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De comunista a adversário de João Doria: a trajetória de Alberto Goldman

5.nov.2018 - O ex-governador de São Paulo Alberto Goldman (PSDB), em sua casa, em Higienópolis, região central de São Paulo - Jorge Araújo/Folhapress
5.nov.2018 - O ex-governador de São Paulo Alberto Goldman (PSDB), em sua casa, em Higienópolis, região central de São Paulo Imagem: Jorge Araújo/Folhapress

Do UOL, em São Paulo*

01/09/2019 22h13

Falecido neste domingo aos 81 anos, o ex-governador de São Paulo Alberto Goldman começou sua trajetória militando nas fileiras do comunismo e a encerrou sendo um dos mais ríspidos adversários do atual do ocupante do Palácio dos Bandeirantes, João Doria, dentro do seu próprio partido, o PSDB.

Doria, que em certo vídeo chamou Goldman de improdutivo e fracassado, determinou luto oficial por três dias.

O velório será realizado amanhã, das 8 às 14h, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, na zona sul da capital paulista. O enterro está marcado para as 15h no Cemitério Israelita do Butantã, na zona oeste.

Filho de um alfaiate polonês

Nascido em 12 de outubro de 1937, em São Paulo, filho de Dora, uma dona de casa, e de um alfaiate polonês, Wolf Goldman. Seu avô paterno tinha uma pequena loja de tecidos em uma cidade da região de Lublin, no interior da Polônia - recentemente, ele viajara ao país e tentara encontrar os antigos jazigos da famílias, mas o cemitério havia sido destruído e nada sobrara da memória dos Goldman no lugar. Nem uma lápide.

"Impressionante. Os nazistas levaram os vivos e os mortos também."

Goldman era engenheiro formado pela Escola Politécnica, foi deputado estadual por dois mandatos (1971-1978), deputado federal por seis mandatos (1979-1986 e 1991-2006), Ministro dos Transportes (Governo Itamar Franco), secretário de Estado, vice-governador e governador de São Paulo.

Alberto Goldman deixa esposa, cinco filhos e quatro netos.

No Brasil, seu pai começou a trabalhar como alfaiate e, depois, com o irmão montou uma confecção de roupas masculina. Moravam no Bom Retiro, no centro de São Paulo, bairro que então concentrava a população judaica de São Paulo.

terceiro goldman - Reprodução - Reprodução
Alberto Goldman tomou posse como governador de São Paulo em 2010
Imagem: Reprodução

Engenharia levou ao PCB

Alberto Goldman cursou a Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo, onde se formou engenheiro civil. Ali começou a militância política. "No primeiro ano da Poli me filiei ao partido. A base era grande." Era 1955.

O partido era o Partido Comunista Brasileiro, o PCB. "Minha mãe havia sido militante do partido comunista na Polônia. E meu pai não era propriamente militante, mas era próximo."

O menino conviveu com discussões em casa, durante a guerra, sobre os acontecimentos no mundo. "Fui me aproximando dessa posição."

Participou do movimento estudantil. Quando deixou a faculdade não se vinculou a nenhuma outra base do partido, mas permaneceu ligado ao grupo da comunidade judaica do Bom Retiro ao lado de militantes como Max Altman e Jacob Wolfenson. "Era um pessoal muito bem formado." Trabalhava então em uma empresa de engenharia que ele abriu depois de sair da faculdade.

Ligou-se aos Comitês Municipal e estadual do partido, uma militância clandestina. "Participava das reuniões e discussões." Tinha já três filhos quando, em 1969, após o Ato Institucional-5 (AI-5) , foi procurado em seu escritório de engenharia pelo dirigentes do partido Moacir Longo e Hércules Correa dos Reis, ambos cassados pelo regime. "Em nome do comitê estadual, eles me comunicaram que o partido queria que eu fosse candidato a deputado estadual." Os militares haviam acabado de cassar em 1968 o deputado estadual Fernando Perrone (MDB), que era o homem do partido na Assembleia Legislativa.

"Resisti durante meses. Não queria entrar nisso. Era uma loucura, pois era a pior época para isso (entrar na política)." Quando decidiu ser candidato, teve de enfrentar a oposição do pai. "Meu pai fazia campanha contra mim, achando que eu havia enlouquecido. E acho que ele tinha razão", lembrava décadas depois. Era o começo de uma carreira que não teria mais fim. "Tento, tento e não consigo deixar a política", dizia o ex-governador.

Goldman só aceitou se candidatar porque acreditava que não seria eleito. "Mais do que isso. Eu não acreditava que seria registrado no tribunal eleitoral." Quando o desembargador Adriano Marrey recebeu o processo para decidir pelo registro da candidatura, disse: "Tem aqui uma série de informações do Dops, mas para mim informações do Dops não valem nada."

Goldman Segunda Foto - Sérgio Tomisaki/Folhapress - Sérgio Tomisaki/Folhapress
Alberto Goldman (centro) foi secretário do governo Orestes Quercia (à esquerda)
Imagem: Sérgio Tomisaki/Folhapress

Eleição como deputado

Depois do registro da candidatura, o engenheiro teve de enfrentar a campanha. Goldman lembrava que então a repressão contra o partido não era forte. Mesmo assim, durante a campanha, teve os passos vigiados pela polícia política. "Onde eu ia eles me acompanhavam." Fazia comícios na porta de fábricas, com um caixote e um megafone para discursar contra o governo. Usava um Fusca para se deslocar. Elegeu-se em 1970 pelo MDB com o apoio do partido. Recebeu 17.226 votos.

"Fui eleito pelo trabalho do partido. O partido tinha bases em vários lugares, como entre os ferroviários, na Lapa, na zona norte e na Vila Formosa. E no estado, na área da Sorocabana e em Santos. E nas associações de amigos de bairro e em sindicatos, como o dos metalúrgicos e da construção civil." Foi o oitavo mais votado em sua legenda, o MDB.

Depois de eleito, passou a manter encontros com integrantes do Comitê Central em casa e em restaurantes. Os contatos eram esparsos. "Comecei a fazer os discursos que tinha de fazer e meus colegas achavam que eu ia ser cassado." Com o tempo a repressão se abateu sobre a estrutura do partido, que buscava uma política de frente democrática contra a ditadura militar.

Após as primeiras prisões em 1972, Goldman pensou que seria logo preso. Aproveitou um convite do Departamento de Estado americano para acompanhar as eleições presidenciais entre o republicano Richard Nixon e o democrata George McGovern para ficar 20 dias fora do país. "Quando voltei estava mais calmo." Era o início da ação da repressão contra o partido. "Por algum fator que não sei explicar, nunca fui cassado".

Atravessou a década de 1970 com certeza que continua sob vigilância. Foi avisado por Ivahir Rodrigues Garcia, delegado de polícia e deputado estadual, que tinha os passos controlados. "Sou teu colega aqui. Você tem duas funcionárias aqui, uma delas é agente do Dops.", disse o delegado. Goldman nunca manteve nada arquivado, Mantinha nomes e endereços na memória. "Sabia que era vigiado e que a qualquer momento podia ser apanhado."

Em 1974, é reeleito deputado estadual com 75 mil votos. Tornara-se o segundo mais votado do estado em meio avalanche de votos dada ao MDB. "Fazia palestras em universidades. Passei a ser uma referência de oposição ao regime. Sempre procurei fazer meus discurso, muito duros, mas nunca ultrapassando uma linha e evitando as agressões pessoais."

Líder do MDB

Tornou-se líder da bancada do MDB, que tinha então dois terços da Assembleia Legislativa paulista. "Eu podia aprovar o que quisesse e derrubar o que quisesse." Conviveu com o governador Paulo Egídio Martins (Arena), que lhe mandava os projetos antes, iniciando uma relação que se transformaria em amizade pessoal.

Em 1975, após a prisão e morte do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do Destacamento de Operações de Informações (DOI), do 2.º Exército, o governador Paulo Egídio chamou a bancada do MDB ao palácio dos Bandeirantes para um encontro com o presidente Ernesto Geisel. Disse então para o Geisel: "Presidente, estão matando gente em São Paulo." Geisel ouviu o relato de Goldman, com a bancada do MDB em torno dos dois. "Eu sei", disse.

Meses depois, após mais uma morte no DOI - a do operário Manoel Fiel Filho - o presidente removeria do comando do 2.º Exército o general Ednardo D'Ávila Mello. Para acalmar a linha dura, cassaria dois deputados comunistas - Nelson Fabiano e Marcelo Gatto. "Na hora que sabia de uma informação de uma prisão, ia para os jornais denunciar. Era a forma de anunciar que a pessoa havia sido presa para preservar a vida dele." Foi assim com o dirigente comunista Marco Antônio Tavares Coelho, preso no Rio e trazido para São Paulo. "Isso preservava a vida das pessoas."

Em 1977, propôs a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a invasão da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, invadida pela polícia de São Paulo para impedir um congresso estudantil. Presidiu a comissão que interrogou o então secretário da Segurança, o coronel Erasmo Dias. Ia então para Buenos Aires para encontrar com integrantes da direção do partido no exílio. Em 1978, elegeu-se deputado federal. Elegeu-se com 102 mil votos e seria reeleito em 1982 pelo MDB.

Em 1986, após a legalização do PCB em 1985, torna-se líder do partido na Câmara dos Deputados e integrante do Comitê Central do partido. Candidata-se pelo partido e, pela primeira e última vez não é reeleito. "Meu voto era muito PMDB. E na lei de então prevalecia o nome do partido."

Se torna secretário de coordenação de programas do governo de Orestes Quércia (PMDB) em 1987 e, em seguida, deixa o PCB e retorna ao PMDB. Depois seria secretário de administração. Em 1990, apoia a candidatura de Luiz Antonio Fleury Filho ao governo do estado. "Foi uma invenção nossa. Uma infeliz invenção." No quercismo, o ex-governador permaneceria até 1996. Ingressou então com outros emedebistas no PSDB.

Em 1990, voltou a se candidatar e a ser eleito deputado federal. No governo Itamar Franco (1992-1995), tornou-se ministro dos Transportes. Como tucano, elegeu-se deputado ainda em 1998 e 2002.

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O ex-governador Alberto e o atual senador José Serra, em imagem de 2010
Imagem: Reprodução

Governador de São Paulo

Em 2006, elegeu-se vice-governador na chapa de José Serra (PSDB), assumindo o governo do Estado em 2010 após a renúncia do colega, que se candidatou à presidência.

Prestes a assumir o governo do estado, Goldman disse contar nos dedos de uma mão os amigos que tinha após 40 anos de vida pública. "A-mi-gos. Inimigos, tenho aos montes", afirmou à Folha de S. Paulo em 2010.

"Quando saí do governo em 2011, decidi pagar minhas dívidas com os filhos e netos. Nesses 40 anos de política não os vi crescerem. Um dos meus filhos é traumatizado com a política. Não deixava meus netos falarem em política." O menino assistia à televisão nos anos 1970 e ouviu o nome do pai. Era um militar que o acusava Goldman de subversão. "Meu filho me perguntou: 'Pai, você é comunista?' Hoje ele tem 50 anos. Ficou traumatizado."

Levava os netos ao cinema. Tornou-se vice-presidente do PSDB e um dos principais adversários do atual governador João Doria, que lutou pela sua expulsão do partido. Bem-humorado, gostava de fustigar o adversário.

Entre novembro e dezembro de 2017, foi presidente interino do PSDB após Aécio Neves ser afastado da função por ter seu nome envolvido em delações da JBS.

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Abril de 2014: Alberto Goldman, ex-governador de São Paulo, e o atual deputado federal Aécio Neves
Imagem: Joel Rodrigues 22.abr.2014/Folhapress

Embates com Doria

Goldman passou a protagonizar embates públicos com o também tucano João Doria, então prefeito de São Paulo, que tentava impulsionar uma possível candidatura para a Presidência da República nas eleições de 2018.

Doria, que se apresentava como "gestor", e não político, recebeu duras críticas de Goldman por sua dedicação a viagens pelo país. Para o ex-governador, a atitude era um sinal de "falta de comprometimento com a cidade". Em resposta, o então prefeito publicou um vídeo dizendo que Goldman era um "fracassado" por "viver de pijamas" em casa.

No vídeo, Doria dizia ainda que Goldman viveu "a vida inteira na sombra", citando os ex-governadores paulistas Orestes Quércia e José Serra, conhecidas lideranças, respectivamente, do PMDB e do PSDB.

Doria, no entanto, se lançou candidato a governador e declarou apoio a Jair Bolsonaro (PSL) para a corrida presidencial de 2018. Goldman, por sua vez, declarou apoio a Paulo Skaf (MDB), adversário direto de Doria, e a Fernando Haddad (PT) na disputa pelo Planalto.

Logo após o primeiro turno das eleições, em outubro, Goldman chegou a ser expulso do PSDB paulistano por infidelidade partidária. A expulsão foi comandada pelo vereador João Jorge, aliado de Doria. A decisão, no entanto, não foi concretizada por ordem do PSDB nacional.

Já em 2019, em entrevista ao UOL, Goldman criticou uma atitude de Doria em homenagear policiais militares que mataram 11 suspeitos de um assalto a banco. "Essa é a política do Doria. É matar para dizer que ele é duro, que é forte, que é macho", disse o ex-governador, afirmando ainda que a característica é "clara de um fascista".

Na segunda-feira, dia 19 de agosto, foi internado no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Passou por uma cirurgia no cérebro e teve um sangramento.

"Minha vida política foi mais do que fazer proselitismo. Foi minha forma de contribuir com o País."

*Com informações do Estadão Conteúdo