'Cloroquina só funciona no tubo de ensaio', diz Natalia Pasternak
Em depoimento à CPI da Covid, a microbiologista Natalia Pasternak afirmou hoje que, segundo evidências científicas, a cloroquina só funciona quando testada em tubo de ensaio.
De acordo com a especialista, o medicamento, do qual o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é entusiasta, já foi amplamente testado. Ficou comprovado, no entanto, que ele não tem eficácia no tratamento dos sintomas do coronavírus.
"Esses medicamentos não servem para covid-19 de acordo com as evidências científicas coletadas até agora", declarou ela.
O debate sobre a prescrição ou não de cloroquina e hidroxicloroquina é um dos pontos de interesse dentro do escopo de investigação da CPI. Desde o início da pandemia, entre fevereiro e março do ano passado, Bolsonaro tem tentado encontrar um medicamento supostamente eficiente contra a covid-19 para transformar em política pública.
Além da cloroquina e hidroxicloroquina, o governo já investiu em pesquisas quanto ao uso de nitazoxanida —substância que também se revelou ineficaz e foi abandonada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.
Outros fármacos como ivermectina e azitromicina também fazem parte do chamado "kit covid", conjunto de medicamentos que o Ministério da Saúde tentou propagar durante a pandemia e são defendidos até hoje nas manifestações públicas do presidente.
"Como a gente investiga se um medicamento funciona para uma doença ou não? A primeira coisa é ver se existe plausibilidade biológica. Existe mecanismo celular biológico que o fármaco pode agir nessa doença? Pode impedir a entrada do vírus na célula ou a sua replicação?", explicou Natalia.
No caso da cloroquina, infelizmente, ela nunca teve plausibilidade biológica para funcionar. O caminho pela qual ela bloqueia a entrada do vírus na célula só funciona em vitro, em tubo de ensaio porque nas células do trato respiratório o caminho é outro."
Natalia Pasternak, microbiologista
O próximo passo, segundo disse a depoente aos senadores, seria examinar a probabilidade do fármaco funcionar. "A cloroquina já foi testada e falhou para várias doenças provocadas por vírus como zika, dengue, chikungunya, o próprio sars, aids, ebola, nunca funcionou. Então também não tem grande probabilidade de funcionar [contra o novo coronavírus]".
Natalia afirmou que histórias de pessoas que usaram a cloroquina contra a covid-19 não podem ser usadas como evidências científicas.
"Não interessa quantas pessoas você conhece que usaram a cloroquina e se curaram. Isso não se transforma em evidência científica, precisa ser investigado porque a correlação não é a mesma coisa de causa e efeito. Correlação são coisas que acontecem ao mesmo tempo e, de repente, suscitam perguntas a serem investigadas, mas não uma resposta".
A cloroquina já foi testada em tudo, animais, humanos, só não testou em emas porque as emas fugiram.
Natalia Pasternak
Segundo a microbiologista, foram feitos muitos estudos da cloroquina para o tratamento da covid-19 por pressão popular e política. Em teste usando células de rim de macaco, o medicamento conseguiu bloquear a entrada do vírus em células genéricas, mas, ela explica, o novo coronavírus usa "um caminho diferente" até as células do trato respiratório.
Natalia também diz que foram feitos estudos até para o tratamento precoce, mas não foi demonstrada eficácia científica.
"Isso é negacionismo, não é falta de informação. Negar a ciência e usar o negacionismo em políticas públicas não é falta de informação, é mentira. No caso triste do Brasil, é uma mentira orquestrada pelo governo federal e pelo Ministério da Saúde e essa mentira mata porque leva pessoas a comportamentos irracionais, que não são baseados em ciência."
PNI é 'pífio', diz ex-diretor da Anvisa
Também ouvido na audiência, o médico sanitarista e ex-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) Claudio Maierovitch disse considerar que o PNI (Plano Nacional de Imunização) é "pífio". A execução do PNI é de responsabilidade do Ministério da Saúde.
"O plano de imunização que tivemos é um plano pífio, que não entra nos detalhes necessários para um plano de imunização que deve existir no país. Não tivemos critério homogêneos definidos para o Brasil inteiro de forma que ficou a cargo de cada estado e município definir seus critérios."
"Pode parecer democrático, mas frente a uma epidemia dessa natureza e escassez de recursos que temos, deixa de ser democrático para produzir iniquidades."
Maierovitch também criticou a falta de um plano para aquisição de imunobiológicos. "Assistimos estarrecidos um desestímulo oficial a que um grande laboratório nacional assumisse a produção de vacinas", disse em referência ao Instituto Butantan, que produz a CoronaVac no Brasil. "Certamente o cenário seria diferente se houvesse uma busca por imunizantes e acordo para a produção nacional".
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