Política de Bolsonaro contamina democracia e reformas, diz Denis Rosenfield
Resumo da notícia
- Professor de filosofia votou em Bolsonaro, mas se diz frustrado
- Denis Rosenfield vê no governo a opção pela política do enfrentamento
- Em sua opinião, isto contamina as instituições e o andamento das reformas
- Ele também se diz frustrado com a ideologização e a influência de Olavo de Carvalho
Eleitor de Jair Bolsonaro (sem partido), o professor de filosofia Denis Rosenfield se diz frustrado com o governo logo em seu primeiro ano. Para o filósofo, a gestão tem um "pendor autoritário" e considera como inimigos todos os que não concordam com ela.
O resultado disto, em sua análise, é uma ameaça à democracia e ao andamento de propostas que seriam relevantes. "O bolsonarismo está contaminando as instituições democráticas e está contaminando a pauta das reformas."
Vinculado ao Instituto Millenium, entidade de viés liberal, o filósofo é autor de livros como "O que é democracia" e "O Estado fraturado". Ele se diz surpreso com o grau de ideologização e o peso da influência do escritor Olavo de Carvalho no governo.
Na avaliação de Rosenfield, o foco de Bolsonaro é manter o apoio dos evangélicos e de cerca de 30% do eleitorado para alcançar o segundo turno das eleições de 2022.
Confira abaixo os principais trechos de sua entrevista.
UOL - Que avaliação o sr. faz do primeiro ano do governo Bolsonaro?
Denis Rosenfield - Este primeiro ano do governo se caracterizou basicamente por uma política de enfrentamento. A concepção que o novo presidente, a sua família e seu grupo mais próximo puseram em marcha foi uma política de confronto. De confronto com os adversários, de confronto as instituições. E nesse sentido ele terminou contaminando o projeto de reforma que ele mesmo tinha formulado como prioritário.
O lado negativo é essa política de confronto e a contaminação do projeto reformista. E o que terminou também se traduzindo por dificuldades cada vez mais evidentes no que toca a articulação política com o Congresso, a tal ponto que o Congresso ganhou no governo Bolsonaro uma importância que ele não teve nem no governo Temer nem nos governos anteriores. Ou seja, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, veio a ter um protagonismo maior do que seria reservado à sua função.
Por outro lado, ele começou a levar a cabo também um projeto de reforma do ponto de vista liberal que ele tinha anunciado na campanha. Esse é o lado, digamos, positivo. Tivemos a aprovação da reforma da Previdência, que era uma reforma que já estava amadurecida pelo que tinha sido discutido e pensado e mesmo executado no governo Temer. É o grande ganho deste governo nesse primeiro ano.
Na sua opinião, há retrocessos?
Há dois retrocessos.
A política do governo Bolsonaro é a distinção amigo-inimigo, que é uma distinção de tipo autoritário elaborada por um teórico alemão do nazismo, o Carl Schmitt (1888-1985), que serve tanto para a direita contra para a esquerda. É [como o] "nós contra eles" do Lula, que também é autoritário nesse sentido.
A prática democrática é uma prática do diálogo e da negociação. É um trabalho parlamentar. O governo Bolsonaro terminou insistindo no enfrentamento. Considera como inimigo todo aquele que não concorda com ele, mesmo o PSL. Rachou o PSL porque ele quer o partido absolutamente dele. A política democrática implica na negociação e articulação. Então aí foi um retrocesso.
O segundo retrocesso é o seguinte: ao privilegiar a pauta conservadora, a pauta dos costumes, ele está terminando por conferir a essa pauta um peso que não corresponde a posições majoritárias da sociedade brasileira. Termina se confinando a um nicho, um nicho conservador e religioso. Nesse sentido, começamos a discutir questões que são completamente secundárias. E deixamos aquilo que é fundamental para o país, que é, no meu entender, uma pauta reformista que deveria ser levada a cabo.
A carga ideológica do governo surpreendeu o sr., assim como a influência do escritor Olavo de Carvalho?
Fiquei surpreso. Votei no presidente Bolsonaro. Eu achava uma candidatura viável para bater o PT, ou seja, a corrupção, a ideologização do aparelho de Estado, essa concepção autoritária do amigo-inimigo também no PT. E contei que haveria a moderação na saída da lógica eleitoral para a lógica de governo. E a lógica de governo, repito, é a lógica da negociação e a lógica da articulação.
Num primeiro momento também estimei que os militares exerceriam esse fator de moderação e seriam reconhecidos por isso. O que está me surpreendendo é que em pouco tempo o governo Bolsonaro terminou expulsando seis, sete generais que são pessoas da mais alta qualificação, que são pessoas habilitadas e eram moderadas do ponto de vista do trato político.
E ele [Bolsonaro] continua nesta política de embate e nessa lógica do Olavo de Carvalho, seus filhos seguindo Olavo de Carvalho, os assessores presidenciais seguindo Olavo de Carvalho. Estamos aí num baixo nível intelectual. Ou seja, estamos num nível intelectual que não é condizente com um governo reformista. O bolsonarismo está contaminando as instituições democráticas e está contaminando a pauta das reformas.
O sr. se frustrou com isso?
Me frusto com isso não do ponto de vista pessoal, me frustro do ponto de vista do país. O país está demorando para sair dessa recessão, dessa estagnação. E está fracionado, dividido. O país tem que ser pacificado, tem que compartilhar valores comuns. Ele tem que estar voltado para a negociação. Um membro de outro partido não é um inimigo. É um adversário na disputa pelo poder.
Estamos vivendo uma partição da sociedade brasileira que acho prejudicial. Penso que a política das reformas seria muito mais eficaz e muito mais rápida se o governo Bolsonaro tivesse abandonado essa política do confronto.
As pessoas dizem 'agora está melhor, os filhos estão se manifestando menos'. Desde que ele assumiu, isso são ondas. Às vezes, os grupos mais radicais e ideológicos se manifestam mais; às vezes, se manifestam menos. Faz parte da estratégia. É a lógica da loucura. É uma loucura como método. Não é nada feito ao acaso.
Bolsonaro é um excelente estrategista dele mesmo, assim como Lula é um excelente estrategista dele mesmo. O Brasil, do ponto de vista da política, tem dois craques: o Bolsonaro e o Lula. Lástima que eles não utilizam suas habilidades do ponto de vista da construção de um projeto nacional.
Um culto evangélico foi realizado dentro do Palácio do Planalto neste mês. Como o sr. vê este tipo de iniciativa e a relação do governo com setores religiosos?
O Bolsonaro, dentro dessa política do confronto e no avanço da pauta conservadora, optou por ter um terço do seu eleitorado perfeitamente unido em torno dele. O raciocínio dele é simples: ele não precisa de 50% dos votos dos brasileiros, ele precisa de 30% para estar no segundo turno [da eleição presidencial em 2022]. E ele quer enfrentar o PT no segundo turno.
Para ter esses 30%, ele precisa [de] duas coisas: manter coesa a sua base nas redes sociais, o que está conseguindo — ele dá dez a zero no Lula nas redes sociais —, e solidificar a base evangélica dele. Só na Assembleia de Deus, são 22 milhões de membros. Para que tenha essa base evangélica constituída para assegurar os 30%, ele tem que fazer esse tipo de culto e deverá necessariamente fazer a mudança da embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém porque esse é um ponto dogmático dos evangélicos. O ponto dogmático é o seguinte: Jesus ressuscitará quando Jerusalém for a capital de Israel. Ato seguinte: os judeus serão convertidos ao cristianismo.
Penso que não é salutar para o estado democrático laico essa vinculação muito estreita com a religião. Sou de formação filosófica. Uma coisa é a esfera da religião, que é a esfera privada. Outra coisa é esfera do Estado. Ainda gosto daquela formulação cristã: a Cristo o que é de Cristo, e a César o que é de César.
A economia continua crescendo em ritmo lento nessa retomada, mas há uma tendência de crescimento maior. Um crescimento maior seria o grande trunfo de Bolsonaro para o seu futuro político?
A aposta do Bolsonaro e equipe econômica dele é que o Brasil possa crescer de 4% no terceiro ano ou no quarto ano de mandato. Essas cifras circulam nos bastidores e eles consideram como factíveis economicamente. Se ele conseguir fazer com que o país cresça 4% em 2022, ele é forte candidato à reeleição.
O Brasil economicamente estaria crescendo. Ele vai ao segundo turno baseado nesses 30% [do eleitorado]. O centro se divide entre o [apresentador Luciano] Huck, o [João] Doria [governador de São Paulo), [Wilson] Witzel [governador do Rio] e não sei quem. E o Lula tenta, não diretamente porque ele está impedido pela Ficha Limpa — salvo se houver alguma modificação nessa condição —, um candidato petista.
Os que votaram contra o PT na outra eleição provavelmente vão continuar votando contra o PT em 2022. Não podemos esquecer que o eleitorado bolsonarista não é um eleitorado conservador. Foi um eleitorado de pessoas que votaram contra o PT e contra a corrupção. Não votaram pela pauta conservadora. Foi um voto do "não", não foi o voto do "sim".
Bolsonaro fez elogios à ditadura e a torturadores antes de ser presidente e sendo presidente. Ele será incorporado definitivamente pela democracia brasileira ou pode colocar a democracia em xeque?
Existe um pendor autoritário do governo, que é essa política de enfrentamento amigo-inimigo. Essa política termina prejudicando as instituições. Eu não acho que esse [autoritarismo] seja um projeto factível aqui no Brasil. As instituições democráticas são sólidas.
Agora o filho do Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro, e o ministro [Paulo] Guedes [da Economia], brincando, jogando e fazendo um ensaio com o AI-5 [ato institucional mais duro da ditadura militar]. O ato institucional é produto de uma ruptura institucional. Quando eles brincam com a ideia do AI-5, estão brincando com a ruptura institucional. Isso que preocupa. E aí tem uma ameaça. O filho do presidente fala nisso, o ministro da Economia fala nisso. Eles estão só brincando? Eles poderiam ter brincadeiras melhores, não?
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