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Inquérito do TSE para investigar ataques de Bolsonaro as urnas é inédito

Guilherme Castellar

Colaboração para o UOL, no Rio

04/08/2021 12h00

A decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de instaurar um inquérito administrativo para investigar ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das eleições de 2022 é inédita na história do órgão. Consultado pelo UOL, o TSE confirmou que nunca antes uma apuração com esse fim foi aberta.

A investigação foi solicitada, na segunda-feira (2), pelo ministro Luís Felipe Salomão, corregedor-geral da Justiça Eleitoral, três dias após a live em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reciclou mentiras para atacar a confiabilidade do voto eletrônico e não apresentou os indícios prometidos para as denúncias —ele acabou admitindo não possuir provas.

Em resposta a questionamento feito pelo UOL, o TSE esclareceu que a apuração é contra fatos, não contra pessoas. Ou seja, a investigação não tem como objetivo investigar diretamente o comportamento do presidente Bolsonaro.

Apurar fatos que possam configurar abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação social, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea, relativamente aos ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das Eleições 2022.
Portaria de Luís Felipe Salomão, corregedor-geral da Justiça Eleitoral

Lidar com suspeitas de fraudes não é novidade para a Justiça Eleitoral. A cada eleição, partidos ou candidatos insatisfeitos com os resultados das urnas apelam ao TSE ou aos TRE (Tribunais Regionais Eleitorais) levantando suspeitas de manipulação, inclusive, na votação eletrônica —o que nunca foi comprovado.

A mais famosa foi o pedido de auditoria feito, em 2014, pelo PSDB após derrota do candidato do partido à presidência, o então senador Aécio Neves, para Dilma Roussef (PT), que foi reeleita. A auditoria externa foi autorizada pelo TSE e nenhuma fraude foi constatada —em 8 de julho recente, o PSDB voltou a admitir que a eleição foi correta.

O ineditismo do processo atual está em apurar se a disseminação de acusações, sem provas, que coloquem em dúvida a confiabilidade do processo eleitoral brasileiro pode configurar crime eleitoral. O inquérito é uma reação do TSE à escalada das declarações do presidente Bolsonaro e correligionários contra a lisura das eleições no Brasil.

Bolsonaro na live  - Reprodução/YouTube - Reprodução/YouTube
Bolsonaro na live em que reciclou mentiras para atacar a confiabilidade do voto eletrônico
Imagem: Reprodução/YouTube

Para o advogado Fernando Neisser, presidente da Comissão de Estudos de Direito Eleitoral do IASP (Instituto de Advogados de São Paulo), o "grau de ineditismo desse inquérito sinaliza uma veemente desaprovação do TSE com o que está acontecendo".

Apesar da novidade da medida, ele diz não acreditar que a ação esteja "fora das linhas", pois esse tipo de inquérito administrativo está previsto tanto no Código Eleitoral quanto nos regimentos internos dos tribunais regionais e do TSE.

Consequências futuras

Em um primeiro momento, as conclusões do inquérito —que incluem colheita de provas, documentos e depoimentos de autoridades— não levariam a punições diretas a Bolsonaro que, oficialmente, ainda não é candidato à reeleição em 2022.

No entanto, caso o inquérito conclua que a divulgação de falsas suspeitas contra o voto eletrônico é abuso de poder político ou outro crime eleitoral, Bolsonaro pode ser punido quando se tornar oficialmente candidato.

Para isso, explica Neisser, o Ministério Público Eleitoral, candidatos ou partidos e coligações poderiam entrar com uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral, o que só pode ser feito após um pedido oficial de candidatura.

Nada impede que o que foi produzido como prova no inquérito possa ser usado tão logo Bolsonaro peça o seu registro como candidato. Algum partido pode acusá-lo de abuso político [ao disseminar de acusações falsas] para tentar influir ou causar anormalidade nas eleições [de 2022].
Fernando Neisser, do IASP

O especialista em direito eleitoral explica que é o mesmo princípio de ações que tentam punir pré-candidatos que, por exemplo, espalham outdoors pela cidade parabenizando a população antes mesmo da corrida eleitoral começar.

Isso configura abuso de poder econômico —e político, se o acusado ocupava um cargo público. Pelo Código Eleitoral, a candidatura pode até ser cassada e o político se tornar inelegível por oito anos.