Veja as justificativas de Bolsonaro a vetos da lei de abuso de autoridade
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) sancionou hoje o projeto de lei do abuso de autoridade, que endurece as punições por abusos praticados por agentes públicos —entre eles, juízes, promotores e policiais. Bolsonaro decidiu por vetos em 19 artigos do texto. Catorze artigos foram vetados na íntegra e outros cinco foram parciais.
Veja, abaixo, as justificativas apresentadas pelo presidente.
1. Veto ao artigo 3º, que estabelecia que os crimes previstos na lei de abuso de autoridade seriam do tipo ação penal pública incondicionada, isto é, que não dependem de prévia manifestação de qualquer pessoa para ser iniciada. O artigo ainda previa a admissão de ação privada caso a ação penal pública não fosse intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, além de intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova e interpor recurso.
Justificativa:
"A ação penal será sempre pública incondicionada, salvo quando a lei expressamente declarar o contrário, nos termos do art. 100 do Código Penal, logo, é desnecessária a previsão do caput do dispositivo proposto. Ademais, a matéria, quanto à admissão de ação penal privada, já é suficientemente tratada na codificação penal vigente, devendo ser observado o princípio segundo o qual o mesmo assunto não poderá ser disciplinado em mais de uma lei, nos termos do inciso IV do art. 7º da Lei Complementar 95, de 1998. Ressalta-se, ainda, que nos crimes que se procedam mediante ação pública incondicionada não há risco de extinção da punibilidade pela decadência prevista no art. 103 cumulada com o inciso IV do art. 107 do CP, conforme precedentes do STF (v.g. STF. RHC 108.382/SC. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. T1, j. 21/06/2011)."
2. Veto ao inciso III, do artigo 5º, que proibia, pelo prazo de um a três anos, a prática de funções de natureza policial ou militar no município em que tiver sido praticado o crime e naquele em que residir ou trabalhar a vítima.
Justificativa:
"A propositura legislativa, ao prever a proibição apenas àqueles que exercem atividades de natureza policial ou militar no município da prática do crime e na residência ou trabalho da vítima, fere o princípio constitucional da isonomia. Podendo, inclusive, prejudicar as forças de segurança de determinada localidade, a exemplo do Distrito Federal, pela proibição do exercício de natureza policial ou militar."
3. Veto ao artigo 9º, que previa punição para a autoridade que corroborasse com a privação de liberdade em desconformidade com a lei (incluindo relaxamento de prisão ilegal, substituição de prisão preventiva por medida cautelar e deferimento de habeas corpus, quando cabível).
Justificativa:
"A propositura legislativa, ao dispor que se constitui crime 'decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais', gera insegurança jurídica por se tratar de tipo penal aberto e que comportam interpretação, o que poderia comprometer a independência do magistrado ao proferir a decisão pelo receio de criminalização da sua conduta."
4. Veto ao artigo 11, que previa a punição à autoridade que executar a captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, ou de condenado ou internado fugitivo.
Justificativa:
"A propositura legislativa, ao dispor sobre a criminalização de execução de captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito gera insegurança jurídica, notadamente aos agentes da segurança pública, tendo em vista que há situações que a flagrância pode se alongar no tempo e depende de análise do caso concreto. Ademais, a propositura viola o princípio da proporcionalidade entre o tipo penal descrito e a pena cominada."
5. Veto ao inciso III, do artigo 13, que previa a punição à autoridade que produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro.
Justificativa:
"A propositura legislativa gera insegurança jurídica, pois o princípio da não produção de prova contra si mesmo não é absoluto como nos casos em que se demanda apenas uma cooperação meramente passiva do investigado. Neste sentido, o dispositivo proposto contraria o sistema jurídico nacional ao criminalizar condutas legítimas, como a identificação criminal por datiloscopia, biometria e submissão obrigatória de perfil genético (DNA) de condenados, nos termos da Lei nº 12.037, de 2009."
6. Veto ao artigo 14, que previa punição à autoridade que fotografar ou filmar presos, investigados ou vítimas sem o seu consentimento ou com autorização obtida mediante constrangimento ilegal, com o intuito de expor a pessoa a vexame ou execração pública.
Justificativa:
"A propositura legislativa, ao prever como elemento do tipo 'com o intuito de expor a pessoa a vexame ou execração pública', gera insegurança jurídica por se tratar de tipo penal aberto e que comporta interpretação, notadamente aos agentes da segurança pública, tendo em vista que não se mostra possível o controle absoluto sobre a captação de imagens de indiciados, presos e detentos e sua divulgação ao público por parte de particulares ou mesma da imprensa, cuja responsabilidade criminal recairia sobre os agentes públicos. Por fim, o registro e a captação da imagem do preso, internado, investigado ou indiciado poderá servir no caso concreto ao interesse da própria persecução criminal, o que restaria prejudicado se subsistisse o dispositivo."
7. Veto ao parágrafo único do artigo 15, que previa punição à autoridade que prossegue com o interrogatório de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio ou que não esteja na presença do advogado, tendo optado anteriormente pela assistência jurídica.
Justificativa:
"O dispositivo proposto gera insegurança jurídica e contraria o interesse público ao penalizar o agente pelo mero prosseguimento do interrogatório de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio, embora o interrogatório seja oportunidade de defesa, pode ser conveniente à pessoa o conhecimento das perguntas formuladas, bem como exercer o silêncio apenas em algumas questões, respondendo voluntariamente às demais, cuja resposta, a seu exclusivo juízo, lhe favoreçam. Além disso, a falta de assistência por advogado ou defensor público durante o interrogatório não deve ser criminalizada, uma vez que se trata de procedimento administrativo de natureza inquisitiva e não configura falta de defesa ao indivíduo."
8. Veto ao artigo 16, que previa punição à autoridade que deixar de se identificar ou se identificar falsamente a um preso na ocasião de sua captura.
Justificativa:
"A propositura legislativa contraria o interesse público pois, embora seja exigível como regra a identificação da autoridade pela prisão, também se mostra de extrema relevância, ainda que em situações excepcionais, a admissão do sigilo da identificação do condutor do flagrante, medida que se faz necessária com vistas à garantia da vida e integridade física dos agentes de segurança e de sua família, que, não raras vezes, têm que investigar crimes de elevada periculosidade, tal como aqueles praticados por organizações criminosas."
9. Veto ao artigo 17, que previa punição à autoridade que submeter o preso, internado ou apreendido ao uso de algemas ou de qualquer outro objeto que lhe restrinja o movimento dos membros, quando manifestamente não houver resistência à prisão, internação ou apreensão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso, internado ou apreendido, da autoridade ou de terceiro.
Justificativa:
"A propositura legislativa, ao tratar de forma genérica sobre a matéria, gera insegurança jurídica por encerrar tipo penal aberto e que comporta interpretação. Ademais, há ofensa ao princípio da intervenção mínima, para o qual o Direito Penal só deve ser aplicado quando estritamente necessário, além do fato de que o uso de algemas já se encontra devidamente tratado pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos da Súmula Vinculante nº 11, que estabelece parâmetros e a eventual responsabilização do agente público que o descumprir."
10. Veto ao artigo 20, que previa punição à autoridade que Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado.
Justificativa:
"O dispositivo proposto, ao criminalizar o impedimento da entrevista pessoal e reservada do preso ou réu com seu advogado, mas de outro lado autorizar que o impedimento se dê mediante justa causa, gera insegurança jurídica por encerrar tipo penal aberto e que comporta interpretação. Ademais, trata-se de direito já assegurado nas Leis nºs 7.210, de 1984 e 8.906, de 1994, sendo desnecessária a criminalização da conduta do agente público, como no âmbito do sistema Penitenciário Federal, destinado a isolar presos de elevada periculosidade."
11. Veto ao inciso II do parágrafo 1º do artigo 22, que previa punição à autoridade que executa mandado de busca e apreensão em imóvel alheio ou suas dependências, mobilizando veículos, pessoal ou armamento de forma ostensiva e desproporcional, ou de qualquer modo extrapolando os limites da autorização judicial, para expor o investigado a situação de vexame.
Justificativa:
"A propositura legislativa, ao prever como elemento do tipo a 'forma ostensiva e desproporcional', gera insegurança jurídica por encerrar tipo penal aberto e que comporta interpretação. Além disso, em operações policiais, o planejamento da logística de bens e pessoas competem às autoridades da segurança pública."
12. Veto ao artigo 26, que previa punição à autoridade que induzir ou instigar pessoa a praticar infração penal com o fim de capturá-la em flagrante delito.
Justificativa:
"A propositura legislativa gera insegurança jurídica por indeterminação do tipo penal, e por ofensa ao princípio da intervenção mínima, para o qual o Direito Penal só deve ser aplicado quando estritamente necessário, tendo em vista que a criminalização da conduta pode afetar negatividade a atividade investigativa, ante a potencial incerteza de caracterização da conduta prevista no art. 26, pois não raras são as vezes que a constatação da espécie de flagrante, dada a natureza e circunstâncias do ilícito praticado, só é possível quando da análise do caso propriamente dito, conforme se pode inferir da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (v.g. HC 105.929, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T. j. 24/05/2011)."
13. Veto ao parágrafo único do artigo 29, que previa punição à autoridade que omitir dado ou informação sobre fato juridicamente relevante e não sigiloso.
Justificativa:
"A propositura legislativa, ao prever como elemento do tipo 'informação sobre fato juridicamente relevante e não sigiloso', gera insegurança jurídica por encerrar tipo penal aberto e que comporta interpretação. Além disso, pode vir a conflitar com a Lei nº 12.527, de 2011, (Lei de Acesso à Informação), tendo em vista que pode conduzir ao entendimento pela possibilidade de divulgação de informações de caráter pessoal, as quais nem sempre são sigilosas, mas são protegidas por aquele normativo."
14. Veto ao artigo 30, que previa punição à autoridade que der início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente.
Justificativa:
"A propositura legislativa viola o interesse público, além de gera insegurança jurídica, tendo em vista que põe em risco o instituto da delação anônima (a exemplo do disque-denúncia), em contraposição ao entendimento consolidado no âmbito da Administração Pública e do Poder Judiciário, na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal (v.g. INQ. 1.957-7/PR, Dj. 11/11/2005), de que é possível a apuração de denúncia anônima, por intermédio de apuração preliminar, inquérito policial e demais medidas sumárias de verificação do ilícito, e se esta revelar indícios da ocorrência do noticiado na denúncia, promover a formal instauração da ação penal."
15. Veto ao artigo 32, que previa punição à autoridade que negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório.
Justificativa:
"A propositura legislativa gera insegurança jurídica, pois o direito de acesso aos autos possui várias nuances e pode ser mitigado, notadamente, em face de atos que, por sua natureza, impõem o sigilo para garantir a eficácia da instrução criminal. Ademais, a matéria já se encontrar parametrizada pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos da Súmula Vinculante nº 14."
16. Veto ao artigo 34, que previa punição à autoridade que deixar de corrigir, de ofício ou mediante provocação, com competência para fazê-lo, erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento.
Justificativa:
"A propositura legislativa, ao dispor que 'erro relevante' constitui requisito como condição da própria tipicidade, gera insegurança jurídica por encerrar tipo penal aberto e que comporta interpretação. Ademais, o dispositivo proposto contraria o interesse público ao disciplinar hipótese análoga ao crime de prevaricação, já previsto no art. 34 do Código Penal, ao qual é cominado pena de três meses a um ano, e multa, em ofensa ao inciso III do art. 7º da Lei Complementar nº 95 de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, em razão do inadequado tratamento do mesmo assunto em mais de um diploma legislativo."
17. Veto ao artigo 35, que previa punição à autoridade que coibir, dificultar ou impedir, por qualquer meio, sem justa causa, a reunião, a associação ou o agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo.
Justificativa:
"A propositura legislativa gera insegurança jurídica, tendo em vista a generalidade do dispositivo, que já encontra proteção no art. 5º, XVI, da Constituição da República, e que não se traduz em uma salvaguarda ilimitada do seu exercício, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, cujo entendimento é no sentido de que o direito à liberdade de se reunir não se confunde com incitação à prática de delito nem se identifica com apologia de fato criminoso."
18. Veto ao artigo 38, que previa punição à autoridade que antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação.
Justificativa:
"A propositura legislativa viola o princípio constitucional da publicidade previsto no art. 37, que norteia a atuação da Administração Pública, garante a prestação de contas da atuação pública à sociedade, cujos valores da coletividade prevalecem em regra sobre o individual, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Por fim, a comunicação a respeito de determinados ocorrências, especialmente sexuais ou que violam direitos de crianças e adolescentes, podem facilitar ou importar em resolução de crimes."
19. Veto ao artigo 43, que previa punição à autoridade que violar direito ou prerrogativa de advogado.
Justificativa:
"A propositura legislativa gera insegurança jurídica, pois criminaliza condutas reputadas legítimas pelo ordenamento jurídico. Ressalta-se que as prerrogativas de advogados não geram imunidade absoluta, a exemplo do direito à inviolabilidade do escritório de advocacia e a própria Lei nº 8.906, de 1996, com redação dada pela Lei nº 11.767, de 2008, que permite a limitação desse direito quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime, notadamente concebido e consumado no âmbito desse local de trabalho, sob pretexto de exercício da profissão, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (v.g. INQ. 2424, Rel. Min. Cezar Peluso, p., j. 26/11/2008."
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