Canais que estimularam atos antidemocráticos receberam R$ 5,6 mi do YouTube
Levantamento do UOL com base em informações compiladas pelo MPF (Ministério Público Federal) mostra que 12 canais de extrema-direita que incentivaram atos antidemocráticos e publicaram vídeos atacando o STF (Supremo Tribunal Federal) e o Congresso Nacional arrecadaram em dois anos mais de R$ 5,6 milhões com monetização no YouTube (pagamentos feitos pelo Google a canais que exibem anúncios, de acordo com a audiência deles).
A informação consta em petição assinada no dia 4 deste mês pelo subprocurador da República Humberto Jacques de Medeiros e encaminhada ao ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do inquérito que apura atos antidemocráticos.
De acordo com Medeiros, a monetização de canais pela publicação de vídeos que incentivam atos antidemocráticos pode configurar crimes previstos em três artigos da Lei de Segurança Nacional —eles criminalizam a propaganda de "processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social' e a tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes da União ou dos estados.
O subprocurador da República pediu a Alexandre de Moraes que essa investigação seja remetida à Justiça Federal.
Medeiros afirma que, segundo as investigações da Polícia Federal, é possível perceber que tanto os canais, quanto o próprio Google —empresa responsável pelo YouTube— tiveram "um lucro expressivo" com a "monetização de conteúdo antidemocrático".
O MPF não vê dolo dos responsáveis pelo YouTube, mas diz que eles "não gozam de imunidade diante da persecução penal". Contudo, destaca que eventuais responsabilidades "deixaram de ser investigadas" pela PF.
Os canais
Três canais com milhões de inscritos no YouTube concentraram grande parte do valor distribuído pelo Google, segundo dados recolhidos pela PF.
Eles atuam abertamente em apoio a Jair Bolsonaro, publicando com frequência ataques a adversários políticos do presidente. Segundo o MPF, atacaram instituições e incentivaram no ano passado manifestações pautadas pelo fechamento do Congresso e do STF.
O canal que mais arrecadou foi o Folha Política, com 2,44 milhões de inscritos. Sozinho, embolsou entre junho de 2018 a maio de 2020 quase R$ 2,5 milhões com monetização no YouTube, de acordo com a cotação do dólar de segunda-feira (14).
Em seguida vem o Foco do Brasil —canal com 2,59 milhões de inscritos que, segundo as investigações, recebia sistematicamente conteúdo produzido pelo assessor da Presidência Tercio Arnaud Tomaz, líder do chamado "gabinete do ódio". O Foco do Brasil recebeu R$ 1,55 milhão entre março de 2019 e maio de 2020.
Já o canal Giro de Notícias —que possui 1,26 milhão de inscritos— arrecadou pouco mais de R$ 1,1 milhão entre dezembro de 2018 e maio de 2020.
De acordo com o MPF, em julho de 2020, após a Operação Lume mirar influenciadores bolsonaristas envolvidos em atos antidemocráticos, diversos canais começaram a deletar vídeos contra o STF e o Congresso.
O Giro de Notícias foi um dos que mais adotaram essa estratégia. "Menos de um ano depois, em fevereiro de 2021, Alberto Junio da Silva, do canal 'O Giro de Notícias', já havia apagado 1.398 vídeos, a maior parte deles relacionados a ataques contra Supremo Tribunal Federal", diz o subprocurador da República.
Também chama a atenção na lista a presença de pessoas com participação destacada na organização dos atos antidemocráticos. A ativista de extrema-direita Sara Winter, líder do grupo 300 do Brasil, e o blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio obtiveram recursos com monetização de conteúdo no YouTube —ambos já foram presos por ordem do STF.
Sara recebeu R$ 10,7 mil entre junho de 2018 e maio de 2020, enquanto a quantia arrecadada por Eustáquio foi mais expressiva —ele obteve quase R$ 17 mil em apenas um mês (entre maio e junho de 2020, justamente o auge das manifestações pedindo o fechamento do STF e um novo AI-5, decreto que endureceu a ditadura militar).
Canais negam conteúdo antidemocrático
Anderson Rossi, dono do Foco do Brasil, afirma que seu canal é uma "mídia jornalística" e que tem como objetivo principal "noticiar as ações e declarações do presidente da república".
Ele diz ainda que o único vídeo publicado no canal classificado como um ataque à autonomia dos Poderes foi um discurso de Bolsonaro, "também publicado por várias outras mídias e canais".
Rossi afirma que o valor expressivo obtido com a monetização no YouTube não o deixou milionário. "Essa arrecadação em dólar citada em 2019/2020 é de todo um trabalho jornalístico e nesse valor estão impostos federais, taxação de câmbio, equipamentos e equipe". O dono do Foco do Brasil diz, por fim, repudiar "qualquer ato que atente contra a autonomia dos Poderes".
Já o Giro de Notícias atacou a investigação da PF e do MPF e disse que o valor obtido com a monetização "não chega nem perto" do informado na investigação.
"A informação que meu canal lucrou divulgando vídeos que atentam contra autonomia dos Poderes é mentirosa", disse o canal por e-mail. "Não existe nenhum vídeo no meu canal que apoia atos antidemocráticos, meu canal pauta por levar a informação em forma de opinião amparado pelo art. 5 da Constituição", completou, lembrando que veículos de comunicação tradicional, como o UOL, também recebem recursos com anúncios do Google Adsense.
A defesa de Oswaldo Eustáquio sustenta que "a monetização do seu canal foi realizada de forma legal" e que "a narrativa de que o jornalista Oswaldo Eustáquio incentivou atos antidemocráticos é patética".
Procurado, o canal Folha Política não retornou os contatos feitos pela UOL. A reportagem não conseguiu localizar Sara Winter.
Google diz apoiar investigações
Criticado pelo MPF por suposta permissividade com conteúdos extremistas no YouTube —crítica também feita à empresa nos Estados Unidos e em outros países ao longo dos últimos anos—, o Google afirmou que "apoia consistentemente o trabalho das autoridades" brasileiras.
A gigante da tecnologia ressalva, no entanto, que produz dados "em resposta a pedidos específicos, desde que sejam feitos respeitando os preceitos constitucionais e legais previstos na legislação brasileira".
A empresa não respondeu se considera que vídeos defendendo o fechamento do Congresso e do STF ou convocando manifestações com pautas antidemocráticas estão dentro de suas diretrizes de comunidade. Contudo, afirmou em nota que, "quando não há violação das políticas do YouTube, a decisão sobre a necessidade de remoção do conteúdo cabe ao Poder Judiciário, de acordo com o que estabelece o Marco Civil da Internet".
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