL - Que responsabilidade o agronegócio tem em relação às queimadas na Amazônia?

Kátia Abreu - Tem toda [a responsabilidade], mas é preciso ficar muito claro que é uma minoria muito restrita [do setor]. De 90% a 95% dos produtores e da produção estão no Centro-Sul do país, a quilômetros da Amazônia.

Apenas meia dúzia de pessoas egoístas, que olham só para o seu umbigo, pessoas reacionárias, irresponsáveis e que não têm amor à pátria [praticam esse tipo de queimada]. Amor à pátria não é desmatar. Amor à pátria é cuidar dela, cuidar do desenvolvimento, do crescimento, do emprego, do equilíbrio e da imagem.

Um pequeno grupo de donos de terras age de forma precipitada, inconsequente e irresponsável e pode [fazer] naufragar o único segmento de sucesso no país, respeitado no mundo inteiro.

Jogaram às brasas a nossa imagem de sustentabilidade, que produz em uma área bem menor do que outros países produzem. Temos pesquisa e inovação da Embrapa, que nos ajuda a aumentar a produtividade sem desmate.

Jogaram às brasas, mas o agronegócio é uma fênix. Já superamos todos os planos econômicos desde a época da redemocratização. Quem pagou a conta de todos os planos de sucesso e de insucesso foi o agro. E não é dessa vez que não vamos ser a fênix e de novo ressurgir das cinzas.

A sra. descarta qualquer possibilidade de incêndios terem sido sabotagens praticadas por ONGs e fiscais do meio ambiente como foi insinuado nos últimos dias?

Cabe à Polícia Federal e ao Ministério Público investigar. Cabe a mim [considerar] o que eu ouvi e o que eu vi: os incentivos ao longo desses últimos oito meses ao que aconteceu agora. Não dou conta de falar quem fez e como fizeram. Não posso fazer ilações nem acusações sem provas. Agora que o Bolsonaro estimulou, estimulou.

O agronegócio brasileiro terá prejuízos no curto prazo?

Se o Bolsonaro não tiver uma atitude muito clara para o mundo, com uma imagem de proteção ambiental, isso tudo pode se transformar no que muitos inimigos comerciais do Brasil querem. É tudo que eles precisam para retaliar o país.

O presidente está dando argumentos aos adversários comerciais do Brasil a encontrar situações para nos prejudicar no mercado internacional. Ele não vê isso. Mais forte do que tudo é o comércio, são os interesses econômicos e financeiros.

O Bolsonaro pode dizer que é exagero, que as ONGs puseram fogo, pode dizer o que ele quiser. Se o Bolsonaro continua com esse discurso, ele está dando margem para evitar, por exemplo, o acordo do Mercosul com a União Europeia. Se isso não impedir que esse acordo aconteça, [se não houver] um rompimento definitivo, no mínimo um atraso de cinco, seis anos poderá acontecer.

Fumaça de incêndios na Amazônia pode ser vista do espaço - NASA - NASA
Fumaça de incêndios na Amazônia pode ser vista do espaço
Imagem: NASA

Como a sra. avalia o comportamento do governo diante da repercussão internacional das queimadas na Amazônia?

O governo parece que tem tentado recuar, mas ele tem muita dificuldade em recuo. Até o recuo é um pouco destrambelhado, um recuo mal feito.

O agronegócio assustou-se, não imaginou e não esperava a repercussão no mundo e viu que poderia ter prejuízos. O órgão mais sensível do corpo humano é o bolso. [Os produtores] trabalharam para o recuo do governo. Poderia ter sido um recuo melhor, mais formal, com mais humildade. Isso não seria humilhação nem demérito para ninguém. Muito ao contrário. É um sinal de grandeza.

[O governo brasileiro] Fica ainda batendo boca com o presidente de outros países. O problema não é deles, o problema é nosso. Nós é que temos que resolver esse problema. Esquece o que fulano está falando. Vamos fazer o nosso dever de casa. Se a gente se comportar de maneira civilizada, tudo dá certo.

Não precisa bajular ninguém nem sucumbir a ninguém. Apenas tomar uma atitude civilizatória. A questão ambiental é uma bandeira da humanidade. Há muito tempo não é mais uma bandeira de esquerda, direita ou centro.

As declarações do presidente da França, Emmanuel Macron, sobre a possibilidade de uma gerência internacional da Amazônia dão munição a Bolsonaro e ajudam o governo a reafirmar as posições anteriores?

O Bolsonaro foi muito agressivo com o Macron, mas o Macron também está passando um pouco do limite. Tem outros instrumentos mais apropriados para uma retaliação do que ameaçar a soberania do país na Amazônia. Isso não é um comportamento de estadista.

Ele pode retaliar de outras formas. Retaliar do ponto de vista comercial é um direito e uma prerrogativa dele.

Quais são os erros do governo Bolsonaro em relação ao meio ambiente e à Amazônia?

São todos. A verbalização, a verborreia com relação a esse assunto, a truculência, o exagero, o desequilíbrio, como se a gente tivesse lutando contra o meio ambiente. O pior de tudo é que um debate desses me reporta a 15 anos atrás, quando eu tinha esse discurso. Há 15 anos, todos [os produtores] tínhamos esse discurso. Alguns se calaram, outros evoluíram, outros aceitaram como uma recomendação da ciência.

Retroagir nesse debate de 15 anos atrás é viver um filme de terror para mim. Sofri demais com esse debate. Ter que discutir isso de novo é o fim da picada.

Kátia Abreu - Waldemir Barreto/Agência Senado - Waldemir Barreto/Agência Senado
Kátia Abreu foi ministra no governo Dilma Rousseff (PT) e candidata a vice-presidente na chapa de Ciro Gomes
Imagem: Waldemir Barreto/Agência Senado

A sra. vê um retrocesso?

Total. Volta ao túnel do tempo. Entrei na máquina e voltei. Não acredito que estou debatendo isso. Pensei que isso estivesse literalmente superado.

Você tem todo o direito de ter uma fazenda na Amazônia e desmatar 20% da área. Tem que deixar 80% em pé. Se não concorda com a lei, tem duas opções: lutar no Congresso com seus parlamentares para mudar a lei ou arruma suas malas, vende a fazenda e vai para outro lugar. Você tem opções.

Agora tentar destruir o país por causa de meia dúzia de hectares que a lei não permite desmatar, aproveitando meia dúzia de palavras do presidente para fazer o que fizeram? Tem dó. É uma irresponsabilidade total.

A sra. mudou de opinião sobre a preservação ambiental nos últimos anos e outros também mudaram. A sra. acha que o presidente Bolsonaro pode mudar de opinião?

A gente tem duas opções na vida em qualquer circunstância: ou você mudar pela dor ou pelo amor.

Basta querer escolher de forma inteligente ou continuar um reacionário, preconceituoso, burro, ignorante e ir pela dor sempre. Eu procuro o caminho pelo amor, pela ciência, a tecnologia, discutindo, debatendo.

É isso que faz com que o mundo caminhe para a civilização. Um retrocesso civilizatório é inadmissível.

O que deve ser feito para o país recuperar a imagem no exterior?

No primeiro momento, tem que ter uma penalização sumária [dos responsáveis], de acordo com a lei. Existem penalidades duríssimas com relação a isso [às queimadas]. Se foi uma ação premeditada e calculada para esse fim, é um crime de banditismo, de formação de quadrilha.

Temos as queimadas acidentais e as provocadas com a intenção de formar um pasto, por exemplo. Agora, se foi uma indução criminosa para ter uma ação contra as ONGs e a legalidade do país, merece uma punição muito maior. Sem dó nem piedade.

Isso não se faz. Eles foram inconsequentes. O reacionarismo e a passionalidade cegaram essas pessoas e deram vazão a essa truculência. Não estou preocupada só com a opinião pública internacional, estou preocupada com a opinião dos brasileiros, que têm um amor especial pela Amazônia.

Estou preocupada com a Amazônia, que gera chuvas no país. Aprendi isso em 2009 com a Embrapa e desde então a gente [o agronegócio brasileiro] vem mudando de atitude e melhorando a nossa performance.

O governo assinou na quarta-feira um decreto que proíbe queimadas no país por 60 dias.

O governo rejeitou os recursos da Alemanha e da Noruega para o Fundo Amazônia. Como o governo deveria ter lidado com esse fundo?

O que é o essencial é que todo esse ativo ambiental tenha valor no mercado internacional. O Fundo Amazônia era um símbolo disso, de aumentar a captação.

Se sou presidente da República, eu ia pegar esse fundo, colocar a Noruega no braço direito, a Alemanha no braço esquerdo e ia rodar o mundo. "Vamos embora, gente, mais recursos para esse fundo". Porque temos que indenizar os produtores que não podem desmatar e que estão vigiando a floresta.

Ao destruir o Fundo Amazônia, ele [Bolsonaro] perdeu o discurso de buscar recursos para a compensação ambiental. Ele jogou no lixo o ativo que temos.

Não significa que não pode começar tudo de novo, mas [o governo] perdeu uma grande chance de aumentar esses recursos, de forma prática, objetiva e com resultado.

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.