Cármen Lúcia: STF não entra em todos os assuntos, é chamado a se manifestar
A ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Cármen Lúcia negou hoje que a chamada judicialização da política parta do Judiciário. Segundo ela, a Corte "não entra em todos os assuntos", mas às vezes é chamada e obrigada a participar de determinadas discussões, como o financiamento de campanhas eleitorais, por exemplo
"Se houver judicialização [na política], ela é levada pelos agentes políticos ou cidadãos. O Judiciário, diferente do Legislativo e do Executivo, só age mediante provocação. Às vezes vejo pessoas dizendo que o Supremo entra em todos os assuntos. O Supremo não entra, é chamado e é obrigado a se manifestar", disse a ministra em participação no "Conversas na Crise - Depois do Futuro", organizado pelo Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Unicamp em parceria com o UOL.
Ela pontuou que vê a expressão "judicialização da política" ser usada nos mais variados sentidos. Desde a Constituição de 1988, os partidos políticos podem, por exemplo, entrar com uma ação no STF para questionar a validade de algumas normas e leis, o que pode, segundo a ministra, tê-los transformado em "atores nas lides constitucionais".
"Eu vejo a judicialização da política no sentido de que várias questões que são da política, como o financiamento de campanha, por exemplo, acabaram tendo sua constitucionalidade questionada no Supremo", citou Cármen Lúcia. "Tema eleitoral vai para o STF, tema político vai para o STF, os partidos comparecem ao Supremo. E nós não podemos nos abster de alguns temas."
Para a ministra, a "culpa" pela judicialização da política recaiu sobre o Supremo porque a Corte tem atuado mais, enquanto o que acontece nos tribunais estaduais "não é nem notado". "Nós já chegamos a ter, no início da década passada, mais de 120 mil processos em tramitação no STF", lembrou.
Consenso no combate à covid
Quanto ao novo coronavírus, Cármen Lúcia defendeu a necessidade de consenso entre os agentes públicos responsáveis pelas ações de combate à pandemia. Para a ministra, a ausência de coordenação é uma "falha gravíssima" e impede que o País esteja preparado para acolher aqueles que estão em situação mais vulnerável ou de risco.
"Um Brasil como o nosso, que não tem nem saneamento básico para todo mundo. As redes de esgoto contaminadas, submetendo as pessoas às condições mais precárias. Eu digo que é quase uma barbárie social. Não uma barbárie bruta da força, mas outro tipo de violência, que ficou escancarada com esta pandemia", disse.
Segundo Cármen, é "imprescindível" que haja responsabilidade por parte do poder público, que deve honrar e atender às instituições, mesmo que não concorde ou "goste" delas. "Nós temos que ser republicanos porque a coisa é de todo mundo. O Brasil não é de um grupo de pessoas em Brasília, é de todos os brasileiros", completou.
Lições pós-pandemia
Questionada sobre o pós-pandemia, Cármen Lúcia disse acreditar que há muitas lições a se tirar deste cenário. Ela citou como exemplo o fato de o STF ser substituído os julgamentos presenciais pelas videoconferências para evitar a paralisação das atividades — e que essa nova modalidade pode até ser aproveitada no futuro.
"Nós atendemos os advogados e o número de audiências às vezes era insuficiente. Hoje a gente faz por videoconferência e rapidamente consegue manter atualizado. Com isso, se mostrou que há como, nas condições atuais, a gente fazer uso da tecnologia em benefício. O aprendizado humano é enorme", avaliou.
A ministra, porém, disse haver uma "dose de sofrimento" no processo, uma vez que a sociedade brasileira é baseada no encontro e no contato, mas acredita que esse sentimento pode levar a maior valorização das pessoas como humanos.
"Há consequências psicológicas muito graves pela frente, nós temos que aprender com esta valorização humana. Para o juiz, isso ainda é maior. A pessoa chega para a audiência e está precisando conversar, não falar só do processo. Precisa ter alguém que ouça. Isso é uma das coisas que vai fazer com que a gente seja capaz de valorizar mais [as pessoas]", observou Cármen Lúcia.
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