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Tese do MPF contra Glenn Greenwald criminaliza jornalismo, dizem juristas

Glenn Greenwald em audiência pública na Comissão de Direitos da Câmara - Loures/Ag. Câmara
Glenn Greenwald em audiência pública na Comissão de Direitos da Câmara Imagem: Loures/Ag. Câmara

Vinicius Konchinski

Colaboração para o UOL, em Curitiba

22/01/2020 04h01

O MPF (Ministério Público Federal) denunciou nesta terça-feira o jornalista Glenn Greenwald, um dos fundadores do site The Intercept, por supostamente ter auxiliado, incentivado e orientado a invasão de celulares de autoridades brasileiras.

Para responsabilizar Greenwald pelo crime, o procurador da República Wellington Divino Marques de Oliveira argumentou que o jornalista conversou com hackers enquanto a invasão ocorria e, por isso, também seria responsável por ela.

O jornalista, por sua vez, considera a denúncia uma tentativa óbvia de atacar a liberdade de imprensa livre. Em nota, afirmou que a acusação é uma retaliação por revelações feitas a respeito do ministro da Justiça, Sergio Moro, e do governo do presidente Jair Bolsonaro.

O jornalista afirmou na nota que, há dois meses, a Polícia Federal declarou explicitamente que ele não cometeu nem participou de nenhum crime.

Argumento do MPF inviabiliza jornalismo investigativo, diz advogado

O advogado criminalista Gustavo Badaró, professor da USP (Universidade de São Paulo), contesta a argumentação usada pelo MPF ao denunciar Greenwald. Para ele, não se pode punir o jornalista dizendo que ele é culpado pela invasão dos celulares só porque ele supostamente sabia que ela estava ocorrendo.

"Isso é um profundo desconhecimento da lei ou uma tentativa desesperada de criminalizar o trabalho do jornalista", afirmou ele, em entrevista ao UOL.

O material apreendido com a autorização da Justiça inclui conversas entre um dos supostos hackers (Luiz Henrique Molição) e Greenwald. Segundo o MPF, essas conversas apontam que o jornalista "sabia que o grupo não havia encerrado a atividade criminosa e permanecia realizando condutas de invasões de dispositivos informáticos e o monitoramento ilegal de comunicações".

Greenwald, segundo o MPF, "buscou criar uma narrativa de 'proteção à fonte' que incentivou a continuidade delitiva." Por isso, o MPF considera que o jornalista participou das invasões de celulares.

Para o advogado Pedro Serrano, professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). "Pouco importa se a informação foi entregue neste ou naquele momento. A informação só é entregue depois de obtida pelo hacker. É o hacker que obteve a informação", afirmou.

Serrano destaca o perigo à democracia contido no argumento do MPF. Para ele, levando o entendimento do procurador Oliveira em consideração, todo jornalista que obtém uma informação sigilosa de um inquérito em andamento cometeria um crime, já que o vazamento teria ocorrido antes do inquérito ser encerrado.

Greenwald não foi investigado; áudios embasam denúncia do MPF

Em nota, o The Intercept Brasil reforçou que a PF concluiu que Greenwald não cometeu crime. Lembrou que o jornalista não foi sequer investigado.

Uma decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes proibiu, em agosto, a apuração sobre a conduta do jornalista por conta do risco de se ferir a liberdade de imprensa.

O Intercept declarou ainda estar perplexo com o papel "claramente político" prestado pelo MPF. Informou ainda que vê na denúncia uma "tentativa de criminalizar não somente o nosso trabalho, mas todo o jornalismo brasileiro".

O advogado Anderson Lopes também critica a denúncia. "O jornalista não é um agente de investigação para apurar se o hackeamento ainda está em curso ou ordenar que ele seja interrompido."

Para Lopes, a obrigação legal do jornalista é preservar sua fonte. "Não tendo havido instigação, auxílio ou execução da violação por parte do jornalista, ele não tem qualquer responsabilidade pelo que foi feito", disse.

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