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Os vaivéns de Bolsonaro com a ciência ao longo da pandemia de covid-19

O presidente Jair Bolsonaro com uma caixa de cloroquina, na cerimônia de posse do ministro Eduardo Pazuello - Frederico Brasil/Futura Press/Estadão Conteúdo
O presidente Jair Bolsonaro com uma caixa de cloroquina, na cerimônia de posse do ministro Eduardo Pazuello Imagem: Frederico Brasil/Futura Press/Estadão Conteúdo

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

21/10/2020 19h40

Declarações contrárias à ciência dadas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se tornaram uma marca nos últimos meses. Antes mesmo do registro de mortes por causa do novo coronavírus no país, ele já menosprezava a gravidade da covid-19 e da pandemia.

O UOL buscou falas do presidente que podem ser contestadas com argumentos científicos.

Se no início era a negação da gravidade, com o avanço da covid-19 ele atacou o isolamento social e as máscaras e glorificou a cloroquina e a hidroxicloroquina, substância que não tem eficácia comprovada contra a doença.

'Povo brasileiro não será cobaia'

Nesta quarta-feira (21), Bolsonaro voltou a polemizar ao dizer que não iria comprar a "vacina chinesa" —referindo-se à CoronaVac, desenvolvida pela farmacêutica Sinovac, da China, em parceria com o Instituto Butantan, ligado ao governo paulista. Ele argumetou, em suas redes sociais, que o Brasil não iria ser "cobaia" ao comprar um vacina que não tem eficácia comprovada.

Para o meu governo, qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população, deverá ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa. O povo brasileiro não será cobaia de ninguém. Não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem. Diante do exposto, minha decisão é a de não adquirir a referida vacina.

Ao publicar esse post, Bolsonaro se contradisse, pois, em 6 de agosto, assinou uma MP (Medida Provisória) que libera R$ 1,9 bilhão para produção, compra e distribuição de 100 milhões de doses da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com o laboratório Astrazeneca. No Brasil, a pesquisa sobre esse imunizante é liderada pela Fiocruz.

Mais tarde, em agenda interior de São Paulo, o presidente disse que "toda e qualquer vacina está descartada", completando que "não abre mão" da sua autoridade.

Antes disso, ele já havia alegado que a vacina deve ser algo opcional entre os brasileiros, e não obrigatória, contrariando decreto de calamidade pública pela pandemia e defesa dos especialistas (que acreditam na imunização em massa como forma de controlar a pandemia).

Negando a gravidade

Em 10 de março, quando o país ainda registrava seus primeiros casos, mas sem mortes, Bolsonaro discursou ao lado presidente dos EUA, Donald Trump, em Miami, e minimizou os danos da epidemia.

"Muito do que tem ali é muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propaga", disse.

Dez dias depois, quando estava com suspeita de ter contraído o novo coronavírus, voltou a minimizar a doença.

Depois da facada, não vai ser gripezinha que vai me derrubar, não. Tá ok?

Em meio a uma alta acelerada no número de casos, e quando especialistas alertavam para a necessidade de controle da epidemia no país, em 12 de abril ele fez videoconferência com líderes religiosos e afirmou que a pandemia estaria indo embora.

Parece que está começando a ir embora essa questão do vírus.

Com ainda mais casos e mortes, Bolsonaro começou a defender que não era possível evitar a proliferação do vírus. Em nove de maio, em passeio de jetski em Brasília, por exemplo, afirmou que "70% vai pegar o vírus, não tem como", ao questionar medidas de contenção.

Isolamento e máscara foram alvos

Com a pandemia instalada e as primeiras mortes no país, Bolsonaro partiu para o ataque contra os decretos de isolamento social. No dia 24 de março, o presidente fez um pronunciamento que causou perplexidade ao pedir a reabertura das cidades e atacar governadores e prefeitos que adotaram medidas para evitar que as pessoas saíssem de casa.

Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa.

Quando o país já se aproximava de 150 mil mortes, em 1º de outubro, ele voltou a criticar governadores e prefeitos afirmando que defendia o isolamento vertical, ou seja, que apenas idosos e pessoas com comorbidades.

"Sempre falei: não tem de fechar nada, não tem prender ninguém em casa. Temos de zelar dos mais idosos, dos mais passíveis a ter um problema mais grave. Fora isso, tínhamos de trabalhar."

Outro alvo reiterado do presidente durante a pandemia foi o uso de máscara, que comprovadamente reduzem a possibilidade de contaminação e, no caso de infecção, reduz a carga viral e a chance da doença tornar-se grave.

Sempre que aparecia em público, Bolsonaro fazia questão de não usar o equipamento de proteção. Em 19 de agosto, não só não usou, como "revogou" todas as evidências ao dizer que a eficácia das máscaras era "quase nula."

Antes, em julho, chegou a dizer que o objeto seria "coisa de viado."

A mágica cloroquina

Copiando o presidente Donald Trump, Bolsonaro insistiu em exaltar a cloroquina e a hidroxicloroquina como medicamentos eficazes contra a covid-19. Como demonstraram diversas pesquisas pelo mundo, a droga não tem eficácia e ainda pode causar reações adversas no pacientes com esta doença.

Nenhum estudo convenceu o presidente, que chegou a mudar de ministro da Saúde para que a cloroquina fosse colocada no protocolo oficial de tratamento da covid-19.

Uma das falas mais marcantes ocorreu em 13 de agosto, quando ele disse que muitas das mortes ocorreram por conta do não uso da droga.

"Muitos médicos defendem esse tratamento e sabemos que mais de 100 mil pessoas morreram no Brasil que, caso tivessem sido tratadas lá atrás com esse medicamento poderiam essas vidas (sic) terem sido evitadas", afirmou, confundindo a palavra vida por mortes.

Em 1º de outubro, também disse em discurso que "Deus foi abençoado e nos deu a cloroquina". Em seguida, foi aplaudido aos gritos de "mito", em São José do Egito (PE).

Eu não sou médico, mas sou ousado como cabra da peste nordestina. Nós temos de usar uma solução para os nossos problemas, e ela apareceu.

Hoje, o presidente voltou a defender o uso do medicamento —mesmo criticando os protocolos de intenção de compra das vacinas contra covid.

A vacina tem que ter uma comprovação científica, diferentemente da hidroxicloroquina, posso falar sobre isso, tem que ter sua eficácia. Não pode inalar (quis dizer inocular) algo em uma pessoa e o malefício ser maior do que o benefício, apenas isso.