Familiares de Beira-Mar ocupam cargos públicos há mais de 10 anos no RJ
Resumo da notícia
- PF apurou que parentes ocuparam cargos na Câmara de Duque de Caixas
- Vereadores empregaram parentes de Beira-Mar por apoio do CV, diz PF
- Eles negaram relação com Beira-Mar e responsabilidade por nomeações
Primeira suplente do MDB na Câmara Municipal de Duque de Caxias (RJ), a dentista Fernanda Costa, filha do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, assumiu o cargo de vereadora no início do ano. Investigação da Polícia Federal obtida pelo UOL mostra que outros parentes de Beira-Mar já ocuparam cargos na Câmara em gabinetes de quatro vereadores.
Ao todo, as remunerações de nove familiares e de uma ex-contadora —apontados como funcionários fantasmas pela Polícia Federal— somaram R$ 1,2 milhão entre 2010 e 2017. A investigação diz que, em troca de apoio e liberação de campanha em favelas dominadas pelo CV (Comando Vermelho) em Caxias, os vereadores empregavam pessoas ligadas ao traficante, preso desde 2001 —atualmente, no Presídio Federal de Mossoró.
Entre os quatro vereadores, dois conseguiram se eleger no ano passado —Ailton Abreu Nascimento, o "Chiquinho Caipira" (DEM), e Maria Landerleide de Assis Duarte, a Leide Amiga de Caxias (Republicanos). Eles alegaram à PF que empregaram pessoas indicadas por membros da campanha.
Os outros dois vereadores Carlos Alberto Oliveira do Nascimento, o Carlos de Jesus, —eleito em 2008 e 2012 pelo MDB e, em 2016, pelo PDT— e Margarete Conceição de Sousa, a Gaete, —eleita em 2008 pelo DEM e, em 2012, pelo PSD— relataram à PF que não tinham ciência da ligação dos funcionários com Beira-Mar.
Carlos de Jesus e Gaete morreram em junho de 2020 e fevereiro de 2019, respectivamente. As causas das mortes não foram reveladas.
Consultada pelo UOL, a Seap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio) informou que ao menos quatro dos parentes de Beira-Mar têm passagem pelo sistema penitenciário fluminense —não foram informados detalhes dos processos criminais.
Jean Oliveira, sobrinho de Beira-Mar, por exemplo, encontra-se em liberdade desde dezembro de 2012 —a investigação da PF indica contudo que, neste mesmo mês, ele estava nomeado em gabinete da Câmara de Caxias. Já a irmã do traficante Débora Teixeira foi nomeada apenas três meses após ganhar a liberdade, em março de 2012.
Investigação para apurar suposto peculato
O delegado da PF Leonardo Marino Gomes dos Santos instaurou o inquérito em junho de 2017 para apurar o crime de peculato que supostamente ocorreu "em razão da contratação de parentes do investigado" Fernandinho Beira-Mar na Câmara dos Vereadores de Duque de Caxias.
A investigação começou após análises de bilhetes apreendidos com Beira-Mar e seus visitantes no presídio federal de Porto Velho (RO), além de imagens e áudios de conversas virtuais mantidas em parlatórios, sobretudo com sua mulher.
No princípio, identificou-se apenas citações a um local denominado 'Prefeitura'. Porém, com o avançar das investigações foi possível se descobrir que a dita 'Prefeitura' se trata, na verdade, da Câmara Municipal de Duque de Caxias, local onde diversos familiares do traficante foram nomeados para ocuparem cargos públicos em comissão
Trecho de relatório da PF
Em junho de 2018, a investigação foi remetida ao MPF (Ministério Público Federal) e ao MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), sob a justificativa de que competência do caso não é federal.
Já o MP-RJ, procurado desde quarta-feira (20), afirmou que esperava retorno da Procuradoria de Justiça Penal de Duque de Caxias para informar sobre o andamento do caso.
Procurados, o TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio) e a Justiça Federal do Rio afirmaram não ter encontrado o processo buscando pelo nome do traficante.
Funcionários fantasmas
De acordo com a investigação, os parentes de Beira-Mar eram "verdadeiros 'funcionários fantasmas'".
Em troca da liberação de acesso e campanha, os vereadores assumiam o compromisso de nomear em seus gabinetes diversos familiares e pessoas indicadas por Beira-Mar para ocuparem cargos públicos, sem que fosse necessário, entretanto, a contra prestação efetiva do serviço prestado
Trecho de relatório da Polícia Federal
Beira-Mar responsabilizado
A PF também responsabilizou Beira-Mar pelas nomeações. Em 2019, em entrevista à RecordTV, ele disse ter parentes empregados na Câmara há mais de três décadas em esquema semelhante ao revelado pela investigação.
Você [candidato] só entra [na favela] se tiver um conhecimento que te leve lá dentro. Depois que você é eleito, você tem que manter sua base de apoio. Você escolhe uma pessoa da comunidade e dá um cargo para aquela pessoa. Nós somos envolvidos com política há mais de 40 anos. A minha família trabalha na Câmara há mais de 30 anos.
Fernandinho Beira-Mar
Outro lado
A defesa de Beira-Mar informou ao UOL que seu cliente e família não têm interesse de comentar o assunto, e que não está autorizada a falar sobre suas alegações no inquérito.
A reportagem procurou os gabinetes de Chiquinho Caipira e Leide no dia 19 de janeiro. Foi então solicitado que um e-mail fosse encaminhado, mas até esta publicação não houve resposta. O posicionamento dos vereadores será incluído, se enviado ao UOL.
Parentes de Carlos de Jesus e Gaete —que morreram em 2020 e 2019, respectivamente— não foram localizados.
Chiquinho Caipira afirmou em depoimento à PF, em julho de 2017, que os funcionários de seu gabinete haviam sido "indicados por pessoas que colaboraram com sua campanha política por exercerem ou desenvolverem algum tipo de trabalho dentro de comunidades em Duque de Caxias".
Ele disse que todos seus funcionários mencionados foram indicados pelo então candidato Carlinhos Vanderlei, que é ex-marido de Alessandra da Costa, irmã de Beira-Mar. Mas afirmou não saber sobre o parentesco e que nunca teve nenhum tipo de contato com o traficante.
Também em depoimento à PF, Leide afirmou que escolhia seus funcionários pessoalmente, com critérios de seu relacionamento e confiança, mas que parte dos escolhidos eram do partido.
Ela disse que não sabia que Thuany era filha de Beira-Mar, que nunca teve contato com o traficante e que ela foi exonerada após faltar no serviço durante um mês. Sobre Nicole Monteiro, nora de Beira-Mar, ela afirmou que foi exonerada a pedido, por incompatibilidade de horário.
O inquérito da PF não transcreve os depoimentos de Carlos Jesus e Gaete, apenas diz que ambos relataram não saber da relação de seus funcionários com o traficante e que eles haviam sido indicados por integrantes das campanhas.
A Câmara Municipal de Duque de Caxias não se manifestou sobre o assunto. À PF, a Casa se colocou "à disposição para quaisquer esclarecimentos".
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