Deputado, secretário, prefeito. Bruno Covas, 41, que morreu hoje em decorrência de um câncer, saiu do berço do PSDB, fundado pelo avô Mario Covas, e dedicou toda sua vida adulta à política, com ingresso na Juventude Tucana aos 18 anos e primeira candidatura eleitoral aos 24 anos, para vice-prefeito de Santos (SP), em 2004.
De lá para cá, passou pelo Palácio dos Bandeirantes como secretário do Meio Ambiente do governo Geraldo Alckmin (PSDB), pela Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), pela Câmara dos Deputados, até chegar ao Banespinha, sede da prefeitura paulistana, em 2018, no lugar de João Doria (PSDB).
Nos 23 anos de vida público-partidária, posicionou-se sempre ao centro, às vezes mirando à direita, às vezes à esquerda, mas com uma imagem predominante de moderação. Como prefeito, não fez uma gestão com marcas caricatas, mas deixará um legado de seriedade.
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DNA de político
Nascido e criado na política, Covas cresceu ouvindo particularmente o avô Mário Covas, com quem morou em São Paulo. Além das histórias, não era incomum encontrar presencialmente figuras do partido então no Planalto, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e os ex-ministros José Serra e Luiz Carlos Bresser-Pereira.
O Bruno herdou o que o [sociólogo] Pierre Bourdieu chama de 'capital cultural' de uma política que era discutida na sala de casa com o avô. Ligado desde a infância ao PSDB, ele aprendeu com a antiga política, feita com P maiúsculo. É o viver para a política, não dela.
Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Para Prando, essa ligação fez com que ele "não pulasse etapas" e aprendesse a lidar com diferentes equipes, o que acabou impactando diretamente no seu perfil como chefe do Executivo.
"A trajetória dele é de quem conheceu os meandros do partido. Não só na família, mas da máquina partidária, passando pelo secretariado e pelo Poder Legislativo. Isso o tornou um prefeito muito mais aberto à conversação, tanto com a Câmara Municipal quanto com sua equipe", avalia o cientista político.
Bem ao centro
Membro da ala tucana "Esquerda pra Valer" quando jovem, na Alesp, Covas defendia ferrenhamente as propostas do governo Alckmin, mesmo as mais alinhadas à direita, e em Brasília foi um dos grandes entusiastas do impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016.
Como prefeito, diminuiu as críticas à esquerda e se postou contra as posições mais radicais do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), embora tenha ido visita-lo em Brasília em 2019. Se os analistas discordam se sua prática política estava inclinada mais à direita ou à esquerda, é um consenso de que ele era um representante do centro.
Poucas pessoas foram tão emblematicamente representativas deste comentado espaço do centro no sentido político-ideológico como Covas. Ele era uma das melhores e mais acabadas expressões deste centro na atualidade.
Antonio Lavareda, sociólogo e cientista político
Para Lavareda, o centro não significava um "murismo", mas uma postura "afirmativa e caracterizada pela moderação, sem os arroubos do radicalismo", que lembrava a origem do PSDB no final dos anos 1980, majoritariamente com figuras de centro-esquerda.
"Ele representava um aggiornamento [atualização] dos tucanos originais, era mais contemporâneo. Seguia com uma preocupação social e pelo meio ambiente, com política econômica liberal e mais ligado ao mundo globalizado", avalia Lavareda.
Já Claudio Couto, coordenador do mestrado em Gestão e Política da FGV-SP, diz que a centro-direita "o descreve bem", pois ele estaria mais à esquerda das figuras de destaque do PSDB hoje, mas mais à direta no tabuleiro político brasileiro.
Pode-se dizer que todo o PSDB foi para essa direção [à direita], com figuras como o [governador de São Paulo] João Doria e o presidente [do partido] Bruno Araújo. Ele [Covas] não era como outros políticos jovens conservadores, tipo do Novo. Se posicionou contra Bolsonaro, em especial na área da cultura, mas também não estava mais à esquerda, como os tucanos antigos.
Claudio Couto, cientista político da FGV-SP
A marca da moderação
Bruno Covas não era de falar alto. Em meio ao agitado cenário político brasileiro, seu jeito menos chamativo foi adotando ares de moderação ao longo dos anos —o que contribuía para a imagem centrada do prefeito, mas que, muitas vezes, também o fazia passar despercebido.
"Antes de ser prefeito, suas atuações tiveram pouco destaque, apesar de ter liderado CPIs [Comissões Parlamentares de Inquérito]", afirma Marco Antônio Teixeira, professor da FGV-SP. Em 2014, ele presidiu a CPI dos Pedágios, na Alesp, que investigava o governo Alckmin, do qual havia sido secretário. A comissão não teve muito destaque.
Sua projeção nacional veio com o enfrentamento da covid-19, a imagem de alguém que lutava contra sua doença e que enfrentava outra que assola a sociedade ficou marcada e certamente teve peso na sua reeleição.
Marco Antônio Teixeira, professor da FGV-SP
Em política, ser mais reservado é uma coisa que o deixava de alguma forma mais escondido, mas acredito que seja mais um traço de personalidade do Covas. Não creio que se trate da figura do tucano em cima do muro.
Claudio Couto, cientista político da FGV-SP
No Executivo, abandonou de vez a postura jocosa que ganhou destaque durante o impeachment de Dilma, deixando de se envolver em polêmicas —algo que, de cara, distanciou sua imagem de Doria, com quem compôs a chapa em 2016.
"Uma diferença muito forte entre ele e o Doria é que Covas era muito discreto, e o Doria, muito chegado a uma exposição", afirma Teixeira.
Sem legados como prefeito
Covas assumiu a Prefeitura de São Paulo em abril de 2018, quando Doria foi para o governo estadual, com um discurso voltado à área social e ao meio ambiente. Em 2021, reeleito, adicionou aos tópicos ainda a gestão da saúde pública, com críticas ao "negacionismo na ciência".
Desses três anos, ele deixa a prefeitura com pinceladas de construtor, mas sem grandes legados. Em 2020, ano eleitoral, transformou a cidade em um canteiro de manutenção de calçadas e ruas. Também acabou 12 CEUs (Centros Educativos Unificados) que estavam parados desde 2015 e transformou o Largo do Anhangabaú em uma área concretada de multieventos.
Se avaliarmos em termos de feitos em seu governo, não existiu uma marca concreta da gestão Bruno Covas que o projetasse nacionalmente. Este segundo mandato teria essa função, mas, enquanto a pandemia persistir, é o principal ponto da agenda qualquer gestor que de fato se ocupa em preservar a vida e a saúde das pessoas.
Marco Antônio Teixeira, professor da FGV-SP
"Fica um prefeito de centro-direita que teve um papel importante do ponto de vista da democracia ao se contrapor ao governo federal, mas sem uma marca muito distintiva. É um prefeito que talvez não vá ser lembrado por nenhum grande feito, como Fernando Haddad [PT] e as ciclovias ou Paulo Maluf [PP] e suas grandes construções", concorda Couto.
Prando avalia que, se não físico, o legado que fica, em especial após a reeleição, é do posicionamento de uma figura pública séria que, com os anos, poderia ter assumido "o papel central" do PSDB para o Planalto.
Um gestor sem envolvimento com corrupção, que venceu [a reeleição] como ele venceu, dialogando democraticamente, como também fez o [adversário do PSOL, Guilherme] Boulos. É essa imagem que fica da sua vida pública. Ele fez o papel dele, cumpriu suas tarefas com honra.
Rodrigo Prando, professor do Mackenzie
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