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Para deputados do Rio, STF empurrou desgaste de soltar colegas à Alerj

Rodrigo Bacellar (SDD), relator, discursa em defesa da soltura dos cinco deputados - Thiago Lontra/ Alerj
Rodrigo Bacellar (SDD), relator, discursa em defesa da soltura dos cinco deputados Imagem: Thiago Lontra/ Alerj

Igor Mello

Do UOL, no Rio

24/10/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Deputados criticaram Cármen Lúcia por empurrar à Alerj desgaste de soltar deputados
  • Parlamentares favoráveis à soltura fizeram discursos com críticas ao STF e ao Judiciário

A ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), se tornou persona non grata nos corredores da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio). A insatisfação se deve à decisão da magistrada de repassar ao Legislativo fluminense a decisão sobre cinco deputados presos pela Lava Jato do Rio —na terça-feira (22), eles tiveram sua libertação aprovada com 39 votos. Para a maior parte dos parlamentares, o STF seria o responsável por decidir sobre a soltura dos colegas, mas repassou o desgaste com a opinião pública para a classe política.

No dia 16, Cármen Lúcia determinou que a Alerj deliberasse sobre a continuidade ou não das prisões preventivas dos deputados André Correa (DEM), Luiz Martins (PDT) e Marcus Vinícius Neskau (PTB). Os três foram presos na Operação Furna da Onça, desdobramento da Lava Jato do Rio, em novembro de 2018, sob a acusação de serem parte de esquema de corrupção mantido pelo grupo político dos ex-governadores Sérgio Cabral (MDB) e Luiz Fernando Pezão (MDB).

A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Alerj decidiu julgar também as prisões de Chiquinho da Mangueira (PSC) e Marcos Abrahão (Avante), também detidos na Furna da Onça, por entender que a Casa teria que se desgastar novamente em breve para avaliar a situação deles.

Logo após uma reunião de quase quatro horas, em que os deputados decidiram os termos em que os colegas seriam soltos, um integrante da CCJ esbravejou com irritação contra a decisão do STF —ele falou ao UOL sob condição de anonimato.

"Só estamos passando por isso tudo porque o Supremo quis. Foi uma decisão canhestra e canalha", criticou.

Segundo esse parlamentar, aliado de André Ceciliano (PT), presidente da Alerj, Cármen Lúcia entendeu em sua decisão que a prisão dos deputados foi ilegal, já que, na interpretação da ministra, deputados estaduais só poderiam ser presos em flagrante por crime inafiançável. Porém, declinou de expedir a ordem de soltura por temer uma reação negativa da opinião pública em um momento em que o STF vive sob ataques e a ameaça de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Senado.

Recados durante votação

Os poucos deputados favoráveis à soltura dos colegas que discursaram durante a sessão deram recados claros sobre sua insatisfação com o Supremo e o Judiciário, a começar por Ceciliano. Embora conduzisse os trabalhos, o petista —outrora aliado de primeira hora de Jorge Picciani (MDB), preso em novembro de 2017 pela Lava Jato— tomou a palavra para defender a Alerj.

"Tínhamos todos os motivos para votar diferente, mas o que está em jogo são as prerrogativas dos parlamentares e do Legislativo", disse.

O relator do caso, Rodrigo Bacellar (SDD), foi outro a fazer comentários críticos ao Judiciário. Considerado um dos parlamentares mais próximos de Ceciliano, ele fez um discurso duro em defesa da Alerj, mesmo tendo sido muito vaiado por militantes do MBL (Movimento Brasil Livre) que ocupavam uma das galerias. Antes da votação, eles estenderam nas escadarias do Palácio Tiradentes, sede da Assembleia, uma faixa com os dizeres "O STF é uma vergonha".

"O relator, desembargador Abel Gomes, deveria respeitar o artigo [da Constituição] quanto às prisões e encaminhar para o Legislativo deliberar. E não o fez", afirmou. "Aprovada nesse plenário [a soltura dos deputados] vamos ver como o Judiciário vai correr, como a sentença deles vai sair rápido. E vai ficar mais uma vez comprovado que o problema vem de lá [do Judiciário], não daqui."

Outra que criticou o Judiciário durante a sessão foi a deputada Enfermeira Rejane (PCdoB). Segundo ela, a Alerj só teve o desgaste de decidir sobre o destino de seus membros porque os tribunais não fizeram seu papel.

"Cármen Lúcia não precisava encaminhar esse caso [para a Alerj] porque as prisões não foram em flagrante. A Alerj não tem que decidir sobre elas, quem tem que decidir é o Judiciário", argumentou. "Se as pessoas estão presas por mais de um ano sem julgamento, isso é problema do nosso Judiciário."

Mesmo tendo votado contra a libertação dos deputados, Rodrigo Amorim (PSL) foi mais um a fazer coro nas críticas à Justiça.

"Primeiro o Judiciário ceifou do Legislativo o direito de avaliar depois de 24 horas as prisões, e isso está na letra da lei. Isso aconteceu só depois de um ano. Minha crítica no campo pessoal é essa: a demora. Esse tempo é prejudicial para todos. Para os que estão presos, para a Justiça como um todo, porque dá uma sensação de impunidade", disse.

Contrário à soltura dos cinco parlamentares e alinhado com movimentos de renovação na política, Renan Ferreirinha (PSB) também criticou o Judiciário. Segundo ele, a forma como a decisão foi tomada e o prazo exíguo para que a Alerj tomasse uma posição foram erros.

"Que jogaram uma batata quente para a Alerj eu não tenho dúvidas. Mas eu não personificaria na ministra Cármen Lúcia, mas sim no STF como um todo. Até porque ela fez parte da ala minoritária que defendeu a palavra final não fosse do Legislativo, fosse do Judiciário. Ela seguiu um parecer majoritário, de 6 a 5, e empurrou para a Alerj", contextualizou.

A reportagem do UOL procurou o STF sobre as críticas, mas o Tribunal ainda não se manifestou.

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