Entenda o crime que Bolsonaro é acusado de ter cometido sobre coronavírus
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é acusado, em ações apresentadas ao STF (Supremo Tribunal Federal), de ter cometido crimes contra a saúde pública em meio à pandemia do novo coronavírus. O ministro Marco Aurélio Mello, relator das notícias-crime (nome dado a esse tipo de ação) na Corte, já pediu à PGR (Procuradoria Geral da República) que se manifeste a respeito das reclamações sobre a conduta do mandatário.
Até a manhã de hoje, o STF tinha ao menos cinco pedidos de ação contra Bolsonaro em razão de sua conduta na crise da covid-19. Em três, Mello já pediu a manifestação da PGR. A depender da análise, o órgão pode apresentar ou não uma denúncia contra Bolsonaro, o que pode, em tese, vir a gerar o afastamento do presidente do cargo.
Especialistas ouvidos pelo UOL dizem acreditar que cabe a tese apresentada contra o presidente, mas têm dúvidas sobre o andamento político do tema.
O procurador-geral Augusto Aras, que chegou ao principal cargo do MPF (Ministério Público Federal) escolhido por Bolsonaro no ano passado, indicou em entrevista ao jornal O Globo que pode vir a agir caso o presidente atue contra medidas de isolamento, mas não mencionou situações de crime que o presidente tenha cometido.
Caso a PGR venha a decidir denunciar Bolsonaro, a ação precisa passar pela Câmara, que tem o poder de autorizar ou não uma investigação contra o presidente da República.
O procedimento seria semelhante ao qual passou o ex-presidente Michel Temer (MDB) em 2017, quando os parlamentares decidiram que ele não deveria ser processado durante o exercício do cargo.
Ação contra medida sanitária
Uma das petições contra Bolsonaro foi apresentada por advogados em nome do deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG). No documento, a tese sustentada é de que o presidente teria cometido o crime previsto no artigo 268 do Código Penal.
O artigo trata de "infração de medida sanitária preventiva". De acordo com a lei, "infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa" pode ser punida com detenção de um mês a um ano.
Para o petista, Bolsonaro teria desrespeitado e ignorado medidas de prevenção à pandemia determinadas pelo governo do Distrito Federal e do Ministério da Saúde, como isolamento social.
Porém, os advogados do petista lembram que o presidente esteve em uma aglomeração em ato a seu favor em 15 de março e fez um pronunciamento à nação, nove dias depois, em que "incentivou ostensivamente o descumprimento das medidas de isolamento recomendadas pela Organização Mundial da Saúde e pelo próprio poder executivo".
A covid-19 foi tratada na ocasião como "gripezinha" e "resfriadinho". Bolsonaro classifica a pandemia, que já matou mais de 38 mil pessoas em todo o mundo, de "histeria".
Exemplo de Bolsonaro
Na petição do deputado, é dito que, com a "credibilidade inerente ao posto de presidente", Bolsonaro "induz a população a, confiando nas palavras proferidas, agir em contrariedade às orientações médicas em tempos de pandemia".
Outras duas notícias-crime que serão analisadas pela PGR foram movidas pelo advogado André Magalhães Barros. Os argumentos dele são semelhantes aos do deputado, mas o advogado vê pelo menos mais um crime cometido por Bolsonaro, o de desobedecer a ordem legal de funcionário público, previsto no artigo 330 do Código Penal.
Caminho político
Doutor em Direito Penal pela USP (Universidade de São Paulo), o advogado Conrado Gontijo avalia que, "ao que parece, [Bolsonaro] praticou exatamente a conduta proibida [pelo artigo 268] inúmeras vezes, e por isso, em tese, deveria ser responsabilizado criminalmente".
"A notícia de crime expõe condutas graves praticadas pelo presidente da República, que vem reiteradamente descumprindo determinações de órgãos públicos para a contenção da disseminação do coronavírus, diz Gontijo.
Para o advogado Marcelo Figueiredo, professor de Direito da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), a tese levantada pelo deputado petista mostra um "crime, mas não sei se politicamente vai adiante". "Seria exigida muita energia, em um momento que todo mundo precisa focar na pandemia."
Para, Figueiredo o ministro Marco Aurélio Mello indicou ver crime na ação de Bolsonaro por não ter rejeitado a notícia-crime de forma direta. "[O ministro] não extinguiu de plano [a ação] porque viu alguma plausibilidade. Agora é um bom momento para verificar a independência do procurador-geral."
"Entretanto, o que se tem visto é uma inércia absoluta da PGR em relação a essa matéria [pandemia]. Inércia grave e que assegura a continuidade da ação irresponsável do presidente", opina Gontijo.
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