Fraude, anulação e apuração lenta: as eleições antes das urnas eletrônicas
O debate sobre o voto impresso no Brasil, levantado pelos recentes ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) à segurança do sistema de urnas eletrônicas, remete a memória de alguns brasileiros a um tempo em que a votação era registrada em papel e, consequentemente, mais precária.
Parte dos eleitores brasileiros nunca teve a experiência de marcar um 'X' em um papel para escolher o seu candidato. Nas distantes eleições municipais de 1996, um terço dos eleitores passaram indicar o seu voto pressionando os botões da urna eletrônica. Foi o início da aposentadoria do voto manual.
Em 2000, o sistema eleitoral brasileiro já era 100% eletrônico. Quem não votou antes disso pode ter dificuldade para dimensionar o quanto o processo de escrutínio era precário, dando margem para fraudes e muita confusão, incluindo anulações de eleições.
Sem dúvida os maiores ganhos [do voto eletrônico] foram a eliminação das fraudes na apuração e do voto-de-cabresto. A urna eletrônica trouxe segurança e celeridade ao processo eleitoral, além de ser um mecanismo auditável.
Isabel Veloso, professora da FGV (Fundação Getulio Vargas) Direito Rio
Vale o que está escrito --ou não
Antes da modernização eletrônica, o registro dos votos era feito em cédulas de papel. Em uma lista, os eleitores assinalavam um X no quadrado ao lado do nome de seu escolhido para os cargos executivos (prefeito, governador ou presidente).
No caso das eleições legislativas, era preciso escrever o nome ou o número do candidato a vereador, deputado estadual ou federal e senador. A cédula era, então, depositada em uma urna de lona.
Após a votação, as urnas eram fechadas, lacradas e levadas, com escolta da Polícia Militar, em ônibus reservados pela Justiça Eleitoral até as juntas apuradoras —geralmente ginásios de esporte.
Tinha início o longo processo de contagem de votos, que podia demorar dias. No segundo turno da eleição presidencial de 1989, por exemplo, que elegeu Fernando Collor de Mello presidente, o resultado oficial só saiu três dias depois.
Já na última eleição, só com as urnas eletrônicas, o resultado da vitória de Bolsonaro saiu cerca de duas horas após o fim da votação.
Trabalho exaustivo
Em 1989, o TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) convocou mais 35 mil pessoas para trabalhar na apuração da eleição no estado.
Cada junta de apuração reunia 54 escrutinadores ou auxiliares, cidadãos convocados para a apuração dos votos. O trabalho não era remunerado e eles só podiam sair da mesa para ir ao banheiro. Dormir, só depois de finalizada a contagem.
Fiscais de cada partido circulavam entre as mesas de olho em possíveis falhas no registro dos votos ou mesmo manipulações.
Escrutinadores mal-intencionados podiam extraviar cédulas com voto em um candidato ou computar votos brancos ou nulos para outro concorrente.
Os votos para o legislativo eram os que mais sujeitos a fraudes, pois exigiam que o eleitor escrevesse o nome e número do candidato.
A depender da interpretação do escrutinador, um 5 mal redigido podia ser lido como 6, um 7 virava um 1. Os bate-bocas eram constantes e escrutinadores ou fiscais às vezes saiam presos.
Há casos em que o próprio candidato a vereador era fiscal e pressionava escrutinadores para computar votos a seu favor.
Manipulação e coação
Apesar de a apuração ser um dos momentos mais críticos, todo o processo eleitoral dava margem para crimes.
Em 1994, a eleição para deputado estadual e federal do Rio de Janeiro foi anulada pelo TRE do estado. Esse pleito é exemplar para vislumbrar a variedade de fraudes a que o sistema de voto físico estava sujeito.
O TRE identificou manipulação de votos brancos, "urnas grávidas" —que receberam mais cédulas do que o número de eleitores registrados para votar na seção— e mesários votando no lugar de eleitores faltosos.
Até o chamado "voto formiguinha" foi flagrado. Nele, o eleitor é coagido a depositar um papel qualquer na urna e levar a cédula oficial para fora da seção. Após receber o nome do candidato, ela é depositada na urna por outro eleitor, que também deve levar para a rua a cédula em branco que recebeu.
Segundo a professora Isabel Veloso, da FGV Rio, a urna eletrônica, por sua vez, diminuiu os riscos do voto-de-cabresto, quando há a "ameaça de que o voto dado por cada eleitor seria conhecido no momento da apuração."
"As urnas eletrônicas em operação no Brasil, por sua vez, não são passiveis da ação de hackers, tendo em vista que são mecanismos autônomos, sem comunicação externa por meio de internet ou bluetooth, por exemplo", avalia a advogada.
"Além de serem auditáveis e proporcionarem uma contagem automatizada."
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