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Eu me arrependo de não ter regulado melhor a delação premiada, diz Cardozo

Colaboração para o UOL

25/08/2021 11h44Atualizada em 25/08/2021 15h55

Ex-ministro da Justiça nos governos de Dilma Rousseff (PT), José Eduardo Cardozo diz que não se arrepende de ter assinado, junto com a ex-presidente, a lei que prevê o uso de delações premiadas na investigação contra organizações criminosas. Ele afirma se arrepender, no entanto, de não ter pensado em uma regulação para o uso desse mecanismo.

Eu me arrependi não [de ter implementado] a delação premiada, me arrependi de não ter regulado melhor isso. Nunca imaginei que pessoas iam ser presas para delatar, sem base nenhuma para a prisão.
José Eduardo Cardozo

Os acordos de delação premiada foram um dos principais mecanismos utilizados pela Operação Lava Jato, que investigou esquemas de corrupção envolvendo a Petrobras e atingiu principalmente o PT.

Cardozo participou hoje do UOL Entrevista, conduzido pela jornalista Fabíola Cidral e pelos colunistas Josias de Souza e Carla Araújo. Citando as revelações feitas pelo site The Intercept Brasil, que publicou uma série de reportagens feitas com base em mensagens trocadas por membros da Operação Lava Jato e que mostraram conversas entre os procuradores e o ex-juiz federal Sergio Moro, Cardozo afirmou que a força-tarefa acabou fazendo da ferramenta das delações um "método inquisitorial".

"Não é porque alguém delatou alguma coisa, nesse clima que foi criado, que isto é verdade. As delações em si têm que ser provadas. O que acabou acontecendo é que as pessoas delatavam o que a Lava Jato queria para poder sair da cadeia. Isso equivale aos mecanismos medievais. Eu não vou aceitar isso", disse ele.

Cardozo afirmou ainda que parte das delações premiadas foi induzida, citando como exemplo a do empreiteiro Léo Pinheiro, e que disse ter sido "ingênuo" ao imaginar que o mecanismo seria aplicado com comedimento. "Me arrependo talvez de ser ingênuo e não achar que juízes usariam de forma arbitrária a delação para prender pessoas para forçá-las a delatar e pisotear sobre garantias constitucionais, como aconteceu com a Lava Jato", declarou o ex-ministro.

'Afronta democrática'

O ex-ministro da Justiça também classificou como uma "afronta democrática" a apresentação de um pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

"O impeachment deve ser pedido pelo cidadão, e Bolsonaro não se despiu da condição de presidente da República para pedir impeachment. Ele jogou a presidência em si, isso já é uma anomalia político-democrática", avaliou Cardozo.

O ex-ministro afirmou ainda que, eventualmente, discorda de posicionamentos de ministros do STF. "Mas daí a você tentar imputar como crime uma compreensão jurídica, acho isso uma afronta", disse.

Para ele, a sociedade brasileira deve perceber o "risco" que Bolsonaro representa, hoje, para a democracia no país. "Fui ministro da Justiça, advogado-geral da União de um governo que caiu, e nunca pedi impeachment de ministro do STF", pontuou Cardozo.

Forças Armadas e 'minoria radicalizada'

Questionado sobre a convocação de Bolsonaro a atos de apoio ao seu governo, marcados para 7 de setembro, e que devem manter o tom de conflito do presidente com o STF e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Cardozo afirmou que há diferenças entre a liberdade de manifestação e a incitação ao crime.

"Uma coisa é liberdade de manifestação. Eu defendo a liberdade de manifestação, inclusive de quem não pensa como eu. Outra coisa é incitação ao crime. E outra, é a prática do crime", disse.

Temos que separar muito bem, não podemos ser irrazoáveis nessa questão para que nós não venhamos a nos tornar tão intolerantes quanto aqueles que não toleram a democracia. Não vamos misturar o joio com o trigo para não sermos injustos.
José Eduardo Cardozo

Em referência ao caso do coronel da PM (Polícia Militar) que, após ter feito publicações incentivando o ato pró-Bolsonaro, acabou afastado por indisciplina, Cardozo declarou que "militar da ativa não pode fazer manifestação, não pode falar o que falou". "Os braços armados têm que estar a serviço do estado, e não a serviço de governos", disse.

Por outro lado, o ex-ministro disse acreditar que situações como essas estão relacionadas a uma "minoria radicalizada" nas organizações militares.

"Eu convivi muito com militares no Ministério da Justiça porque tínhamos muitos eventos juntos. Tenho uma admiração pelas Forças Armadas brasileiras, tenho amigos lá. Acho que certas situações têm a ver com uma minoria radicalizada. Não é possível, essas não são as Forças Armadas que eu conheci, que eu convivi e que eu respeito", declarou.

Nesse sentido, o ex-ministro afirmou não acreditar em uma possibilidade de golpe de estado articulado por Bolsonaro.

"Não acho [que há possibilidade de golpe]. Pelo que conheço das Forças Armadas, dos policiais brasileiros. Não existe golpe sem apoio expressivo da população e sem o mínimo de apoio internacional", afirmou Cardozo.