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CPI: 'Tratamento precoce é discussão delirante', diz ex-secretária

Andréia Martins e Hanrrikson de Andrade*

Do UOL, em São Paulo e Brasília

02/06/2021 11h20Atualizada em 02/06/2021 15h43

A médica infectologista Luana Araújo classificou como "delirante, esdrúxula, anacrônica e contraproducente" a discussão sobre o tratamento precoce contra a covid-19 em depoimento à CPI da Covid no Senado Esse tipo de tratamento, com uso de medicamentos como cloroquina e hidroxicloroquina, substâncias com ineficácia cientificamente comprovada para a doença, vem sendo defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desde o início da pandemia.

Essa é uma discussão delirante, esdrúxula, anacrônica e contraproducente. Quando eu disse que há um ano atrás nós estávamos na vanguarda da estupidez mundial, eu, infelizmente, ainda mantenho isso, nós ainda estamos aqui discutindo uma coisa que não tem cabimento. É como se a gente estivesse escolhendo de que lado da borda da terra plana a gente vai pular."
Luana Araújo

Pouco depois, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) questionou médicos que prescrevem medicamentos não comprovados para o tratamento precoce "devem ser chamados de charlatões". A isso, a ex-secretária respondeu:

"Eu reconheço o sacrifício e esforço de todos os meus colegas. Mas infelizmente também reconheço a falta de informação que eles têm para embasar esse tipo de situação que foi repassado ao senhor, com todo o respeito do mundo. Existem revisões sistemáticas importantíssimas, de um grupo chamado Cochrane, que fala exatamente sobre os tratamentos, todos que têm sido analisados", afirmou.

Ninguém está deixando de analisar uma saída, as pessoas estão buscando soluções dentro de tudo que é possível, porque todos os países do mundo sofreram terrivelmente, tanto em termos de população quanto em termos de economia, quanto em termos de expectativa futura. Todo mundo quer uma saída. Infelizmente, com muita dor, devo dizer que meus colegas não estão com embasamento correto para responder sobre isso."
Luana Araújo

"É importante dizer que a OMS é uma instituição que busca uniformizar conhecimento para países de níveis socioeconômicos completamente diferentes uns dos outros. É relativamente natural que haja uma demora na equalização de uma informação, porque ela precisa valer para todo mundo, em todos os setores", completou.

"Se o senhor não quiser levar a OMS em consideração, é de direito, mas aí a gente vai precisar ignorar o NHS, que é o serviço de saúde britânico; a gente vai precisar ignorar o CDC, que é o Centro de Controle e Prevenção de Doenças; a gente vai precisar ignorar o FDA, o EMA, a IDSA. Porque todas essas instituições têm exatamente a mesma posição sobre o tratamento precoce."

Com todo respeito que devo aos meus colegas, infelizmente a gente precisa entender a ciência como uma coisa muito além das nossas limitações pessoais. Preciso aprender com o que as pessoas estão dizendo e ter criticidade para entender isso."
Luana Araújo

Luana Araújo foi anunciada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, como secretária de Enfrentamento à Covid. No entanto, 10 dias depois o governo informou que ela não ocuparia cargo. A infectologista havia se manifestado contra o uso da cloroquina no tratamento da covid.

Questionada pelo relator da comissão, Renan Calheiros (MDB), se ela conversou sobre tratamento precoce com Queiroga, ela afirmou que o tema "nem foi assunto" entre os dois.

"O ministro Marcelo Queiroga é um homem da ciência. Todos nós somos a favor de uma terapia precoce que existe. Quando ela não existe, ela não pode se tornar uma política de saúde pública", completou.

Questão deixou classe médica "exposta"

Para a infectologista, o debate do tratamento precoce e a recomendação de que médicos decidissem aplicar ou não os medicamentos sem eficácia comprovada colocou "pressão" na classe.

"Considero que a classe médica foi muito exposta, e exposta de uma maneira não positiva. Grande parte dela foi colocada como oposição à população, porque muita gente, no desespero da doença, passou a exigir coisas que não são do melhor interesso do paciente, e muitos médicos se sentiram coagidos a fazer x ou y. E quando a gente coloca politização no meio de um ato médico, a gente já está fazendo tudo errado", disse ela.

No depoimento, Luana reiterou a ineficácia dos tratamentos precoces. "Considero bastante temerário colocar nas costas dos médicos ao redor do país, principalmente aqueles que estão em locais com muito pouca condição técnica, condição de exercício de trabalho, a responsabilidade de usar uma medicação que não tem eficácia. E não é que não foi comprovado, não, a ineficácia está comprovada. Não é mais uma discussão", completou.

Questionada pelo senador Marcos Rogério (PDT) sobre qual tratamento é indicado para tratamento inicial da doença, Luana repetiu a inexistência de qualquer tratamento precoce eficaz contra covid-19. "Nós não temos nenhuma ferramenta farmacológica que possa ser utilizada de forma inicial, como o senhor coloca, que impeça a progressão da doença", afirmou a infectologista.

"O mundo inteiro pesquisa hoje inúmeros fármacos para lidar come esta questão que o senhor está colocando. O primeiro passo que a gente faz é testar o que já existe. Essa foi uma das razões pelas quais, por exemplo, a hidroxicloroquina foi testada. Por que ela já está aí, é barata, tem um uso bastante largo. Ah, não funcionou? Passa para outra. E é nesse ponto que estamos. Testando para ver o que funciona", completou.

*Colaboração de Ana Carla Bermúdez

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.