Para Aras, Bolsonaro tem imunidade na investigação de cheques e rachadinha
Resumo da notícia
- Aras afirma que o presidente não pode ser alvo de apuração durante o exercício de seu mandato
- Especialistas, no entanto, defendem haver possibilidade de inquérito, com autorização do STF
- Fabrício Queiroz depositou R$ 89 mil na conta da primeira-dama, de acordo com dados do Coaf
- O ex-assessor de gabinete e Flávio Bolsonaro, filho do presidente, são investigados por suspeita de lavagem de dinheiro
O procurador-geral da República, Augusto Aras, não vê possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro vir a ser alvo de investigação por causa dos repasses de R$ 89 mil feitos à sua mulher, Michelle, por Fabrício Queiroz, investigado sob a suspeita de ter operado um esquema de "rachadinhas" na Assembleia do Rio.
"O presidente da República goza de imunidade constitucional durante o exercício de seu mandato", afirmou Aras ao UOL, por meio de uma nota da Secretaria de Comunicação da PGR (Procuradoria-Geral da República).
Segundo o Ministério público do Rio, o suposto esquema de "rachadinha" no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro (hoje senador pelo Republicanos) foi montado entre 2007 e 2018. Já os depósitos na conta de Michelle Bolsonaro, de acordo com o Coaf, foram realizados entre 2011 e 2018 —em ambos os casos, portanto, antes do início do mandato de Bolsonaro, em janeiro de 2019.
Uma eventual investigação contra o Bolsonaro só poderia acontecer depois que deixasse o cargo, em 2023 ou em 2027, caso seja reeleito.
Professores de direito, procuradores e investigadores ouvidos pela reportagem, no entanto, veem possibilidade legal de apuração, com autorização do STF.
Em 2018, o presidente Michel Temer (MDB) foi investigado pela Polícia Federal e pela PGR no chamado inquérito dos portos, por supostos crimes cometidos quando ele não ocupava o cargo. O STF autorizou a inclusão do presidente no inquérito.
Quando a investigação foi concluída e chegou o momento de a Procuradoria oferecer a denúncia, iniciando uma ação penal, o ministro Edson Fachin, acabou suspendendo o inquérito em relação a Temer. A pedido da então procuradora Raquel Dodge, o caso seguiu normalmente em relação aos demais investigados.
Para Aras, o caso de Temer foi um ponto fora da curva. "Não se desconhece a existência de decisão monocrática do ministro Edson Fachin, em 2018. Por outro lado, não há precedentes do plenário do Supremo que autorizem investigação criminal do presidente da República por fatos anteriores ao mandato."
Já na opinião do professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Marco Marrafon, doutor em direito do Estado, a decisão de Fachin inovou ao suspender o inquérito em relação a Temer. Segundo ele, o STF proíbe a ação penal, mas sempre permitiu a investigação policial.
"O entendimento dominante era que ele poderia ser investigado, mas não denunciado", disse o professor.
Tanto Marrafon como o procurador do Ministério Público de São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, o que deveria haver é uma mudança no entendimento de Fachin e a permissão dos inquéritos.
Livianu defende que Bolsonaro pode, sim, ser investigado e acredita que o STF deverá modificar esse entendimento para permitir a investigação do presidente em inquéritos.
Thiago Bottino, professor de direito penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pós-doutor pela Universidade de Columbia (EUA), diz que, se "ele fosse o procurador-geral", faria o pedido de apuração dos fatos ao Supremo. No entanto, afirma que a estratégia pode ser barrada pelo tribunal. "É complicado iniciar uma investigação se você estiver proibido."
Segundo Bottino, a Constituição só proíbe de ser aberto um processo contra o presidente por fatos anteriores ao mandato, mas nada diz sobre a fase anterior, a investigação criminal.
Advogado de um escritório dedicado a direito público, Antonio Noronha entende que, mesmo sem apuração formal sobre as condutas de Bolsonaro, "a investigação tem meios de prosseguir".
"A organização criminosa, e é possível o Ministério Público construir essa tese, não depende unicamente do presidente. Você tem pessoas que não têm essa imunidade: o filho, deputados, senadores, vereadores. Existe uma forma criativa de se andar com essa investigação."
Em nota enviada ao UOL, a PGR também afirmou que o entendimento de Aras retoma o que vinha sendo adotado pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot até 2017.
Em março de 2015, Janot disse que fatos estranhos ao mandato da então presidente Dilma Rousseff (PT) não poderiam ser investigados —mesmo entendimento que viria a ser expressado pelo então ministro do STF Teori Zavascki, que arquivou as acusação contra a petista. Procurador, Janot não se manifestou.
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