Sem partido, Marta e seus votos viram desejo da esquerda para eleição 2020
Resumo da notícia
- Lula se mostrou favorável à volta de Marta Suplicy ao PT
- Ex-ministra quer formar frente ampla contra Doria e Bolsonaro
- Marta é elogiada por outros partidos de centro-esquerda
- Força na periferia é vista como trunfo da ex-ministra em SP
Se a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) se destaca como peça valiosa da direita na eleição municipal de São Paulo em 2020, do outro lado do tabuleiro também uma mulher passou a ser vista como trunfo para a disputa. Depois de se afastar da política partidária, a ex-ministra, ex-senadora e ex-prefeita Marta Suplicy voltou à cena, atraindo a atenção de partidos do centro e da esquerda.
A movimentação ganhou evidência e força quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) elogiou Marta durante entrevista ao UOL, em outubro, antes de ser solto. "Se a Marta quiser, deve voltar [ao PT]. Ela tem relação com todo mundo e ainda continua sendo a prefeita mais bem avaliada de São Paulo", disse na ocasião.
Para retornar ao PT, ela precisaria superar uma resistência interna motivada pelo fato de ter apoiado o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016.
Dentro do partido, este caminho de volta é visto como difícil, mas possível. Fundamentais seriam os gestos de Marta em relação à legenda. O aval de Lula tem peso óbvio e o ex-presidente desejaria uma chapa que também tivesse o ex-prefeito Fernando Haddad.
Marta quer frente ampla contra Bolsonaro e Doria
O PT não é, porém, a única alternativa. O PDT, o PSB e partidos menores também poderiam recebê-la.
A intenção de Marta é costurar uma ampla aliança entre os partidos de centro-esquerda, que também teria o objetivo de fazer frente ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Ela e outros líderes partidários enxergam a disputa municipal, especialmente em São Paulo, como preparação importante para a eleição presidencial de 2022.
"Estou trabalhando intensamente na construção de uma frente ampla que reúna o centro democrático, setores liberais e setores significativos da esquerda brasileira numa aliança política que se transforme numa chapa para disputar, com força e competitividade, as próximas eleições de São Paulo. Trabalhamos para nos organizar no sentido de enfrentar e isolar o autoritarismo, o atraso e o retrocesso civilizatório representados por Doria e Bolsonaro", diz Marta, que respondeu por escrito a questões feitas pelo UOL.
A ex-ministra não dá como certa sua participação como candidata nas eleições e nem mesmo uma filiação.
Minha disposição e contribuição neste processo já estão sendo dadas, sem nenhuma condicionante. Posso ou não entrar na disputa eleitoral. Uma eventual filiação partidária minha, hoje, não está colocada. Só me filiarei a um partido político se for necessária e imprescindível a minha participação na chapa. Do contrário, não o farei.
Marta Suplicy
Ideia de aliança enfrenta obstáculos
O problema é que fatores como as rusgas entre o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e o ex-presidente Lula complicam o plano da grande aliança. A ex-ministra ensaia o discurso da união pelo bem maior.
"Estamos reunindo energias e forças para demonstrar que questões secundárias se tornem menores diante das reais ameaças à democracia. Importante também sensibilizar a todos para a necessidade de desenvolvermos projetos que incorporem formas inclusivas das populações carentes, denunciando todo tipo de violência, opressão, arbítrio e autoritarismos", argumenta Marta.
O presidente nacional do PDT, o ex-ministro Carlos Lupi, não tem o mesmo otimismo em relação ao projeto de frente ampla.
"Marta está muito na tese de defender uma unidade das oposições, que acho de difícil execução porque a direita também não vai estar unida, vai ter dois, três candidatos. Quando você tem eleição em dois turnos, você tem essa possibilidade de no primeiro turno todo mundo se apresentar e quem não for para o segundo turno apoia a parte mais aderente, de mais convergência", afirma.
Há pelo menos outros dois obstáculos para a ampla aliança de centro-esquerda sonhada por Marta. Um é o fato de as coligações partidárias não contarem para a eleição para vereador, o que leva as legendas a preferir candidaturas próprias para fortalecer suas marcas na tentativa de fazer bancadas de parlamentares.
Outro é o protagonismo do PT. "Será que o PT apoiaria a Marta numa frente liderada pelo PDT? A cultura normal do PT não é essa, a cultura normal do PT é sempre querer apoio", observa o dirigente pedetista
Suspiros por Marta
Carlos Lupi demonstra um otimismo contido em relação à possibilidade de a ex-ministra ingressar no PDT, tentativa buscada há meses pelo partido.
A conversa é muito boa, mas de repente só eu estou vendo assim.
Carlos Lupi (PDT), sobre Marta integrar partido
O ex-governador Márcio França, presidente do PSB em São Paulo, tem sido outro interlocutor de Marta.
Apesar de vê-la mais próxima do PDT, ele diz que a ex-prefeita seria bem-vinda no partido. "Ela sabe que podia entrar no PSB a hora que quiser. Ela tem um histórico longo de convivência com a gente."
Partidos menores como o PCdoB também se dizem simpáticos à ex-ministra.
Qualquer partido de centro-esquerda vê a Marta com bons olhos, como gestora e como liderança política. Temos a [pré-]candidatura do [deputado federal] Orlando Silva, mas estamos abertos para que a Marta nos procure e quem sabe também ter o PCdoB [com ela]. Uma coisa temos em comum, que é enfrentar e resistir à onda conservadora que se abateu sobre o país e impedir que essa onda tenha vitória em São Paulo.
Wander Geraldo, presidente do PCdoB paulistano
Força na periferia
Marta foi prefeita pelo PT entre 2001 e 2004. Entre os destaques que marcaram sua gestão, estão os CEUs (Centros Educacionais Unificados), escolas com estrutura para atividades de cultura e lazer construídas em bairros da periferia, e o Bilhete Único, que permite a integração entre os meios de transporte e o pagamento de uma só passagem de ônibus caso o usuário utilize mais de uma linha dentro de determinado período.
Também foi pelo Partido dos Trabalhadores que ela foi deputada federal entre 1995 e 1999 e elegeu-se senadora em 2010. No governo Lula, foi ministra do Turismo. Antes de apoiar o impeachment, foi ministra da Cultura no primeiro mandato de Dilma.
Em 2016, Marta disputou o cargo de prefeita de São Paulo pelo MDB, concorrendo com o então prefeito Fernando Haddad e perdendo para o atual governador João Doria (PSDB). Terminou apenas em quarto lugar, mas seu desempenho é lembrado com respeito pelo PT.
"Não dá para desconsiderar a presença da Marta num cenário eleitoral sendo candidata ou não. Na eleição de 2016, ela já teve uma presença importante. Ainda que não tenha tido uma votação expressiva, derrotou o Haddad em algumas franjas da periferia", diz o novo presidente do diretório municipal do PT, Laércio Ribeiro.
Márcio França namora candidatura a prefeito
No PSB, o bom desempenho que teve na capital paulista na eleição para governador no ano passado motiva Márcio França a sair candidato a prefeito. "Tudo caminha para sim [ser candidato]. Mesmo não tendo se programado para esse caminho, você acaba sendo levado ao caminho", declara o ex-governador.
Em 2018, França, que era vice de Geraldo Alckmin no Palácio dos Bandeirantes e assumiu o mandato de governador, perdeu para Doria no segundo turno, mas venceu o tucano na capital paulista, com 58% contra 42% dos votos válidos, ganhando com ainda mais folga nos bairros periféricos.
Ele sabe que parte desta vitória se deveu à rejeição a Doria após este renunciar ao mandato de prefeito para disputar o governo do estado. Beneficiado pela memória da eleição passada, França também diz levar em consideração resultados recentes de pesquisas de intenção de voto feitas por institutos de pesquisa pouco conhecidos como Ibrap e Badra.
Nos levantamentos, França aparece disputando a liderança com o atual prefeito Bruno Covas (PSDB).
"Se os números de pesquisas mantiverem como está hoje, seria impossível não lançar candidatura estando na frente. É meio natural uma candidatura, né?", diz o ex-governador.
Ele se vê disputando uma vaga no segundo turno com outra candidatura que tiver força na periferia. "A borda da cidade disputa uma vaga no segundo turno e o miolo disputa uma outra. Para o PT, eu sou um adversário ruim porque entro um pouco no espaço que é deles. E para um eventual segundo turno, sou um adversário ruim para o PSDB porque entro mais em espaços do que o PT."
Dentro da centro-esquerda paulista, França está entre os que têm relação melhor com o outro lado do tabuleiro. Apesar dos embates com Doria na eleição de 2018, ele convive bem com o PSDB, inclusive com o prefeito Bruno Covas, que trata um câncer no sistema digestivo, mas tende a ser candidato à reeleição. "Todo mundo ficou um pouco pasmo. Ele é muito jovem. Ninguém sabe exatamente como você faz uma campanha com alguém com uma situação de recuperação."
Como falta menos de um ano para a eleição de outubro, os partidos irão acelerar as definições a partir de janeiro. O período para filiações nos partidos termina no começo de abril. É o prazo para Marta Suplicy decidir se entra nas eleições como candidata.
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