Topo

Caso Queiroz: O que o MP sabe sobre a ex-assessora que admitiu rachadinha

Antenas de celular indicam assessoras fantasmas de Flávio Bolsonaro, diz MP - ADRIANO MACHADO
Antenas de celular indicam assessoras fantasmas de Flávio Bolsonaro, diz MP Imagem: ADRIANO MACHADO

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

05/11/2020 09h40

Investigação do MP-RJ (Ministério Público do Rio) revelou que a ex-assessora de Flávio Bolsonaro (Republicanos) na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) que admitiu ter devolvido 90% dos seus salários a Fabrício Queiroz entre 2011 e 2017 foi orientada a adulterar provas para atrapalhar as investigações. O depoimento de Luiza revelado pelo jornal O Globo aconteceu cerca de três meses após a promotoria revelar fraudes nos registros de ponto da Alerj em investigação que embasou a prisão de Queiroz.

Com base no rastreamento do celular dela, a investigação constatou que Luiza Souza Paes, apontada pela promotoria como "funcionária fantasma", só esteve três vezes nas imediações da Alerj entre dezembro de 2014 e novembro de 2017. Antes de Luiza admitir a rachadinha, o MP-RJ já havia verificado com base em quebras de sigilos que ela repassou mais de R$ 155 mil a Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio acusado de ser o operador financeiro do esquema, em datas próximas aos pagamentos.

A extração de dados do celular de Luiza permitiu ao MP-RJ rastrear diálogos dela com o pai, Fausto Antunes Paes. Em janeiro de 2019, ela encaminhou ao pai uma mensagem de áudio atribuída ao advogado Luiz Gustavo Botto Maia, que representava Flávio Bolsonaro na época. O defensor orientou Luiza a obstruir provas, segundo o MP-RJ.

Os promotores dizem que Botto Maia articulou com um funcionário da Alerj para que Luiza assinasse o registro do ponto para impedir que a Justiça comprovasse que ela era funcionária fantasma.

Boa tarde, Luiza. Tudo bem? Deixa só eu te falar. Esse 'print' aí que eu te mandei é de um cara que tá tentando falar contigo lá da Alerj. Esse é, pô, tranquilo. Parece que tem alguma coisa tua lá que tu tem que assinar, alguma coisa lá da Alerj que tá com uma pendência lá de 2017, que eles estão vendo agora e pediram seu telefone. Eu acabei, dei agora há pouco e acabei esquecendo de te avisar

Mensagem de áudio atribuída pelo MP-RJ ao advogado Luiz Gustavo Botto Maia

Em 21 de janeiro de 2019, Fausto entra em contato com uma funcionária da Alerj a quem ele se refere como Pequena para confirmar a assinatura do ponto. Segundo o MP-RJ, trata-se de Alessandra Esteves Marins, outra ex-assessora do então deputado estadual Flávio Bolsonaro.

"Pequena, estão ligando da Alerj para Luiza. Dizendo que ele [sic] tem que assinar algumas coisas que ela não assinou. Confere isso?", perguntou.

"O rapaz foi lá conversar comigo. É isso mesmo, ficou uma pendência lá", respondeu Alessandra.

Mais tarde, Luiza contou ao pai que foi informada por Botto Maia de que Alessandra teria recebido pedidos de jornalistas, que queriam ter acesso ao ponto dos funcionários.

"Oi, pai. O Gustavo me ligou agora. Ele falou que foi levantar a situação, né? (...). Parece que os jornalistas começaram a perturbar o juízo aí eles foram levantar o meu ponto e parece que tá faltando alguma informação, eu não sei. Parece que é falta de algum ponto que não tá assinado. Aí ele supostamente está querendo ajudar antes de entregar isso pra jornalista. Só que eu não lembro de não ter assinado algum ponto, entendeu?", disse Luiza.

Fausto então se propôs a buscar o livro de ponto para que a filha assinasse em casa. Em diálogos com seu namorado no mesmo dia, ela comentou que o livro de ponto não poderia sair da Alerj e acabou revelando que, na época em que atuava como "funcionária fantasma", se deslocava pessoalmente ao órgão para assinar os pontos.

No dia 24 de janeiro de 2019, Luiza compareceu à Alerj e se encontrou com um servidor para assinar o ponto. Com isso, segundo o MP-RJ, foram adulteradas provas dos crimes de peculato com informações falsas em documentos públicos relativos a 2017 "com a clara finalidade de embaraçar as investigações".

A articulação para fraudar os registros de controle de ponto na Alerj foi desencadeada por requerimento feito pela reportagem do UOL com base na LAI (Lei de Acesso à Informação). Em 10 de dezembro de 2018, a reportagem solicitou acesso às folhas de ponto de Luiza.

Combinação de versão falsa com Queiroz, diz MP

Em dezembro de 2018, Luiza falou com seu pai sobre um encontro marcado com Queiroz para combinar uma versão falsa, caso ela fosse chamada para prestar depoimento.

No dia 12 daquele mês, Luiza citou reportagens publicadas sobre o caso. "Acho que vou precisar conversar com o seu chefe sim", respondeu Fausto, referindo-se a Queiroz. "Deixa passar essa semana para ver. Eu vou passar um áudio aqui pro Queiroz, perguntar para ele ver lá com aquele advogado lá qual é a melhor atitude a tomar. Entendeu? Depois eu te falo", completou.

Dois dias depois, Fausto pediu para que a filha levasse seus extratos bancários para combinar com Queiroz uma versão falsa de que se trataria dos pagamentos de uma suposta dívida.

Olha só, vê se você consegue levar esses extratos para casa hoje, se você conseguir. Que eu queria dar uma trabalhada neles na segunda-feira, quando eu chegar do trabalho, que é pra mim [sic] conversar com o Queiroz antes dele depor no dia 19. Entendeu? Pra mim [sic] aproximar mais ou menos o valor que ele recebeu, né? Com o que eu devia a ele, né? Para que ele não fale um valor que não fique próximo com o que a gente pagou

Fausto Paes, pai de Luiza, em mensagem pelo WhatsApp obtida pelo MP-RJ

Em 17 de dezembro de 2018, Luiza disse ao pai ter recebido uma intimação do MP-RJ e pediu por orientação. "Oi pai. Tô. Eu acabei de chegar em casa. Minha mãe falou aqui da intimação que recebi. E aí, o que é pra fazer?, perguntou.

O que dizem os suspeitos

Por meio de nota, a defesa de Luiza Souza Paes informou que não foi notificada do oferecimento de denúncia e que, portanto, desconhece seu conteúdo. "Não é possível tecer qualquer tipo de comentário extra-autos sobre as fases da investigação", disse o advogado Caio Padilha.

Em nota, a defesa do senador Flávio Bolsonaro voltou a afirmar que o parlamentar não cometeu irregularidades e que desconhece operações financeiras entre ex-servidores da Alerj.

"A defesa garante ainda que todas as contratações feitas pela Alerj, até onde o parlamentar tem conhecimento, seguiam as regras da Assembleia Legislativa. E que qualquer afirmação em contrário não passa de fantasia e ficção."

Questionada sobre o teor do depoimento dado pela ex-assessora que teria admitido envolvimento em suposto esquema de rachadinha, a defesa de Queiroz disse não ter tido acesso ao conteúdo e voltou a dizer que o ex-assessor é inocente. "É ainda mais importante lembrar que sua versão não tem valor probatório", diz.

O UOL telefonou nesta quarta-feira reiteradas vezes para o advogado Botto Maia, mas ele não atendeu. Na ocasião em que as suspeitas de adulteração do ponto da Alerj foram reveladas, o advogado não se manifestou.