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PGR: Governo Witzel loteou vagas na saúde em troca de apoio na Alerj

28.ago.2020 - Wilson Witzel faz pronunciamento após ser afastado do cargo de governador do Rio - WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
28.ago.2020 - Wilson Witzel faz pronunciamento após ser afastado do cargo de governador do Rio Imagem: WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO

Igor Mello

Do UOL, no Rio

29/08/2020 04h00

O governo Wilson Witzel loteou cerca de 1.800 cargos em hospitais e UPAs (Unidades de Pronto-Atendimento) em troca de apoio na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio), segundo relatou em sua delação premiada o ex-secretário de Saúde Edmar Santos. A descrição de como a distribuição de vagas funcionava —reproduzindo um 'toma lá dá cá"— foi citada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) no pedido de afastamento de Witzel.

De acordo com o Edmar, a articulação começou por pedido do Pastor Everaldo —presidente nacional do PSC e um dos aliados mais próximos de Witzel, que é filiado ao mesmo partido. Os investigadores destacam que a forma como a máquina pública foi loteada é "rigorosamente idêntica" ao que foi constatado nos governos de Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, ambos do MDB e presos por denúncias de corrupção.

De acordo com Edmar, o pedido foi feito por Everaldo em meados de 2019, e as vagas deveriam ser disponibilizadas a Cleiton Rodrigues —então secretário de Governo, para que fossem negociadas com "deputados da base do governo na Alerj, facilitando a aprovação de projetos".

Edmar afirma que "chegou à conclusão que 10% dos cargos em UPAs e hospitais podiam ser oferecidos, uma vez que esse percentual não prejudicaria o funcionamento das unidades".

Elaborou então uma planilha com cerca de 1.800 postos de emprego para servirem como moeda de troca com os parlamentares.

Edmar destaca que "as vagas oferecidas eram essencialmente de cargos básicos, de baixa escolaridade, como porteiro, auxiliar de limpeza, segurança, ou de nível médio como técnico de enfermagem, técnico de radiologia".

Mas ele admite que, "em situações excepcionais, cargos de médicos ou enfermeiros também eram oferecidos". Edmar afirma que, em um primeiro momento, a operacionalização das barganhas de cargos foi feita por Cleiton Rodrigues e Bruno Garcia Redondo — assessor-chefe de Articulação Institucional da Secretaria Estadual de Saúde.

Vagas chegaram a ser ocupadas, de acordo com o delator, em unidades comandadas por ao menos duas OSs (Organizações Sociais). Em um segundo momento, essa articulação foi transferida para André Moura, que havia assumido a Secretaria da Casa Civil, e para o deputado estadual Marcio Pacheco (PSC-RJ), então líder do governo Witzel na Alerj, afirma Edmar.

"André Moura passa a dividir com Marcio Pacheco, então líder do governo, a responsabilidade pela montagem de tal lista e a encaminhava diretamente a Bruno. Recorda-se de que algumas OSs certamente contrataram pessoas indicadas, são elas: LAGOS, MAHATMA GANDHI e IDAB".

Durante a Operação Cadeia Velha —que colocou a Alerj na mira da força-tarefa da Lava Jato no Rio—, a Polícia Federal apreendeu duas planilhas de loteamento de cargos mantidas por líderes do MDB.

Em uma delas, operada pelo então deputado estadual Edson Albertassi, líder do governo Pezão na Alerj, tinha nada menos que 3.309 cargos ocupados por indicados de 88 políticos e servidores públicos, entre eles, 50 deputados estaduais e suplentes, sete prefeitos e ex-prefeitos, além de quatro deputados federais.

A contabilidade do loteamento da máquina pública abrangia aproximadamente 30 órgãos públicos —com destaque para o Detran, a Faetec e a Fundação Leão XIII, além postos em empresas terceirizadas ligadas ao empresário Arthur Soares, o Rei Arthur.

O que dizem os citados

Ao UOL, Cleiton Rodrigues admitiu ter recebido indicações para vagas de emprego na saúde, mas disse que isso não ocorria em troca de apoio dos deputados.

"Eu recebia demandas de pedidos de emprego de todo mundo: deputados, prefeitos, pessoas da sociedade civil. E eu perguntava aos secretários se tinha vaga. Não houve troca de apoio na Alerj. Eu não sei nem se isso que eu mandei para lá foi executado, porque logo depois saí da articulação política", afirmou.

Em nota, André Moura disse que "não possui poder de nomeação em relação a cargos que estão fora da sua secretaria e nega participação em qualquer suposto esquema de loteamento de cargos em Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e hospitais geridos pelas Organizações Sociais".

Também citado por Edmar Santos, Pastor Everaldo —preso na operação desta sexta-feira (28)— afirmou que o presidente do PSC "sempre esteve à disposição das autoridades e reitera a sua confiança na Justiça".

Em nota, a defesa de Wilson Witzel diz que a decisão "desrespeita a democracia". "Ministro Benedito (Gonçalves, do STJ) desrespeita a democracia, afasta governador sem sequer ouvi-lo e veda acesso aos autos para defesa. Não se esperava tais atitudes de um Ministro do STJ em plena democracia."

Ainda de acordo com a defesa, "a decisão de afastamento do cargo, tomada de forma monocrática e com tamanha gravidade" foi recebida com surpresa. "Os advogados aguardam o acesso ao conteúdo da decisão para tomar as medidas cabíveis."

O deputado Márcio Pacheco disse receber "com absoluta indignação a informação sobre a citação do seu nome na delação premiada do ex-secretário de saúde do Estado do Rio de Janeiro, Edmar Santos. Esclarece que, na figura de Líder do Governo, mediava, de maneira republicana, o diálogo entre o parlamento e os secretários de todas as pastas, inclusive da Saúde. O deputado reforça ainda que não há qualquer cargo de sua indicação em unidades de saúde do Estado. E que repudia a atitude mentirosa e desesperada de Edmar Santos, de atacar a honra das pessoas para tentar salvar-se dos crimes que ele mesmo cometeu".