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Witzel criará secretaria para convidar Moro e se diz contra impeachment

Wilson Witzel (PSC), governador do Rio de Janeiro - Dikran Junior/Futura Press/Estadão Conteúdo
Wilson Witzel (PSC), governador do Rio de Janeiro Imagem: Dikran Junior/Futura Press/Estadão Conteúdo

Gabriel Sabóia

Do UOL, no Rio

25/04/2020 04h00

Pouco depois dos pronunciamentos do ex-ministro da Justiça Sergio Moro e do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Witzel afirmou em entrevista ao UOL que formalizará, ainda hoje, o convite para que o ex-juiz federal assuma a nova Secretaria Estadual de Justiça.

Para contar com a presença do novo desafeto do presidente da República no estado berço do bolsonarismo, o governador não vê problema em criar uma pasta, mesmo em meio à já declarada dificuldade financeira pela qual os cofres do estado passam. "Ele faria a integração entre os órgãos estaduais e federais, que hoje cabe a mim, e teria o seu espaço político para seguir atuando", justifica.

Já em relação a supostos crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro apontados por especialistas a partir das acusações de Moro, Witzel adota cautela, mas se coloca contra um eventual processo de impeachment. "Se ele [Bolsonaro] continuar negando a pandemia do coronavírus e interferindo no trabalho dos governadores, posso mudar de opinião", faz a ressalva.

Sobre a política de combate à doença, o governador deixa escapar que não sabia dos termos contratuais de algumas das compras feitas pelo governo durante o estado de emergência, nas quais foram apontadas irregularidades. "Não sei quem contratou, como foi feito o procedimento", reconhece.

Leia a seguir a entrevista:

UOL - Nos últimos dias, o senhor afirmou que estava se recuperando da covid-19, mas anunciou que a primeira-dama Helena Witzel também havia sido contaminada pelo coronavírus. Como estão se sentindo agora, passado algum tempo?

Wilson Witzel - Estou me recuperando, mas é uma doença que exige muita cautela. É necessário monitorar continuamente os sinais vitais e o avanço dela [a doença]. Estou na fase final da recuperação, em breve estarei liberado. A primeira-dama também já apresenta melhoras. É uma doença muito traiçoeira. Poderia ser pior, caso fôssemos vulneráveis, tivéssemos alguma comorbidade. Daí, a necessidade da prevenção. A doença não escolhe vítima.

UOL - O senhor questionou o porquê de um presidente da República querer um diretor da Polícia Federal com o qual possa interagir. A seu ver, há riscos no fato de Bolsonaro indicar o diretor da PF? O Estado de direito —no qual todos são iguais perante a lei— sai prejudicado, a partir do momento em que pode ocorrer alguma interferência?

Witzel - Em relação à indicação do nome do diretor, o presidente pode e deve fazer. O que ele não pode é ter interação para tratar de processos, quaisquer que sejam, que estejam em andamento conduzido pela Polícia Federal. Não cabe a ele [Bolsonaro] requerer diligências, determinar abertura de inquéritos. O que ele pode fazer é encaminhar fatos para serem investigados. Aliás, qualquer cidadão pode fazer isso. Exceto essa possibilidade, trata-se de uma ilegalidade que a Constituição não permite. Existem restrições, sim. Nem um secretário de polícia pode ter acesso a investigações sigilosas, só quem está com a investigação pode ter acesso. É o processo penal que institui isso. O contato deles [presidente da República e diretor da PF] deve se restringir a políticas públicas, não a processos.

UOL - O senhor é ex-juiz federal e advogado por formação, igual ao ex-ministro Sergio Moro. É possível dizer que há crime de responsabilidade nas condutas do presidente, de acordo com o que foi relatado pelo agora ex-ministro?

Witzel - O crime de responsabilidade, para seja caracterizado em relação a Bolsonaro, teria que ficar caracterizado após uma investigação. O que o ministro falou foi em relação à relação dele com a Polícia Federal, eu não posso afirmar sobre esse caso, só após uma investigação isso poderia ser dito. Mas, Bolsonaro comete crimes desde o momento em que estimulou a quebra das regras de quarentena e passou a colocar as responsabilidades sobre mortes e prejuízos econômicos em cima dos governadores. Desde então, ele vem praticando crimes de responsabilidade. Lembra que ele participou de passeatas e manifestações contra o STF [Supremo Tribunal Federal]? Ele disse não ser contra o Supremo, mas estava na manifestação contra as instituições republicanas, com faixas apoiando isso. São indícios de que ele vem tentando extrapolar os limites da Constituição. Ele interfere na gestão dos governadores, na administração dos estados. Os crimes de responsabilidade são esses. O Congresso precisa avaliar se a presença do governante, nesse momento, causa mais bem ou mais mal ao país. É um julgamento político. É um juízo de conveniência e estabilidade ao bem do país. Eu, como político, vou me reunir com a minha bancada [do PSC] para decidir qual será a posição oficial.

A entrevista com Witzel foi realizada pouco antes da revelação de conversas entre Moro e Bolsonaro feita ontem pelo Jornal Nacional

UOL - Mas qual é a sua opinião pessoal, nesse momento, diante de tantas divergências públicas com o presidente? O senhor, pessoalmente, é favorável à abertura de um processo de impeachment do Bolsonaro ou contrário?

Witzel - O momento é difícil, mas, no meu entender, [um impeachment] seria prejudicial à nossa situação econômica. Já viu o preço do dólar? Está estourando. As nossas atenções precisam estar centradas no controle da pandemia. Mas, se ele continuar negando a pandemia, interferindo no trabalho dos governadores... Se esses atos continuarem, posso mudar de opinião.

UOL - O senhor não perdeu tempo e, logo depois da formalização da saída do ministro Sergio Moro do cargo, disse que gostaria de contar com ele no governo do Rio. Que papel Moro poderia ocupar no seu secretariado?

Witzel - Eu ainda não fiz o contato, acabei perdendo o telefone do ministro, mas já solicitei e pretendo falar com ele amanhã [hoje] e formalizar o convite que, aliás, já está feito. A minha intenção é criar a Secretaria de Estado de Justiça. Nessa estrutura, ele poderia fazer a integração entre os órgãos: o MP [Ministério Público], as polícias Civil e Militar, e o Judiciário. Eles precisam estar integrados, alinhados com instituições federais, no combate ao crime organizado, no aprimoramento da Justiça do estado. Quem faz essa integração hoje sou eu. Intensificaríamos o trabalho de combate à lavagem de dinheiro e daríamos o espaço político para ele trabalhar.

UOL - Parece contraditória a criação de uma nova secretaria em um momento de austeridade financeira, em meio a uma pandemia, na qual o senhor já declarou que o estado precisa de ajuda federal para fechar as suas contas. Há necessidade desse gasto?

Witzel - Podemos fazer isso sem aumento de despesas. Tiro cargo daqui, dali, e monto para ele uma estrutura contando com alguns dos meus assessores especiais. Eu não preciso alugar prédios, por exemplo, para criar uma pasta. É só remanejar o que já temos de recursos.

UOL - Pouco depois da saída de Moro do Ministério da Justiça, internautas iniciaram um clamor pelo nome dele para a Presidência em 2022. O senhor já deixou pública a sua vontade de ser candidato. Ele seria uma composição de chapa ideal?

Witzel - O momento não é de falar de eleição nem 2020, nem da eleição de 2022. Nossos focos são o controle da pandemia do coronavírus e a recuperação da economia. É hora de governar, pensar o que é melhor para o Rio e para o Brasil. No momento correto, faremos a disputa ideológica necessária, teremos esse tipo de diálogo. Temos uma relação de afinidade, mas é o momento de governar.

UOL - O senhor falou em mais de uma ocasião que só pretende afrouxar a quarentena do estado quando os hospitais de campanha estiverem montados. Esse relaxamento será feito por zonas, de acordo com a incidência da doença nos municípios?

Witzel - O programa de reabertura econômica está sendo concluído junto dos segmentos empresariais. Um dos parâmetros que será utilizado é a curva de contágio da doença, que precisará estar estabilizada, com o controle de crescimento monitorado. O outro parâmetro é a obrigatoriedade de termos, até lá, pelo menos 30% a mais de vagas em leitos de CTIs. Com isso feito, podemos pensar na abertura de academias de ginástica, comércio de rua e shopping centers funcionando com regras específicas, como a abertura de lojas em horários alternados e o uso de máscaras para quem quiser entrar nesses ambientes. Mas, essas regras serão estabelecidas levando em consideração os parâmetros que já citei. As regiões do interior, Baixada Fluminense, capital e demais municípios da região metropolitana têm parâmetros diferentes, curvas diferentes de evolução da doença. Tudo vai depender da análise dessas regiões, separadamente.

UOL - Há alguns dias o senhor falou que pode chegar o momento em que médicos vão ter que escolher a quem tratar. O senhor considera que o estado está preparado para enfrentar as próximas semanas da pandemia, quando o contágio deve atingir o seu ápice?

Witzel - O Rio de Janeiro está preparado, sim. No total, serão nove hospitais de campanha. Alguns, como os do Leblon, Maracanã, Duque de Caxias e Nova Iguaçu, já estarão em pleno funcionamento até a segunda quinzena de maio. Com essa estrutura e controle da mobilidade, podemos não ter que escolher quem será atendido. No total, serão mais 3.000 leitos dedicados a eventuais pacientes.

UOL - Notícias apontaram irregularidades em contratações para a saúde do Rio. O subsecretário jurídico de Saúde, Felipe Fonte, pediu a anulação de contratos de entidades que vão administrar hospitais, depois de arbitrariedades reveladas pelo blog do jornalista Ruben Berta. A secretaria abriu sindicância para apurar a imposição de sigilo de contratos emergenciais. Como o senhor viu as suspeitas sobre contratos de compras para a área de saúde?

Witzel - Infelizmente, sempre há espertalhão tentando se dar bem. Não vamos admitir isso. Os órgãos de controle estão atentos. No momento oportuno, os órgãos de fiscalização se mostraram atuantes e deixaram claro que ninguém vai lucrar com isto. Não haverá pagamentos superfaturados nem irregularidades.

UOL - Recentemente o estado comprou 90 respiradores com custos muito acima dos valores de mercado, de uma empresa que não é especializada nesse tipo de produto.

Witzel - Eu não sei quem contratou, como foi feito o procedimento. Isso está a cargo da CGE [Controladoria Geral do Estado], da Secretaria de Saúde. Aliás, o secretário já esclareceu essa questão. Muita gente está importando respiradores para atender às necessidades dos estados, o produto está escasso e é emergencial. A informação que me chega é de que se compra de quem consegue mandar para cá, fazer esse envio para o Rio. É uma questão emergencial. Agora, se quem está vendendo tem autorização legal, pouco me importa se essa empresa também vende outro equipamento junto.