Topo

Com recados a Bolsonaro, STF diz que Abin deve justificar acesso a dados

Estátua da Justiça do lado de fora do prédio do Supremo Tribunal Federal em Brasília -
Estátua da Justiça do lado de fora do prédio do Supremo Tribunal Federal em Brasília

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

13/08/2020 18h47Atualizada em 13/08/2020 21h54

O STF (Supremo Tribunal Federal) reafirmou, em julgamento na tarde de hoje, que a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) precisa justificar os pedidos de compartilhamento de informação a outros órgãos e que a atividade de inteligência não pode ter acesso a dados protegidos por sigilo, como comunicações telefônicas e informações financeiras.

O julgamento foi marcado por declarações dos ministros contra a possibilidade de "arapongagem", "dossiês" e autoritarismo do governo Jair Bolsonaro (sem partido) e sinaliza o clima no STF para julgar na próxima semana a ação que contesta a produção pelo Ministério da Justiça de um relatório sigiloso contra servidores identificados como membros do movimento antifascista, como revelado pelo jornalista Rubens Valente, colunista do UOL.

Hoje os ministros analisaram a lei que criou a Abin e o Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), de 1999, e decreto de 2020 que trata do compartilhamento de informações.

O governo promoveu uma série de mudanças na estrutura dos órgãos de inteligência após Bolsonaro se queixar da efetividade do sistema de inteligência em reunião ministerial de 22 de abril. Na reunião, Bolsonaro afirmou possuir um sistema "particular" de informações.

O processo foi apresentado pelos partidos Rede e PSB, de oposição ao governo Bolsonaro. As legendas afirmam que sob a legislação atual haveria o risco de o presidente "criar seu aparato estatal de investigação e repressão" por meio da solicitação de informações pela Abin.

O ponto questionado foi o dispositivo que diz que os órgãos integrantes do Sisbin "fornecerão à Abin, sempre que solicitados (...) dados e conhecimentos específicos relacionados à defesa das instituições e dos interesses nacionais".

O Sisbin é formado atualmente por 42 órgãos e instituições federais de áreas como segurança, Forças Armadas, saúde, transportes, telecomunicações, Fazenda e meio ambiente. A Polícia Federal também integra o sistema por meio do Ministério da Justiça.

A maioria dos ministros do STF decidiu que:

  • Os órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência somente podem fornecer dados à Abin quando estiver comprovado o interesse público do compartilhamento de informações.
  • Toda decisão de solicitação de dados deve ser motivada, ou seja, precisa ficar documentado qual o objetivo do pedido de informações.
  • Dados cujo sigilo é protegido por lei, como comunicações telefônicas, não podem ser compartilhados.

Votaram nesse sentido os ministros Cármen Lúcia, Edson Fachin, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. O ministro Marco Aurélio Mello foi o único a divergir e defendeu a rejeição da ação. O ministro Celso de Mello não participou da sessão de hoje.

A decisão do STF não altera o texto da lei e do decreto que tratam do tema, mas o tribunal estabeleceu que as regras da Constituição exigem que o compartilhamento de informações entre órgãos de inteligência seja feito com base nessas regras.

O advogado-geral da União, José Levi, que representa o governo federal no julgamento, afirmou que a Abin não tem o poder de solicitar obrigatoriamente dados aos outros órgãos, e que o sistema de inteligência não acessa informações protegidas por sigilo, como dados bancários e fiscais.

Como votaram os ministros

O ministro Edson Fachin citou em seu voto o risco de o sistema de inteligência ser utilizado para a produção de "dossiês" contra adversários políticos.

"Tem-se um cenário em que a ausência de protocolos claros de proteção e tratamento de dados, somada à possibilidade, narrada na [ação] inicial e amplamente divulgada na imprensa, de construção de dossiês investigativos contra servidores públicos e cidadão pertencentes à oposição política, deve gerar preocupações quanto à limitação constitucional do serviço de inteligência", disse Fachin.

A elaboração pelo Ministério da Justiça de um relatório sigiloso contra servidores federais e estaduais identificados como integrantes do "movimento antifascismo" é alvo de outra ação no STF que será julgada na próxima quarta-feira (19).

A ministra Cármen Lúcia, relatora da ação, afirmou que o compartilhamento de dados com a Abin é permitido mas não pode extrapolar parâmetros legais.

"O compartilhamento de dados tem como único motivo legalmente admissível a defesa das instituições e interesses nacionais", disse a ministra. "O que é proibido é que se tome subterfúgio para atendimento de interesses particulares ou pessoais, desvirtuando-se competências constitucionalmente definidas", ela disse.

Cármen Lúcia afirmou que é crime atos de espionagem fora dos limites legais: "Arapongagem, para usar uma expressão vulgar, mas que agora está em dicionário: aquele que ilicitamente comete atividade de grampos, e, portanto, de situação irregular, essa atividade não é direito, é crime", disse a ministra.