Em ação por fala racista, MPF e Defensoria Pública cobram R$ 15 milhões
O MPF (Ministério Público Federal) e a DPU (Defensoria Pública da União) entraram ontem com um ação civil pública contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por uma fala de cunho racista no começo deste mês. Os órgãos pedem ações reparadoras no valor total de R$ 15 milhões.
No dia 8, Bolsonaro disse, aos risos, que o cabelo crespo de um apoiador era "criador de baratas". Na sequência, o político perguntou quantas vezes por mês o rapaz o lavava. A fala foi feita no "cercadinho", espaço do Palácio da Alvorada, em Brasília, que reúne simpatizantes bolsonaristas. Na sequência o Presidente acrescenta: "Você não pode tomar ivermectina, vai matar todos os seus piolhos". O homem não se mostrou incomodado com a fala, afirmando "não ser um negro vitimista". O presidente estava ciente de que estava sendo gravado.
No documento, o MPF e a DPU pedem que o presidente e a União sejam condenados a pagar uma indenização por dano moral coletivo no valor mínimo de R$ 5 milhões, "para reparar os prejuízos causados pelas declarações", que seria revertida ao Fundo de Direitos Difusos, e a fazer uma campanha publicitária de combate ao racismo no valor mínimo de R$ 10 milhões.
Os procuradores e defensores que assinam a peça pedem ainda que Bolsonaro deve se abster de fazer novos comentários nesse teor e se retrate pela mídia e pelos meios de comunicação oficial do governo.
"A conduta do Presidente da República Jair Bolsonaro visa a transmutar um elemento de afirmação da identidade negra em algo sujo, execrável e que identifica um padrão fenotípico da população negra como algo que a subjugasse a uma posição social inferior, em evidente comportamento discriminatório."
MPF e DPU, em ação pública
Na ocasião, o apoiador, que não aparece nas imagens gravadas pelo canal "Foco do Brasil", no YouTube, deu risada do comentário e disse não ser um "negro vitimista", afirmando que o presidente tinha o direito de "brincar" sobre o assunto.
Para a DPU e o MPF, porém, "o registro do cidadão no sentido de não se afetar com o comentário" não descaracteriza a "prática racista" de Bolsonaro. "O presidente não proferiu apenas uma piada infeliz e de péssimo gosto", disseram.
Discurso de ódio x liberdade de expressão
Entre as justificativas para o processo, MPF e DPU argumentam que Bolsonaro associa o cabelo black e sujeira, o que reforça um estigma negativo para a estética negra. "Os estereótipos atribuídos a pessoas negras como o disseminado na fala do Presidente da República, que associam o cabelo black power à ausência de higiene, impactam nas desigualdades raciais no trabalho, ao disseminar a ideia de 'boa aparência', durante tanto tempo utilizada como barreira ao acesso a postos de trabalho", afirmam as entidades.
Os órgãos lembram que a lei proíbe apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que incite à discriminação. Pontuam ainda que o caso não se enquadra no direito à liberdade de expressão, pois a livre expressão não pode ser interpretada como instrumento para violação do princípio da dignidade da pessoa humana.
O processo cita dados para expor os efeitos do racismo no Brasil e apontar a importância de tomar ações contra falas que reforçam a discriminação racial. Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam 6.357 pessoas mortas por policiais em 2019. Deste total, 80% (oitenta por cento) ou, aproximadamente, 5.086 (cinco mil e oitenta e seis) pessoas, eram negras, predominantemente homens, entre 15 e 29 anos.
"Em um país onde os dados da letalidade policial são alarmantes, a associação entre o discurso desumanizador e práticas violentas não pode, e não deve, ser relativizado", dizem MPF e DPU. As entidades destacam ainda que os comentários foram feitos enquanto Bolsonaro exercia suas atividades enquanto presidente.
É importante destacar que a fala discriminatória ocorreu no exercício de suas atividades institucionais, portanto, no contexto do ambiente de trabalho, e ainda que não proferida contra trabalhador diretamente, atinge a honra e dignidade de todos os trabalhadores negros inseridos ou não na estrutura do órgão do Executivo
MPF e DPU, em ação pública
Outros casos
Na semana passada, DPU e MPF enviaram uma representação a PGR (Procuradoria-Geral da República) nesse mesmo sentido, pedindo imediata apuração de responsabilidade criminal e política" de Bolsonaro diante dos "gravíssimos fatos" apresentados na representação.
No documento, MPF e Defensoria sinalizar uma recorrência de casos."Necessário contextualizar que as falas do Presidente não se encontram isoladas de um longo e reiterado repertório de discursos de cunho preconceituoso e discriminatório contra a população afrodescendente", escrevem.
Essa não é a primeira vez que o presidente faz declarações desse tipo voltadas ao mesmo homem. No dia 6 de maio, em outra conversa nos arredores do Palácio da Alvorada, o presidente disse, se referindo ao cabelo do cidadão: "tô vendo uma barata aqui". A fala foi acompanhada de risos de seus apoiadores.
Dias antes, em 4 de maio, ao ver um homem com cabelo black power, o presidente o questionou: "o que você cria aí nessa cabeleira?"
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