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Criminalistas veem risco de PF subordinada a interesses de Bolsonaro

Alex Tajra, Ana Carla Bermúdez e Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

24/04/2020 13h30

Ao deixar o cargo de ministro no fim da manhã de hoje, Sergio Moro afirmou que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sinalizou que trocaria o comando da PF (Polícia Federal) para ter, nos cargos de direção e superintendências, pessoas mais próximas. Para advogados criminalistas, a atitude do presidente demonstra que ele quer utilizar a corporação para interesses pessoais.

A reportagem entrevistou dois criminalistas e um professor de ciência política e um de gestão pública que afirmam que, agora, a PF pode perder sua autonomia. Bolsonaro quis trocar a direção após investigações que rondam seus filhos não terem sido paralisadas. Para a presidente do sindicato dos delegados da PF de SP, Tania Prado, a credibilidade da instituição está arranhada.

Mauricio Stegemann Dieter, professor de Criminologia e Direito Penal da USP, afirmou que, ao trocar a diretoria da PF, "oficialmente, em não pouca medida, a corporação fica diretamente subordinada aos interesses da família Bolsonaro. Há pouca dúvida quanto a isso e o primeiro a afirmá-lo foi o próprio ex-juiz-ministro".

De acordo com o professor da USP, "agora, nesse nível mínimo de 'decência' de seu primeiro escalão, só restou Paulo Guedes, que, se for minimamente inteligente, também vai abandonar esse Titanic".

Bruno Salles, advogado criminalista sócio do Cavalcanti, Sion e Salles Advogados, diz que o pronunciamento de Sergio Moro "é uma verdadeira delação". "Revela o desejo do presidente de ter ingerência em casos em andamento. De ter 'informações de inteligência', que nada mais é do que a tentativa de uso político da Polícia Federal", afirma.

"Na medida em que fala que Bolsonaro queria, tem medo dos inquéritos, o coloca como um suspeito sem dizer as palavras. Jamais houve um escândalo dessa magnitude, relacionado à Polícia Federal desde a redemocratização. Esse é provavelmente o golpe fatal ao que resta do governo Bolsonaro", diz.

Claudio Couto, professor de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas), diz que "jamais houve algo parecido na nossa democracia. Ele [Moro] foi muito categórico quando afirmou que, durante os governos Lula e Dilma, não houve interferência. E isso ocorreu agora".

"Verbalizando: isso é se apropriar da PF como instrumento político, é inédito desde redemocratização. Bolsonaro quer controlar a PF no cabresto, transformar ela em uma polícia política, de governante e, sobretudo, familiar", acrescenta.

O professor de ciência política da USP Glauco Peres afirma que "Bolsonaro tem problemas de corrupção na família". Por isso, ele avalia que "Bolsonaro não está preocupado com quem a PF vai perseguir, ele só quer proteger a família e ir atrás dos políticos que fazem sombra. Esse é o intuito dele. Então, não interessa o que a PF fizer, desde que sua família esteja resguardada".