Topo

Pondé sobre impeachment: Sem Bolsonaro, Lula pode perder seu 'encanto'

Colaboração para o UOL

17/08/2021 11h41Atualizada em 17/08/2021 12h20

Para o filósofo e escritor Luiz Felipe Pondé, um eventual impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) seria desfavorável para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —que poderia, com isso, acabar perdendo parte do seu "encanto".

Não acho que isso [o impeachment] vá acontecer. Mas, se me dessem a escolha, eu votaria a favor. Inclusive, acho que nem para o Lula é bom que aconteça. Para o Lula, é melhor que Bolsonaro sangre até morrer. Porque, sem Bolsonaro, o Lula talvez perca um pouco do seu encanto para outro candidato que não tenha o peso do Bolsonaro e não tenha o peso do Lula, que seguramente vai ser trazido à tona na campanha.
Luiz Felipe Pondé

Pondé participou hoje do UOL Entrevista, conduzido pela jornalista Fabíola Cidral e pelos colunistas Leonardo Sakamoto e Josias de Souza. Autor do livro "Notas Sobre a Esperança e o Desespero", ele comparou o cenário das eleições de 2022 e a polarização entre Lula e Bolsonaro ao filme de ficção científica "Alien vs. Predador".

Para ele, uma esperança seria que aparecesse outro candidato, "que não seja Lula nem Bolsonaro", com chances de entrar na disputa pelo Planalto. "Agora, se a gente ficar preso nesse cenário, eu espero que [o vencedor] seja qualquer outro menos o Bolsonaro, mesmo que seja o Lula", declarou.

"Do ponto de vista histórico, é muito provável que Lula tivesse enfrentado a pandemia melhor que Bolsonaro, com mais empatia, gestão da crise, e não ficasse fazendo queda de braço com coisas que Bolsonaro faz, como máscaras e vacina", disse o filósofo, que classificou o petista como uma opção "menos traumática".

Apesar disso, Pondé reiterou que "nunca foi simpático" a Lula e ao PT. "Não acho que carregam a graça da santidade política do país", declarou, "mas tenho a impressão que, ao mesmo tempo, acomodaria essa agonia que a gente sente no governo Bolsonaro, que você nunca sabe o que vai acontecer amanhã".

Pós-verdade e mídia

Na entrevista, o filósofo também analisou a presença da pós-verdade na política hoje, quando fatos e acontecimentos concretos têm menos peso ou importância do que crenças pessoais ou emoções.

"Esse problema de políticos usarem argumentos e mentir de forma deslavada é um problema clássico", disse Pondé, afirmando que "o problema com a ideia de verdade na história da filosofia é antigo como a própria filosofia".

Para o filósofo, um ponto que liga isso a Bolsonaro -que frequentemente dissemina teses negacionistas sobre a pandemia ou o processo eleitoral— é o uso das redes sociais como plataforma em que todos são emissores de informação.

Fazendo um paralelo com o exemplo de um taxista que, durante uma corrida, traz uma série de teorias conspiracionistas, sejam elas sobre extraterrestres ou política, Pondé disse acreditar que Bolsonaro vai ao encontro dessas pessoas.

"O bolsonarista acha que nós, que trabalhamos na mídia, somos parte de um status quo opressor, que domina a informação e o debate público. Acho que o Bolsonaro é resultado desse fenômeno, e encontra em seu apoio aquilo que é fundamental para essas pessoas", disse.

Culto ao político e religião

Questionado sobre o tratamento que tanto Lula como Bolsonaro recebem por parte de suas militâncias, que os veem como uma espécie de salvadores, Pondé afirmou que "sempre houve vínculo entre religião e política". "A religião sempre foi uma espécie de justificação da soberania de muitos que tinham o poder", disse.

Avaliando o cenário atual, no entanto, o filósofo afirmou que "o elemento religioso está, antes de tudo, vinculado ao elemento irracional, assim como a religião está". "O PT e o bolsonarismo acabam carregando essa áurea de graça salvacionista, e o ser humano está sempre buscando salvação", ponderou.

Apesar disso, para Pondé, há diferenças entre as figuras do ex-presidente Lula e de Jair Bolsonaro.

"Há uma construção histórica na figura do Lula ao longo do processo pós-ditadura. O Bolsonaro, não. Ele vem de uma carreira militar medíocre, um político medíocre no centrão, uma figura sem rastro importante no processo de construção da política pós-ditadura", disse.

Bolsonaro é uma espécie de youtuber que chegou em uma hora específica e acabou 'colando' porque o Brasil tem uma gama populacional conservadora.
Luiz Felipe Pondé

Educação fragilizada

Professor universitário, Pondé disse ver a educação como uma área "bastante sofrida". Para ele, há basicamente dois tipos de perfis que acabam se envolvendo com a área: o do "apaixonado" e que, por isso, não entra na educação pelo dinheiro, mas por um conjunto de ideias; e o do que vê na educação um caminho por "falta de opção".

"A educação é um terreno devastado. Os professores do [setor] privado são um elo na cadeia do marketing, e não na produção intelectual. Professor, hoje, ou é elo na cadeia de autoestima ou na produção de marketing da própria escola, ou está ali para garantir o salário ruim que ele tem", afirmou.

É nesse cenário de educação fragilizada que, para Pondé, Bolsonaro encontra território para promover uma guerra cultural. "Bolsonaro tenta fincar sua bandeira. Ele acha que está aqui para salvar a cultura, dizendo que a ditadura não matou pessoas, não foi um regime violento".

Para o filósofo, a melhoria da educação passaria necessariamente pela valorização docente, com garantia de melhores salários: "um piso salarial de R$ 10 mil por mês atrairia pessoas com mais qualidade para desenvolver a formação".