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Prevent induziu competição de médicos para 'bombar' kit covid, diz dossiê

Um exemplar do chamado kit covid distribuído pela Prevent Senior, segundo profissionais que denunciam a empresa por supostas irregularidades. Na foto, o kit é composto por azitromicina (antibiótico), ivermectina (antiparasitário), hidroxicloroquina, corticoide, vitaminas e suplemento alimentar de proteína em pó - Reprodução
Um exemplar do chamado kit covid distribuído pela Prevent Senior, segundo profissionais que denunciam a empresa por supostas irregularidades. Na foto, o kit é composto por azitromicina (antibiótico), ivermectina (antiparasitário), hidroxicloroquina, corticoide, vitaminas e suplemento alimentar de proteína em pó Imagem: Reprodução

Luciana Amaral e Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília

25/09/2021 04h00Atualizada em 25/09/2021 12h33

A direção da operadora de saúde Prevent Senior induziu uma competição entre médicos para impulsionar a prescrição do kit covid, segundo dossiê com supostas irregularidades praticadas pela empresa entregue à CPI da Covid. O documento, ao qual o UOL obteve acesso, foi elaborado por 12 profissionais da empresa, seis ainda na rede e seis ex-funcionários. Os fatos ocorreram durante o ano de 2020, no auge da pandemia, indicam as acusações.

A Prevent Senior nega as denúncias, acrescentando que elas são "sistemáticas e mentirosas" (leia mais abaixo).

O kit covid é composto por uma série de medicamentos sem eficácia comprovada no tratamento da doença, podendo até causar efeitos colaterais graves em determinadas pessoas a depender de comorbidades e do quadro de saúde em geral.

Na Prevent, o kit era prescrito a pacientes com sintomas gripais, ainda que sem diagnóstico de covid-19, segundo os médicos que elaboraram o dossiê. Os relatos indicam que a metodologia consistia em prescrever os remédios sem o consentimento dos pacientes, fato que é investigado pela CPI.

De acordo com a denúncia, os profissionais da Prevent eram "controlados por gráficos que demonstravam o desempenho, induzindo a competitividade entre os médicos, que passaram a ter 'metas' de prescrição de medicamentos". Esses gráficos eram distribuídos internamente em grupos no WhatsApp por um dos diretores da Prevent, o cardiologista Rodrigo Esper, como forma de tentar engajar a equipe, aponta.

Além da política de estímulo, a direção ainda fazia cobranças aos médicos quando os resultados não estavam agradando, afirma.

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Por exemplo, em mensagem de WhatsApp identificada como sendo de 10 de maio de 2020, Esper encaminha gráfico intitulado "Inclusão Protocolo: Tele x PS". "Tele" se refere à teletriagem (atendimento virtual) enquanto PS se refere ao Pronto-Socorro do hospital Sancta Maggiore, pertencente à rede.

Em mensagem, posteriormente, escreveu: "Pessoal, não podemos perder o foco. Voltamos a ter rendimentos ruins. Não podemos perder o tônus. Ainda não atingimos o pico da epidemia e caímos o rendimento. Peço que imediatamente todos os tutores de plantão conversem com suas equipes e salientem a importância do tratamento precoce. Isso é muito importante! Obrigado."

Em 11 de junho do ano passado, segundo o dossiê, Esper enviou outro gráfico de teor semelhante com a mensagem: "Boa tarde, estamos com tendência a (sic) queda nas prescrições. Vamos reforçar com o grupo. Obrigado".

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Nos "dias de pico", mais de 250 kits eram entregues a pacientes, afirma o documento.

O dossiê não deixa claro para quais grupos de WhatsApp essas mensagens foram enviadas.

Kit inicial teria sido ampliado depois

Inicialmente, o kit covid da Prevent era formado por 400 mg de hidroxicloroquina (indicada para algumas doenças reumatológicas e malária) em conjunto com 500 mg de azitromicina (antibiótico), afirma a denúncia.

Depois, com a suspensão de uma pesquisa promovida pela Prevent sobre a eficácia do uso de hidroxicloroquina em associação com a azitromicina, os médicos teriam passado a ser obrigados a promover o "kit Prevent". Este teria sido uma espécie de kit covid ampliado.

De acordo com fotos dos saquinhos distribuídos a pacientes às quais a reportagem obteve acesso, um exemplar do kit ainda contava com azitromicina e hidroxicloroquina, mas também ivermectina (antiparasitário), corticoide, vitaminas e suplemento alimentar de proteína em pó.

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Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) e estudos realizados em vários países, até o momento, não há remédio algum com eficácia comprovada contra a covid-19. Alguns fármacos, no entanto, são utilizados nos hospitais a fim de amenizar o impacto dos sintomas pós-contaminação, como febre, problemas respiratórios, entre outros.

Tentativa de convencer médicos

Os diálogos reproduzidos pelo dossiê mostram que a cúpula da Prevent Senior supostamente buscava, com uma abordagem motivacional, convencer os profissionais de saúde a prescrever os remédios do kit covid.

Ainda segundo o dossiê, na visão da operadora de saúde os médicos não poderiam "deixar escapar a oportunidade" de tratar a doença "o quanto antes". Uma espécie de meta foi estabelecida, de acordo com mensagem enviada por um dos diretores da Prevent em 12 de abril de 2020.

"Acerte o alvo. O segundo dia de sintomas é o que queremos. E o melhor: a prescrição está na sua mão. E nós estamos com você", diz trecho da mensagem.

O segundo dia de início dos sintomas, que seria o ideal para prescrição do kit covid de acordo com os protocolos da Prevent, ganhou até um apelido: "Golden day". Em inglês, dia dourado. "Indique o tratamento e deixe que o resto nós nos encarregamos de fazer."

Em seguida, o mesmo diretor fez uma observação. "Pessoal, reforcem com as equipes. Importante não perdermos a chance de tratar. E tratar precocemente. E reforcem também a importância do preenchimento da planilha de TeleAlerta."

Retaliação

A denúncia entregue à CPI afirma que as diretrizes passadas pela direção-executiva e pela clínica médica deveriam ser interpretadas como ordens, porque, caso fossem descumpridas, a consequência era a demissão. Segundo relatos, diz o dossiê, o ambiente era de "ameaças e hostilidade".

"Perante a política de pejotização adotada pela empresa, as diretrizes são transmitidas aos médicos pelo aplicativo WhatsApp, uma vez que essa metodologia informal, em tese, reduziria o risco de possíveis demandas judiciais", cita.

Em depoimento à CPI da Covid na quarta (22), o diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, disse que nenhum profissional foi demitido por ter se recusado a aplicar esse "tratamento precoce". No entanto, em outro momento, ao ser indagado sobre a mesma questão, afirmou que "médicos foram excluídos da empresa por graves falhas éticas e morais, como invasão de prontuários e tratamento inadequado de pacientes, muitos deles com queixas em compliance".

Também na CPI, ele confirmou que os estudos realizados até hoje comprovam que a hidroxicloroquina não tem eficácia contra a covid-19. Ainda, disse que "hoje está muito mais claro" que não existe necessidade dessa prescrição de cloroquina e azitromicina.

22.set.2021 - O diretor-executivo da operadora de saúde Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, em depoimento na CPI da Covid. - Edilson Rodrigues/Agência Senado - Edilson Rodrigues/Agência Senado
22.set.2021 - O diretor-executivo da operadora de saúde Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, em depoimento na CPI da Covid.
Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Prevent rebate e pede investigação da PGR

Em nota, a Prevent Senior negou as denúncias "sistemáticas e mentirosas levadas anonimamente à CPI da Covid e à imprensa". Afirmou ainda que pediu na segunda-feira (20) que a PGR (Procuradoria-Geral da República) investigue as acusações tornadas públicas.

"Estranhamente, antes de as acusações serem levadas à comissão do Senado, uma advogada que representa esse grupo de médicos insinuou que as denúncias não seriam encaminhadas à CPI se um acordo fosse celebrado. Devido à estranheza da abordagem, a Prevent Senior tomará todas as medidas judiciais cabíveis para esclarecer os fatos e reparar os danos a sua imagem", acrescentou.

Batista Júnior negou que a empresa tenha ocultado mortes por covid-19, rebateu acusação da comissão de que fez "estudo clínico" para balizar a aplicação do chamado kit covid e responsabilizou médicos vinculados à operadora por suposta manipulação de dados e divulgação indevida de prontuários de pacientes.

Contudo, Batista Júnior confirmou que houve a orientação para que os médicos modificassem o CID (código de diagnóstico) de pacientes que deram entrada com covid-19, após 14 ou 21 dias, a depender do caso de cada um.

Ele alegou que a medida foi tomada para que se identificassem pacientes que não representariam mais riscos de transmissão do novo coronavírus. Senadores da CPI, porém, enxergaram uma tentativa de manipulação e subnotificação de casos e mortes.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.