Crise no Rio une bolsonaristas e PSOL por impeachment de Witzel
Em meio a suspeitas de chefiar uma suposta estrutura ligada a fraudes em contratações emergenciais para o combate à pandemia do coronavírus, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), vive a expectativa de ser alvo de um processo de impeachment na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro).
Com a imagem abalada por operações policiais, Witzel viu sua base de apoio evaporar e conseguiu o improvável ao unir parlamentares do PSOL e da base bolsonarista em torno de um mesmo ideal: desgastar o chefe do Executivo por meio de um processo de impeachment e pressioná-lo a reduzir os poderes do secretário de Desenvolvimento Econômico Lucas Tristão —chamado ironicamente de "governador em exercício" e citado nas investigações em curso contra Witzel.
Diante de sucessivos pedidos de impeachment protocolados por parlamentares de diferentes partidos —atualmente são seis—, o presidente da Alerj, André Ceciliano (PT), se vê pressionado a admitir o andamento de um dos pedidos em breve.
Embora o discurso oficial de Ceciliano seja o de que "o momento é de foco nas políticas de combate à covid-19", comenta-se que da união dos textos encaminhados pelos deputados deve ser protocolado, nas próximas semanas, um documento unificado pela saída de Witzel.
Ontem, o governador sofreu novas baixas: seus dois líderes na Alerj, os deputados Márcio Pacheco e Léo Vieira (ambos do PSC), deixaram os postos após a troca de figuras do primeiro escalão do secretariado de Witzel.
O pedido para a saída dos dois, em meio às mais de 5.000 mortes no estado pelo coronavírus, teria partido de Tristão. A ingerência do secretário —que seria o elo de ligação entre Witzel e o empresário Mario Peixoto, preso no início do mês— desagrada parlamentares da base governista, opositores de longa data e ex-aliados do governador.
Bolsonaristas em diálogo com PSOL
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, a deputada Renata Souza (PSOL) defende a abertura de impeachment de Witzel e critica os "super-poderes" dados a Tristão.
"Até os deputados da base do Witzel estão pedindo para sair desse governo. Eles estão vendo que o governador, de fato, chama-se Lucas Tristão, que está envolvido em todas as denúncias de corrupção que pairam sobre esse mandato. Ele é o principal interlocutor entre o governo e o Mário Peixoto e têm relação estremecida com a Alerj", diz ela.
Renata diz não ver problemas em dialogar com políticos da base bolsonarista pela saída de Witzel. "Não corroboramos com eles [os bolsonaristas] no método e na política. Mas, as denúncias existentes são gravíssimas. Witzel tem se mostrado inábil, não resta outra opção", defende.
Do outro lado, o bolsonarista Filippe Poubel (PSL) adota tom mais belicoso ao falar de Witzel e Mario Peixoto e admite diálogo com o PSOL pela redação de um documento único que embase o processo de impeachment.
"A bancada bolsonarista do PSL já havia se afastado de Witzel e Tristão desde que o governador traiu a confiança do presidente Jair Bolsonaro. Vamos dialogar independente de corrente política. Vidas estão em jogo. Há dinheiro sendo desviado e pessoas morrendo de covid-19", afirma.
Autor de um dos pedidos de impeachment contra Witzel, Luiz Paulo (PSDB), afirma que não faltam motivos para pedir a saída do governador. "O pedido é respaldado nas denúncias das operações Favorito e Placebo. Um dos impeachments protocolados vai passar, tenha certeza. Witzel conseguiu dizimar o próprio governo e elegeu um 'subgovernador'. O Tristão é atritado com a Assembleia até a raiz do cabelo", afirma.
Wilson Witzel nega qualquer envolvimento com irregularidades em contratos da área de saúde de seu governo e fala em perseguição política. O UOL procurou o governador, mas ele ainda não se manifestou sobre a reportagem.
O pivô da crise
Lucas Tristão é apontado como o elo entre Witzel e o empresário Mário Peixoto —um dos principais fornecedores do governo do estado, preso preventivamente pela PF no início do mês. Peixoto é suspeito de envolvimento em fraudes na área da saúde em meio à pandemia, a Lava Jato.
Decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que deflagrou operação contra alvos do governo Witzel menciona que empresas de Peixoto fizeram depósitos de R$ 225 mil para o escritório de advocacia de Tristão. Em resposta, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico informou que a "quantia mencionada foi recebida em 2018 por serviços prestados pelo escritório de Lucas Tristão".
A relação entre Peixoto e Witzel é questionada desde as últimas eleições e segue levantando suspeitas. O empresário é associado a ingerência em secretarias do governo e nomeações estratégicas em empresas públicas durante o atual mandato.
Desde o início do mandato, Tristão tem sido o pivô das principais crises entre Witzel e parlamentares. Escolhido para fazer a interlocução entre o governo e o plenário fluminense, Tristão é apontado por deputados como autor de intimidações e o principal responsável por produzir supostos dossiês contra 70 parlamentares com base em escutas telefônicas ilegais —o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) analisa essa denúncia.
De acordo com deputados ouvidos pela reportagem, além de problemas diretos com parlamentares na defesa das pautas do governo, Tristão faltou a encontros agendados em redutos eleitorais considerados estratégicos e chegou a fazer ameaças sobre cortar as indicações de cargos de quem votasse contra os seus interesses.
A saída do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) do PSL e a briga dele com Witzel também enfraqueceram a relação de Tristão com a Alerj, fazendo com que antigos aliados mudassem de lado e passassem a pressionar o governo por uma resposta.
Procurado pela reportagem por meio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Tristão ainda não se manifestou sobre as críticas dos deputados.
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