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Braço-direito de Witzel cobrou pagamentos para primeira-dama, diz MPF

Wilson Witzel e a esposa Helena Witzel - Graça Paes/AgNews
Wilson Witzel e a esposa Helena Witzel Imagem: Graça Paes/AgNews

Igor Mello

Do UOL, no Rio

28/08/2020 18h58

Mensagens de texto acessadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) com autorização da Justiça mostram que Lucas Tristão, braço direito do governador Wilson Witzel (PSC) e ex-secretário do Rio, cobrou pagamentos para o escritório de advocacia da primeira-dama Helena Witzel a um operador do empresário Mario Peixoto. De acordo com as investigações, os pagamentos serviriam para lavar dinheiro desviado de contratos do estado.

Lucas Tristão é advogado e foi aluno de Wilson Witzel na faculdade de Direito. Aliado de primeira hora do governador, Tristão foi seu coordenador de campanha. Já no governo, Witzel nomeou o ex-aluno como secretário de Desenvolvimento Econômico, Energia e Relações Internacionais. Ele foi contudo afastado neste ano.

As mensagens foram encontradas no celular de Alessandro Duarte, apontado como um dos operadores financeiros de Mario Peixoto e um dos donos no papel da empresa DPAD Serviços Diagnósticos LTDA —que contratou a assessoria jurídica de Helena Witzel, pagando R$ 15 mil mensais sem nenhum indício de prestação de serviços.

Lucas Tristão, secretário de desenvolvimento econômico do Rio de Janeiro - Caio Blois/UOL - Caio Blois/UOL
Lucas Tristão, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do Rio
Imagem: Caio Blois/UOL

O contato era salvo no celular de Alessandro como "Dr. Lucas Tristão Novo". No diálogo, registrado pelo operador em uma captura de tela, Tristão dá a entender que era o responsável por emitir as notas fiscais dos serviços supostamente prestados por Helena Witzel —para a PGR, os valores na verdade eram propina. No total, o escritório de Helena recebeu R$ 554 mil —dos quais R$ 74 mil foram repassados para a conta de Wilson Witzel pouco depois dos pagamentos.

"Dpad falta abril", avisa, antes de acrescentar. "E as outras março e abril". Para a PGR, o tema da conversa são os pagamentos feitos pela DPAD e por outras duas empresas ao escritório de Helena Witzel —a Quali Clínicas e a Cootrab, ambas ligadas ao grupo de Peixoto. Por fim, Tristão complementa: "Emiti a nf de abril", afirma, dando a entender ser o responsável por providenciar as notas fiscais.

Durante o cumprimento do mandado de busca e apreensão na casa de Tristão na Operação Placebo, em 26 de maio, os investigadores encontraram na impressora do então secretário a minuta de uma rescisão de contrato entre o escritório de Helena Witzel e a Quali Clínicas. A PGR sustenta que "ao que tudo indica" o documento foi elaborado por Tristão, "que, supostamente, nada teria a ver com o citado contrato".

"Precisamos casar os pagamentos", diz operador de Peixoto

Outro diálogo em mensagens de texto, dessa vez entre Alessandro Duarte e Juan de Paula —outro nome ligado a Mario Peixoto— indica, na visão dos investigadores, que os serviços contratados nunca foram prestados por Helena Witzel.

Em um tom ofensivo, Juan afirma em 8 de abril: "Esse mês não pagamu a advogada vaca", perguntando em seguida se deveria fazer o pagamento. Alessandro então pergunta a qual mês o colega se referia, e então recomenda: "Precisamos ver as notas emitidas", diz. "E casar os pagamentos!". As grafias das mensagens foram mantidas a despeito de erros ortográficos.

No dia seguinte, Alessandro ainda determina que Juan revise todos os pagamentos "da advogada" feitos "desde agosto/2019" —justamente o mês em que a DPAD assinou o contrato com o escritório de Helena Witzel.

Em maio, o UOL revelou que Helena Witzel havia habilitado seu escritório de advocacia para emitir notas fiscais junto à Prefeitura do Rio apenas um mês antes da assinatura do contrato com a DPAD —até então a empresa não estava apta a cobrar regularmente por serviços.

Um relatório da Receita Federal anexado à investigação confirmou que até então a primeira-dama não havia recebido nenhum pagamento por serviços jurídicos.

O que dizem os citados

Em nota, a defesa de Wilson Witzel diz que a decisão "desrespeita a democracia". "Ministro Benedito (Gonçalves, do STJ) desrespeita democracia, afasta governador sem sequer ouvi-lo e veda acesso aos autos para defesa. Não se esperava tais atitudes de um Ministro do STJ em plena democracia."

Ainda de acordo com a defesa, "a decisão de afastamento do cargo, tomada de forma monocrática e com tamanha gravidade" foi recebida com surpresa. "Os advogados aguardam o acesso ao conteúdo da decisão para tomar as medidas cabíveis."

Em pronunciamento hoje, Witzel negou as suspeitas, disse que a investigação é "circo", que ela poderia ter um viés político e que se trata de um "ultraje à democracia". Witzel afirmou também que não há provas sobre os fatos apontados.

Questionado sobre os R$ 554 mil recebidos pelo escritório da primeira-dama Helena Witzel e que segundo a PGR é propina de suposto esquema de Witzel, o governador afastado disse que o valor foi declarado em Imposto de Renda.

"Na conta da primeira-dama do Rio de Janeiro não entrou dinheiro em espécie, muito menos cheque de origem desconhecida. Aqui, não! Aqui, entrou dinheiro declarado no Imposto de Renda, com notas fiscais emitidas e fruto de serviço trabalhado", disse Witzel.

Em seguida, foi questionado sobre a transferência do valor para a sua conta. "Ué, nós somos casados", completou.

O UOL entrou em contato com a defesa da primeira-dama Helena Witzel, mas não obteve resposta. Na ocasião do cumprimento de mandado de busca nos endereços do casal, a primeira-dama negou irregularidades.

A reportagem não conseguiu localizar os advogados de Lucas Tristão.

Operação Tris in Idem

A operação deflagrada pelo MPF (Ministério Público Federal) e pela Polícia Federal, batizada como Tris in Idem, resultou no afastamento de Witzel por 180 dias e na prisão do Pastor Everaldo, presidente nacional do PSC e apontado pelas investigações como um dos articuladores do esquema de corrupção na saúde do Rio.

Foram realizadas buscas também no apartamento do vice-governador Cláudio Castro (PSC), que agora assume provisoriamente o comando do estado.

De acordo com a PF, foram cumpridos 12 mandados de prisão (sendo três contra alvos que já estavam presos) e 83 mandados de busca e apreensão.