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Pesquisador do WhatsApp bolsonarista relata ameaça e foge do Brasil

29.ago.2019 - O professor David Nemer, da Universidade da Virgínia (EUA), que pesquisa campanhas políticas, fakenews e grupos de WhatsApp - Divulgação/Dan Addison/Universidade da Virgínia
29.ago.2019 - O professor David Nemer, da Universidade da Virgínia (EUA), que pesquisa campanhas políticas, fakenews e grupos de WhatsApp Imagem: Divulgação/Dan Addison/Universidade da Virgínia

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

17/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • David Nemer diz ter recebido no último sábado email anônimo dizendo que sabiam onde ele estava e recomendando "cuidado"
  • Professor afirma que mensagem trouxe em anexo foto dele em parque que havia visitado dias antes
  • Estudioso de fake news fez boletim de ocorrência na polícia e diz que decidiu deixar o país no mesmo dia

Um pesquisador brasileiro que vive nos Estados Unidos estudando o uso do aplicativo WhatsApp por grupos políticos afirma que recebeu uma ameaça em São Paulo e que teve que deixar o país às pressas. David Nemer estava na capital paulista na semana passada e aproveitou para ir a um parque da cidade.

Na manhã de sábado passado (14), ele afirma ter recebido um email anônimo (veja abaixo) dizendo que sabiam onde ele estava e recomendando que ele tivesse "cuidado". Em anexo, enviaram uma fotografia do professor no parque que ele havia frequentado dias antes. O UOL obteve a imagem, mas não a divulga para preservar as investigações da polícia. Foi o quarto email com ameaças em quatro meses, segundo o pesquisador.

"Sabemos que voce esta em Sao Paulo- e melhor voce ter cuidado [sic]", afirmou a mensagem enviada às 5h da manhã de sábado por meio de um serviço de envio anônimo de correio eletrônico.

16.dez.2019 - Email recebido pelo professor David Nemer, que pesquisa WhatsApp e política, incluindo a ação de apoiadores de Jair Bolsonaro nas redes. Segundo ele, trata-se de uma ameaça pois o anexo continha uma foto dele num parque em São Paulo. O professor registrou queixa na Polícia Civil de São Paulo - Reprodução - Reprodução
"É melhor você ter cuidado", afirma autor de mensagem anônima
Imagem: Reprodução

Para Nemer, a principal suspeita é que o autor das ameaças faça parte de grupos bolsonaristas estudados por ele. "Eu venho pesquisando e monitorando a rede de fake news pro-Bolsonaro. Essa rede de fake news é mantida por um grupo chamado de MAV, Movimento Ativista Virtual, ou milícia virtual", afirmou.

O pesquisador registrou, no mesmo sábado, um boletim de ocorrência na Polícia Civil de São Paulo, que não informou se começou a investigação. E, à noite do mesmo dia, tomou um avião para o exterior, antecipando seus planos de viagem e mudando de destino. O professor conversou com o UOL na tarde de segunda-feira (16) de um país que prefere não revelar.

Tive que sair fugido do Brasil"
David Nemer, pesquisador da Universidade da Virgínia

Nemer trabalha como professor do Departamento de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia, nos EUA. De lá, estuda a ação de grupos de WhatsApp de apoio a políticos de esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita e extrema-direita. Eles atuam em favor do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), do PT, do PSOL, de Ciro Gomes (PDT) ou de autoridades como Rodrigo Maia (DEM). Nemer pesquisa o uso de robôs, discursos de ódio e "fake news" na rede.

"Você acha que tá salvo aí nos EUA?", questiona mensagem

Desde agosto, o professor diz ter recebido quatro emails anônimos com ameaças. Em 24 de agosto, uma mensagem questionava se o professor estava "a salvo" fora do Brasil. "Vc acha que ta salvo ai nos EUA.... Eduardo Bolsonaro, o nosso 03, vai ser o nosso embaixador e voce ta fudido [sic]." O texto menciona a frustrada tentativa, em andamento em agosto, de indicação do filho do presidente da República como diplomata brasileiro em Washington.

Agora, a nova mensagem de intimidação trouxe, segundo Nemer, uma fotografia como prova das ameaças. Ou seja, alguém deveria saber que o professor estava em visita a São Paulo, teria conseguido localizá-lo, além de segui-lo até o parque para fazer a foto.

Ex-eleitores recebiam dinheiro para disparar mensagens, diz professor

Apesar de pesquisar grupos políticos de um amplo espectro partidário e ideológico, os principais "achados" dos estudos do professor se relacionam à extrema direita, que apoia Bolsonaro. Foi lá que ele viu distribuição em massa de boatos e chamadas pelo fechamento do Congresso Nacional ou do STF (Supremo Tribunal Federal).

Nemer identificou grupos de neonazistas e de pedofilia. Também reuniu mensagens em que ex-apoiadores admitem que recebiam de R$ 400 a R$ 600 por semana para produzirem informações falsas e distribuírem pelo WhatsApp durantes as eleições, em favor de Bolsonaro.

Na avaliação do professor, alguns estudos dele podem ter irritado os bolsonaristas, como o que mostra a reação de usuários da rede social twitter a uma live do presidente da República. "Muita gente acha que fake news é brincadeira. Mas não é. É milícia mesmo", afirmou.

Professor evita generalização com eleitores do presidente

O professor faz uma ressalva. "Esses achados da pesquisa não significam que todos os eleitores de Bolsonaro sejam neonazistas, pedófilos, distribuidores de notícias falsas ou financiados com caixa dois de empresários, ou mesmo que o presidente da República participe dessas condutas [ou seja mandante das ameaças]."

As pesquisas de Nemer identificam casos objetivos. "São pessoas específicas que atuam dessa maneira e que se sentem empoderados a tomar tais atitudes devido o discurso extremista do presidente", disse ele.

A princípio, o boletim de ocorrência deve ser encaminhado ao DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa), da Polícia Civil de São Paulo.

O UOL questionou a assessoria de imprensa da polícia se é possível associar os emails com ameaças à atuação do professor em suas pesquisas acadêmicas. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.

Até PT já usou fake news, disse professor

Doutor pela Universidade de Indiana (EUA), Nemer pesquisa o uso do WhatsApp na política desde março de 2018. Como o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não puniu os responsáveis pela distribuição de desinformação nas eleições passadas, ele prevê que o método ilegítimo de propaganda vai ser usado por todos em 2020.

O professor entende que partidários de Bolsonaro usaram mais esse mecanismo nas últimas eleições, mas isso não excluiu os partidos de esquerda das ações ilegítimas. "Você vê que a maioria era para o Bolsonaro, mas também tinha pro [Fernando] Haddad [ex-candidato do PT nas últimas eleições]", afirmou ele.