Topo

Esse conteúdo é antigo

Ex-secretária da Saúde: 'polarização esdrúxula' afasta bons profissionais

Andréia Martins e Hanrrikson de Andrade*

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

02/06/2021 10h50Atualizada em 02/06/2021 15h37

A infectologista Luana Araújo afirmou hoje, em depoimento à CPI da Covid, que teve dificuldade para montar uma equipe após ter sido escolhida pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para o cargo de secretária de enfrentamento à covid-19. Ela foi desligada dez dias depois, sem uma justificativa concreta.

A médica também relatou ter recebido ameaças contra a sua integridade, assim como outros profissionais da área.

Infelizmente, por tudo o que vem acontecendo, essa polarização esdrúxula, essa politização incabível, as melhores cabeças que temos nessas áreas não estavam à disposição para trabalhar nessa secretaria. Procurei dentro e fora do ministério."
Luana Araújo

Questionada pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), se os profissionais não estavam disponíveis ou não queriam integrar a equipe, ela respondeu que "as pessoas não queriam trabalhar" no ministério.

Eu abri mão de muitas coisas pela chance de ajudar o meu país. Os senhores acham que as pessoas que têm competência para ajudar o país se sentem compelidas a ajudar o país nesse momento? Não se sentem, então nós estamos perdendo."
Luana Araújo

A infectologista relatou ainda que ela e outros médicos receberam ameaças durante a pandemia.

"Nós, infectologistas, estamos recebendo ameaças desde o começo. 'Não saiam de casa', 'tomaram que você e sua mãe morram', isso é parte preponderante desde o começo. E isso é lamentável pela perda de oportunidade de educação do nosso povo". "Ameaças, eu recebi várias. A mim nesse período (na secretaria) não chegou nada."

Pouco depois, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) questionou médicos que prescrevem medicamentos não comprovados para o tratamento precoce "devem ser chamados de charlatões". A isso, a ex-secretária respondeu:

"Eu reconheço o sacrifício e esforço de todos os meus colegas. Mas infelizmente também reconheço a falta de informação que eles têm para embasar esse tipo de situação que foi repassado ao senhor, com todo o respeito do mundo. Existem revisões sistemáticas importantíssimas, de um grupo chamado Cochrane, que fala exatamente sobre os tratamentos, todos que têm sido analisados", afirmou.

Ninguém está deixando de analisar uma saída, as pessoas estão buscando soluções dentro de tudo que é possível, porque todos os países do mundo sofreram terrivelmente, tanto em termos de população quanto em termos de economia, quanto em termos de expectativa futura. Todo mundo quer uma saída. Infelizmente, com muita dor, devo dizer que meus colegas não estão com embasamento correto para responder sobre isso."
Luana Araújo

"É importante dizer que a OMS é uma instituição que busca uniformizar conhecimento para países de níveis socioeconômicos completamente diferentes uns dos outros. É relativamente natural que haja uma demora na equalização de uma informação, porque ela precisa valer para todo mundo, em todos os setores", completou.

"Se o senhor não quiser levar a OMS em consideração, é de direito, mas aí a gente vai precisar ignorar o NHS, que é o serviço de saúde britânico; a gente vai precisar ignorar o CDC, que é o Centro de Controle e Prevenção de Doenças; a gente vai precisar ignorar o FDA, o EMA, a IDSA. Porque todas essas instituições têm exatamente a mesma posição sobre o tratamento precoce."

Com todo respeito que devo aos meus colegas, infelizmente a gente precisa entender a ciência como uma coisa muito além das nossas limitações pessoais. Preciso aprender com o que as pessoas estão dizendo e ter criticidade para entender isso.
Luana Araújo

Ministro garantiu autonomia, diz ex-secretária

Luana disse ainda que "ciência não tem um lado" e relatou durante o depoimento à CPI da Covid ter ouvido do ministro Marcelo Queiroga o compromisso de que teria "autonomia" no exercício da função.

"Pleiteei autonomia, e não insubordinação e anarquia", ponderou ela, chamada a depor na Comissão Parlamentar de Inquérito na condição de testemunha.

A médica atribuiu a sua saída da secretária a um atraso, sem justificativa concreta, para publicação em Diário Oficial do ato de nomeação. Na prática, Luana esteve à frente da subpasta do ministério apenas informalmente.

"O ministro me chamou e disse que lamentavelmente minha nomeação não sairia porque meu nome não tinha sido aprovado", relatou a depoente.

Luana relatou à CPI ter ouvido de Queiroga, "de forma afirmativa e concreta", que teria autonomia para trabalhar. Indagada a respeito das razões pelas quais outras áreas do governo teriam reprovado a nomeação, ela disse não ter conhecimento desse fato.

O que o ministro me apresentou foi um projeto sólido, baseado em evidências de superação desses obstáculos no contexto brasileiro e também a necessidade de alguém técnico e competente para conduzir esse trabalho. (...) Explicitei a ele, aceitaria o convite para essa posição se me fossem garantidas a autonomia necessária e sempre, sempre fossem respeitadas a cientificidade e tecnicidade."
Luana Araújo

A médica elogiou as tratativas com Queiroga e defendeu que "ciência não tem lado".

Ciência não tem lado. Ciência é bem ou mal feita. Ciência é ferramenta de produção e conhecimento para servir a população priorizando a vida e a qualidade de vida."
Luana Araújo

O atual ministro da Saúde será chamado a depor novamente (em audiência marcada para o dia 8 de junho) e, de acordo com os membros da CPI já adiantaram, deve ser confrontado com as informações fornecidas por Luana.

*Colaborou Ana Carla Bermúdez

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.